Foto postadada por MTéSERGIPE, a fim de ilustrar o presente artigo.
Imagem do acervo de Walmir Almeida/Eduardo Almeida
Histórias do tempo do Serviço de Luz e Força de
Aracaju,
na época dirigida por Hormindo Menezes.
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Publicado originalmente no site do Jornal do Dia, em
11/11/2014.
Energia Elétrica - ontem.
Raymundo Mello*
No período de 1939 a 1945, o mundo assistiu, viveu e sofreu
os horrores da 2.ª guerra mundial - o eixo (Alemanha, Itália e Japão) contra a
humanidade. Conflito executado de várias maneiras, morticínio desenvolvido por
terra, mar e ar. Quantos morreram na luta, jamais se saberá, as estatísticas
não eram tão eficientes como são hoje e, assim, fica difícil assegurar quantas
vidas humanas foram ceifadas em combates, bombardeios, naufrágios e campos de
concentração - somente Judeus, estima-se em 6.000.000 (seis milhões) de
vítimas. E do resto do mundo, a favor e contra, quantos morreram? Dolorosa
interrogação.
Descrever o que se passou, idas e vindas das políticas,
consequências da segunda guerra, não é tarefa para mim, um simples e modesto
Memorialista que apenas gosta de relembrar e registrar o que ficou guardado em
sua memória e, de maneira bem simples, dizer aos de boa vontade, sem
preconceito, que, guerra é o contrário de paz como vida é o contrário de morte.
Tratar de assunto tão horripilante deve ser cuidado dos historiadores,
pesquisadores, que citam datas, efeitos, consequências, quem ganhou, quem
perdeu, o que ofereceu ao mundo de positivo e negativo. Eu me limito à memória,
o que vi, o que vivi, o que me contaram e merece confiança. É o que tento fazer,
com simplicidade, mas com a certeza de que, qualquer falta ou aumento nas
narrativas, são consequências do desejo de despertar, a partir do texto
despretensioso, a vontade de se conhecer um pouco mais do que a memória
registra.
Atualmente, um assunto em tela para análises, críticas,
queixas ou elogios a governantes é Energia Elétrica. Pois saibam que isso é
velho, tem a idade do mundo, "e Deus criou o dia e a noite" (Gn
1,14-19), não está escrito assim? Pois bem: na época da segunda guerra mundial,
aqui em nosso Sergipinho, viveu-se tudo o que se possa imaginar de positivo e
negativo em função da energia elétrica produzida e executada por maquinário
gigante, heroicamente operado pelos trabalhadores, em vários níveis do SLFA -
Serviço de Luz e Força de Aracaju.
Aliás, diga-se de passagem que o SLFA teve ganhos de valor
por vários meses. Explico: no período 1942/1943 os efeitos danosos da guerra
transformaram a vida dos sergipanos; nas costas marítimas do nosso estado, sem
qualquer expectativa, submarino alemão (U2) passou a bombardear navios
cargueiros e de passageiros que navegavam rumo sul ou norte. Foram
torpedeamentos seguidos na costa sergipana de navios mercantes pertencentes às
empresas Loide Brasileiro e ITA, causando prejuízos materiais incalculáveis à
época e, o que é pior, fazendo centenas de vítimas, cujos corpos chegaram
boiando, às nossas praias, além de alguns "felizardos" que, de um
jeito ou de outro, alcançaram a terra, extenuados pelo enorme esforço
despendido, em sua maioria com problemas psicológicos graves, face ao que
presenciaram no momento dos naufrágios. Um período, de fato, terrível, que
deixou em choque os aqui residentes, também atemorizados com a barbárie.
Por tudo isso, alguns meses de 1943 o estado foi incluído no
plano nacional de Black-out. A partir de determinada hora da noite, as máquinas
geradoras de energia elétrica eram desativadas e a escuridão total, escondia
toda a costa sergipana, suas cidades, seus moradores. Escuridão total até o
raiar do dia; qualquer candeeiro ou vela que se acendia nas casas para uma
necessidade momentânea, tinha que ter proteção especial para que nenhuma
claridade pudesse ser localizada por aviões e embarcações em trânsito. E o
esquadrão de cavalaria da Polícia Militar, em vários grupos, fiscalizava
externamente as residências, e, se em uma ou outra aparecia algum rastro de
luz, por portas, janelas e telhas de vidro, a brigada da cavalaria parava em
frente à casa, um militar chegava à porta, batia fortemente com o cassetete e o
praça ordenava a toda voz: "apague a luz, quinta coluna -
imediatamente" e, claro, logo era atendido. Quinta coluna? Quem queria
ser?
