Artigo compartilhado do site DESTAQUE NOTÍCIAS, de 15 de outubro de 2025
O torpedeamento do Araraquara em 1942, o Tenente Verçosa e a d. Alaíde Lemos
Por Marcelo Rocha *
Uma das revoluções do pensamento histórico ocorridas no século XX foi aquela capitaneada pela Escola dos Annales. Marc Bloch e Lucien Febvre em oposição ao foco nos jogos políticos e relações de poder entre autoridades e países, voltaram suas atenções à complexidade dos indivíduos e das sociedades, pois os tais jogos de poder são incapazes de demonstrar profundamente como é uma sociedade e seus integrantes.
Nesse sentido, muito falamos sobre os torpedeamentos em nossa costa em 1942 dentro de tais relações de poder, mirando assim a Segunda guerra e a Europa, pouco dando atenção aos eventos mais humanos, como saber mais detalhadamente sobre os sobreviventes, quem eram, como viviam e o que o destino lhes ofereceu naquele trágico evento. É a partir desse mote que nos atentaremos aqui as Histórias de Verçosa e Alaíde, que viajavam a bordo do Araraquara.
O Tenente de Intendência José Castelo Branco Verçosa viajava em companhia de sua família – esposa e filho, tendo se perdido deles na ocasião dos torpedeamentos, após dar na costa e levado à Estância e Aracaju, permaneceu por dias, dolorosa e implacavelmente, buscando sua família no nosso litoral. A sua imagem desolado, após o reencontro trágico, rodou o país.
“Em mar ou terra, o sofrimento não escolheu lugar. No canto esquerdo da foto, policiais sergipanos examinam despojos à beira-mar, já do outro canto, no direito, percebe-se um homem sentado na duna, isolado e cercado pela vegetação de restinga. Era o 1 o Tenente José Castelo Branco Verçosa, náufrago do Araraquara, usando calça comprida e camisa manga longa xadrez obtidas em Aracaju. Ele está desolado, pois se deparou com os cadáveres da sua esposa e filho na praia. Após dias de buscas no litoral de Sergipe, a verdade veio à tona. Com uma mão segura o chapéu e com a outra ampara a cabeça com o ar de desespero. Há um vazio no meio da imagem que parece gritar.”(Luiz Antônio Pinto Cruz, 2017)
Como se dizia à época, pouca lhe era a fortuna naquele momento, apensar de em algum momento saber de uma sobrevivente de nome Castelo Branco, o que talvez lhe dera alguma esperança, logo destruída, pois Vilma Castelo Branco não era a sua esposa. Essa sobrevivente, era uma atriz que viajara com o pai que infelizmente também sucumbira aos torpedeamentos.
Pouca sorte também tivera a sobrevivente Alaíde Lemos Lins Cavalcanti, que viajava em companhia do marido – o SubTenente Luiz Cavalcante, seus filhos pequenos e do irmão, o Sargento Valdemar Lemos. Alaíde esperava encontrar a família, pois o marido mandara salvar-se pois ele cuidaria das crianças, quando do ataque ao Araraquara. Alaíde muito sofreu até achar terra firme em Estância, após quase dois dias lutando pela sobrevivência nas águas, semidespida em uma baleeira danificada com outros náufragos.
Infelizmente não os reencontrou. Na sua tragédia pessoal, todos os seus familiares são tragados pelas águas do atlântico e, diferente do Tenente Castelo Branco Verçosa que dolorosamente encontra os corpos da esposa e filho, sequer lhe é dada a opção de enterrar os seus.
Vejamos aqui a trágica ironia inversa do destino, se o militar Verçosa perdeu a esposa, Alaíde perdeu o esposo militar.
Um outro militar entraria nessa história, apesar de não estar a bordo de nenhuma das embarcações afundadas naquele 1942, era o Sub Tenente Francisco Alves Pereira, que em Pernambuco aguardava a chegada da sua esposa e três filhos que viajavam no Araraquara.
Segundo Luis Antonio Barreto, Francisco ao saber do torpedeamento da Araraquara, chega a Aracaju e através das declarações dadas por Alaíde, descobre que sua família também não resistira ao ataque alemão. Pereira então voluntaria-se à FEB, indo lutar na Europa. Certamente pesara na decisão, além da questão de ser militar, a devastação causada Harro Schatch – comandante de U-Boat 507, ao torpedear o Araraquara e exterminar sua família.
Mas a vida, o destino, que intercruzara as duas Histórias de Castelo Branco Verçosa e Alaíde Cavalcante, ainda não cessara seus caprichos.
Em seu regresso, em 1945, Pereira reencontra Alaíde, com se casa logo no ano seguinte e, em 1950, estabelecem ambos moradia definitiva em Aracaju, onde morariam na rua Terêncio Sampaio. Luis Antonio Barreto acreditou na possibilidade de eles optaram por não ter filhos, diante da tragédia compartilhada por ambos. Viveram em Aracaju desde 1950, reservadamente, até a morte de ambos nos anos 80.
Apesar de toda a descrição, Alaíde e Pereira ainda foram homenageados por ocasião da inauguração da rodovia dos náufragos em fins de 1980.
O tenente Verçosa por anos continuou a prezar pela memoria dos seus queridos Ruth e Nilton, mandando celebrar missas naquele mesmo dia 15 de agosto. Dividiria seu estar entre as lotações militares e o Recife que nunca abandonaria. Era de tradicional familia militar, tendo como irmãos o Marechal do Ar Manoel Narciso Castelo Branco e o Brigadeiro Olegário Castelo Branco Verçosa, além do primo (e Marechal) o ex presidente Humberto de Alencar Castelo Branco. Seguiu sua carreira concorrendo promoções até ingressar na reserva remunerada em 2 de fevereiro de 1966 e efetivar sua reforma em 1974, era General de Divisão.
O nosso trágico naufrago não somente conseguiu seguir sua carreira, como também a vida. Ao que parece, refez a família casando-se com a Sra. Maria do Carmo Cruz Castelo Branco Verçosa, com quem logo teve um filho, Manoel Narciso Cruz Castelo Branco Verçosa, nome que homenageava não somente seu pai, mais seu irmão mais velho. Seu desenlace da vida deu-se em 26 de setembro de 1993, aos 87 anos.
Se Alaide e Pereira não tiveram filhos, o mesmo não houve com Castelo Branco Verçosa, pois além de Manoel Narciso, deixou mais 5 outros filhos. Três histórias dramáticas que se conectam primeiro pela tragédia e depois pelas ironias da vida. Certamente histórias, ironias e coincidências envoltas em amores familiares.
* É tenente coronel, membro da Academia Brasileira de Letras e Artes do Cangaço.
Texto e imagem reproduzidos do site: www destaquenoticias com br