Monsenhor João Batista de Carvalho Daltro em sua
maturidade.
Marcos Ferreira de Jesus, Garcia Moreno e Zózimo Lima.
O intelectual e jornalista João Oliva Alves, grande
memorialista sergipano.
Publicado originalmente no site do Portal Infonet, em
24/01/2011.
Os Garcia Moreno de Sergipe – Uma saga a perquirir V.
Por Odilon Cabral Machado.
A crônica, leve e engraçada, surgiu dos comentários
acontecidos numa conversa informal entre Moreno, Zózimo Lima e Marcos Ferreira
de Jesus, “um milionário” das anedotas e casos atribuídos ao velho Monsenhor.
I. O Vigário na Doce Província.
No livro “Doce Província” (1960), Livraria Regina Aracaju -
SE, o Médico e Psiquiatra João Batista Peres Garcia Moreno, o neto mais famoso
do Padre João Batista de Carvalho Daltro, manifesta na crônica “O Vigário”,
grande vontade de conhecer maiores detalhes da vida de seu avô.
Pelo que parece, o texto “O Vigário” surgiu em data bem
posterior à inauguração do monumento homenagem ao Monsenhor João Batista de
Carvalho Daltro, erigido na cidade do Lagarto em sete de setembro de 1947,
solenidade em que Moreno presenciou como um dos seus oradores, oração que não
foi inserido no seu livro de discursos “Letras Vencidas” (1955), restando, por
certo, inédito ou perdido.
Talvez, por uma questão de recolhimento, receio de mergulhar
em águas muito pessoais e túrbidas, Moreno evitou adentrar neste terreno íntimo
e bastante sentimental, preferindo que outrem o fizesse, sem paixões, norteado
por melhor imparcialidade científica e testemunhal.
É ele quem afirma “seria um grande livro a existência
romanceada do Monsenhor com suas virtudes e seus pecados, desenrolada em largo
trecho da história lagartense”.
II. O texto de Garcia Moreno.
O Vigário.
A figura do Monsenhor João Batista de Carvalho Daltro está
pedindo um biógrafo, que reconstrua, aos olhos da atualidade sergipana, os seus
traços mais representativos e as suas cores mais verdadeiras. O esboço
biográfico, pintado em conferência por Gervásio Prata, reclama ampliação que o
ilustre jurista poderia e deveria fazer, com indiscutível autoridade e elegância
estilística, sob a inspiração da paisagem do retiro encantador da serra da
Miaba. Meu pai encheu os seus últimos dias de vida, pesquisando sobre o velho
vigário do Lagarto, redigindo páginas incompletas de uma biografia, que
encontro nos papéis que me tocaram por herança. Seria um grande livro a
existência romanceada do Monsenhor com suas virtudes e seus pecados,
desenrolada em largo trecho da história lagartense. Enquanto não chega a
retratação fiel da grande figura humana, as deformações fatais das estórias
gizam os traços caricaturais, na boca do povo, de um perfil rústico em que a
verdade e a lenda se condensam na mais típica aliança sincrética.
O zelo pelos rigores litúrgicos, a franqueza do sacerdote, a
intuição do destino agrário de Lagarto que se atribui ao vigário, continuam a
circular, mais de 50 anos transcorridos de sua morte, no bojo das anedotas.
Marcos Ferreira é um milionário delas. Ontem, numa pequena roda do Instituto
Histórico, em que Zózimo Lima nos serviu uma saborosa amostra oral das memórias
que está escrevendo, Marcos nos deu, com a mesma parcimônia como empresta o
dinheiro da Caixa Econômica, algumas moedas das que se forma a riqueza
anedótica da vida do “Padre DATA”.
Casamento.
O cortejo vem de longe. Noivos, padrinhos e convidados
penetram na igreja, na hora aprazada. O padre se encontra no altar. A cerimônia
começa. Os nubentes, mais do que a repisada afinidade eletiva goeteana, têm uma
verdadeira afinidade química. Quando Monsenhor lhes indaga a respeito do
clássico “leva gosto”, a noiva tabaroa quer ser fiel aos seus sentimentos e
traduzir, da melhor maneira, suas apetência pelo tabaréu com quem está se
casando. Para responder e exprimir a plenitude do consentimento, procura, no
vocabulário pitoresco de sua linguagem, uma voz que nasça do fundo de sua
biologia.
- Deseja casar com Fulano?
- Tou miando, seu Vigário!
Padre Data levanta a sobrancelha e pigarreia. Dirige-se ao
noivo, que também vai responder mais com uma imagem do que com palavras.
- É de sua vontade casar com Fulana?
- Tou aos botes, seu Vigário!
- Pois não caso, explodiu o Monsenhor. Como posso casar gato
com cobra?
Passou-se um mês. – Os noivos melhoraram a linguagem,
quiseram e voltaram. Casaram. Viveram longos anos e deram às malhadas de
Lagarto muitos braços.
Confissão.
O Vigário já andava perto dos oitenta. Cansado, com as
deficiências da arteriosclerose generalizada. Deu para cochilar no
confessionário, em meio às indagações dos pecados das almas. Muitos pecadores
percebiam, no silêncio inesperado do padre, uma traição do sono invencível e se
afastavam, sem barulho, com a alma mal lavada. Vendo a retirada, outra ovelha
ia ajoelhar-se aos pés do pastor e abria o coração. Um dia, mal uma beata
começou a contar o pecado pouco asseado do furto de um tacho, o vigário
adormeceu. A mulher deixou o confessionário. A imediata chega barulhenta e
desperta o confessor. Inicia o debulhamento de faltas, totalmente desligadas do
furto. Monsenhor, sem perceber que era outra a paroquiana, indaga:
- Mas como foi o furto?