Pois bem. O black-out deu lucro ao SLFA pois as máquinas
geradoras paradas sofriam menos desgaste e economizavam combustível. Como diz o
ditado popular, "não há mal que não traga um bem". No caso, seria
melhor, é claro, que não houvesse o mal.
Várias autoridades dirigiram o SLFA por muitos anos, tais
como o senhor Hormindo Menezes e o senhor Amaro, ambos, naturalmente, sofriam
os xingamentos quando havia falta de energia elétrica, como se eles fossem os
maiores "culpados" pelos cortes de energia; havia, inclusive, uma
crítica popular que dizia: "Aracaju, cidade que seduz, de dia falta água e
de noite falta luz" - isso em ritmo de samba.
Para concluir essa etapa, registro fato vivido. Nos anos
1942 e 1943, auge da segunda guerra, eu, garoto de 10 a 11 anos, participava
(mais por ser irmão de João Mello do que por pendores artísticos) do grupo de
rádio-teatro da Rádio Aperipê de Sergipe - PRJ-6 -, com estúdios instalados na
rua Itabaianinha, defronte do cinema Rex, onde funciona, até hoje, por esforço
de seus dirigentes, o Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe, entidade de
grande valor cultural, sempre disponível aos que o visita.
O grupo artístico responsável pelo setor de rádio-teatro
participava como amador, não havia cachet porque as peças levadas ao ar, faziam
parte do Esforço de Guerra, na maioria aplaudindo a FEB - Força Expedicionária
Brasileira, incentivando apoio, economia e integração com os militares.
Eu, naturalmente, interpretava papel de criança nas peças
escritas por Sales de Campos, Freire Ribeiro, Marques Guimarães e outros. Não
eram apresentadas em capítulos - era uma apresentação corrida, com princípio,
meio e fim, geralmente heroico e, ao som do Hino Nacional, da Independência, da
Bandeira, do Soldado e também da canção "A voz do dever", de Mário
Lago, interpretada pelo Sargento cantor João Mello, quase integrante do 3.º
escalão da FEB - que lutou pela liberdade e a democracia, no campo que ele
adotou, o campo das ideias. E ali ele era imbatível.
Como a peça era apresentada integralmente, como já disse, e
os recursos de gravações eram ineficientes, tínhamos que rezar para não faltar
energia durante a apresentação pois, quando isso acontecia, era reiniciada toda
a apresentação. E aí, a salva de "elogios e aplausos" era para o
dirigente do SLFA - "Ô Hormindo filho da p..."; "Que sacanagem
de Hormindo"; "P...., precisa tirar esse cara, de energia ele não
entende nada", etc... etc...
Todos riam e ficava-se na expectativa da volta da energia, e
aí, o locutor de plantão anunciava: "Por motivo de falta de energia
elétrica, vamos reapresentar todo o texto da peça, para que os caros ouvintes
não sejam prejudicados".
E entre nós, intérpretes, bem baixinho: "Deus ajude que
as máquinas aguentem, pelo menos durante a reapresentação da peça" ou,
simplesmente, "Segura aí, seu Hormindo, deixa a p.... da energia
funcionar", etc... etc...
Era duro ser dirigente do SLFA!
P.S. - Como cita Rangel Alves da Costa (Histórias de sol e
seca - Jornal do Dia, edição de 09 e 10/11/2014), "A ficção e o
Memorialismo também servem para ilustrar o drama nordestino e assim já ganharam
pujança pelas mãos de Rachel de Queiroz, Graciliano Ramos e Jorge Amado, dentre
outros".
* Raymundo Mello é Memorialista
raymundopmello@yahoo.com.br
Texto reproduzidos do site: jornaldodiase.com.br
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