- Que furto, seu Vigário?
O confessor encara a mulher e verifica o engano. Sai do
confessionário e grita para a velha que lesara a propriedade do próximo, já à
porta da matriz:
- Ô senhora que furtou o tacho, Volte! Venha contar o resto.
O apelo já era a penitência. Publicamente.
III. O contexto e a circunstância de “O Vigário”.
O texto de Garcia Moreno, pela leveza e humor, procura
contar algo que bem se encaixaria no cotidiano de um Cura de aldeia, tentando
apaziguar as almas, elevando-as para o enaltecimento do ser, evitando em luta
renhida, a bestialização do existir e conviver.
A crônica, leve e engraçada, surgiu dos comentários
acontecidos numa conversa informal entre Moreno, Zózimo Lima e Marcos Ferreira
de Jesus, “um milionário” das anedotas e casos atribuídos ao velho Monsenhor.
IV. Um pouco de Zózimo Lima.
De Zózimo Lima (1889-1974), o inigualável cronista de
“Variações em Fá Sustenido”, neto do Padre Francisco José da Silva Porto, há
muitos escritos dispersos, inclusive abordando temas de erros e virtudes de
alguns reverendos daqui e de fora.
Nada encontrei, porém, quanto ao Monsenhor Daltro do
Lagarto, no livro “Variações em Fá Sustenido”, coletânea coligida por Zózimo
Lima Filho em 2002 dos escritos de seu pai.
Segundo o relato acima de Moreno, Zózimo estava preparando
um livro de Memórias que muito seria bem vindo hoje se viesse a lume, bem como
outras “Variações” que não foram incluídas no livro homônimo publicado.
V. Outro tanto de Marcos Ferreira de Jesus.
Quanto a Marcos Ferreira de Jesus (1893-1983), o
“milionário” de anedotas do velho Padre, este por certo as conhecia de
comentário e folclore.
Marcos, embora fosse natural de Simão Dias, convivera pouco
ou quase nada com o Padre Daltro. Era muito jovem ainda e já Daltro era vigário
no Lagarto.
E Marcos, que se destacaria como Político, Administrador e
Maçom, era ainda um pré-adolescente, quando em 1905, com doze anos apenas, foi
residir no estado do Amazonas, acompanhando o Padre Filadelfo Macedo, seu companheiro
de viagem pelo Solimões, só retornando a Sergipe em 1918, oito anos após o
falecimento do velho Monsenhor.
De Marcos Ferreira, uma memória realçada pelos que o
conheceram, nenhum escrito restou. Quanto a Zózimo Lima, muita coisa ainda
merecia a publicação. E neste particular o poder público deveria estimular e
promover, um bom serviço à nossa história.
VI. A sempre difícil missão do Padre.
A despeito do tônus anedótico do texto de Garcia Moreno
vê-se quanto é exaustiva a ação sacerdotal e profética de um Vigário; repelir a
atração pelo vulgo e sua desorganização entrópica, evitar a atração pelo
sensorial do bruto e sua irracionalidade. Eis tarefa assaz difícil tanto de
educadores quanto de sacerdotes, e do agricultor em sua luta para desbastar o
joio, o fungo e a praga, inimigas eternas do bom plantio.
Mas, a despeito dos atuais tempos joios de indiferença em
termos de procedimento e crença, o texto do Padre Daltro, “Missão no Riachão”,
publicado no Jornal Correio Sergipense de sete de janeiro de 1864, revela quão
notável fora o ministério da Igreja no processo de formação da nossa atual
cidadania, que finge tudo esquecer e jamais recapitular ou perquirir o passado,
como se o hoje, enquanto atual, tivesse surgido por geração espontânea de
efeito sem causa.
VII. O resgate histórico de João Oliva Alves, memória viva
sergipana.
Este texto “Missão no Riachão”, referido por Armindo Guaraná
no seu, monumental e jamais imitado, Dicionário Biobliográfico Sergipano,
foi-me agora resgatado pelo Jornalista, Memorialista e Escritor, João Oliva
Alves, um grande filho de Riachão do Dantas, membro da nossa Academia Sergipana
de Letras.
João Oliva é autor do livro “Sobretudo a Imprensa” e de uma
inumerável, por abundante e copiosa quantidade de escritos espalhados.
Dispersos no tempo e no espaço, os textos de Oliva foram e
estão jogados às mancheias, por décadas, na imprensa pátria, seja no anonimato
editorial, seja em coluna assinada, seja ainda em programas radiofônicos em
pseudônimos variados.
Textos semeados ao léu e ao vento como assim devem ser aos
de boa palavra, lançando-as a todos os terrenos, férteis, áridos, desérticos ou
indiferentes, desafiando-lhes a germinação e o eco, o desenvolvimento e o
fruto, tudo sem visar retornos e encômios.
Igual a este escrito do Padre Daltro, uma preciosidade
guardada por João Oliva, e que agora é resgatado, quando tantos a ele se
referiam, sem conhecê-lo, por longínquo e inacessível.
E o texto, por seu caráter testemunhal, constitui uma
profissão de fé de um Sacerdote Cura em sua pequena Freguezia do Riachão,
realçando a importância das suas escolhas, enquanto homem e ministro do altar;
um chamado à conversão ainda agora, por testificadora e edificante.
Texto e imagens reproduzidos do site: infonet.com.br/blogs/odilonmachado
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