quarta-feira, 2 de março de 2022

De Serafim Santiago a Mestre Jorge: O Carnaval na Terra da fé de Sergipe

Legenda da foto: Jorge dos Santos, mais conhecido como ‘Seu Jorge do Estandarte’. (Crédito da Foto: Prefeitura de São Cristóvão/Divulgação, publicada aqui pelo blog: 'Isto é SERGIPE', para simplesmente lustrar o presente artigo). 


Texto publicado originalmente no site do JORNAL DO DIA, em 26 de fevereiro de 2022 


De Serafim Santiago a Mestre Jorge: O Carnaval na Terra da fé de Sergipe 


Por Prof. Dr. Claudefranklin Monteiro Santos 


Em frase muito conhecida e rememorada nesses tempos de Carnaval, dom Hélder Câmara assim se pronuncia a respeito: “Carnaval é a alegria do povo! Brinque, meu povo querido! Minha gente queridíssima. É verdade que na Quarta-feira a luta recomeça, mas, ao menos, se pôs um pouco de sonho na realidade dura da vida!” Assim dito, em razão de minha participação em mais uma edição da Quinta Juris Cultural, promovido pelo Tribunal de Justiça de Sergipe, fui instado a pensar sobre a relação entre o sagrado e o profano em São Cristóvão (Terra da Fé de Sergipe), a partir das ressignificações da festa momesca no espaço entre os anos 1920 e 2020. 

Conhecido memorialista e de algum modo historiador sacristovense, Serafim Santiago (1860-1932) dedica pouco menos de uma página para tratar da festa em seu Manuscrito intitulado “Annuario Christovense ou Cidade de São Christovão”, da qual destaco o trecho a seguir: “Tratarei agora mesmo do Domingo da “Quinquasesima” Domingo gordo. Estas festas que outrora se chamava – Entrudo, hoje tem o nome de Carnaval, épocha do prazer, que não podia deixar de ter também os seus dias consagrados” (EDUFS, 2009, p. 117). 

Em duas ocasiões, Serafim se refere ao Carnaval como sendo um “estúpido divertimento”. Para Beatriz Góis Dantas, tal “adjetivação pejorativa”, revelava o incômodo do historiador com a paralização das atividades produtivas e ainda a representação que o catolicismo tinha à época do Carnaval.E nesse sentido, vale destacar também as origens do Carnaval não somente no Brasil e em Sergipe para entender aquele tipo de festa momesca que contrariava tanto uma das fontes mais conhecidas do evento em São Cristóvão. 

Prática festiva, o Carnaval se consolida no Rio de Janeiro a partir de 1854, com a proibição do Entrudo. Embora, a sua forma ainda pudesse ser observada na festa momesca ao longo dos anos seguintes, inclusive em Sergipe, como o mela-mela ou uso do lança-perfume, também regulados para conter a violência. 

Segundo Júlio Ourives, entrevistado pelo jornal A República (03.03.1935, p. 4), o Carnaval em Sergipe tem origem na primeira metade da década de 90 do final do século XIX. Tanto que, em 1895, já era muito conhecida a “batalha carnavalesca” que existia entre os grupos “Bacchos” e “Arrancas”. 

No dia 10 de fevereiro de 1907, o “Correio de Aracaju” publicou um poema, de autoria desconhecida, na coluna Guitarrilha, cuja primeira estrofe dizia: “Vae começar a folgança, / Da velha carne animal; / Numa imensa saturnal. / Vae começar a festança, / Das bodas do Carnaval". É no último verso da segunda estrofe: “A rubra festa da Orgia”. No ano seguinte, uma nota publicada na Folha da Manhã do dia 1 de março, afirma que no Carnaval “A terra será uma nova Babel; todos faltarão e ninguém será compreendido…”. 

Até o início dos anos 70 do século XX, predominou na capital e no interior, o Carnaval das máscaras e dos mascarados, dos clubes, dos desfiles de ranchos e de escolas de Samba. Em 1965, registra-se na imprensa escrita, notadamente, a presença do trio elétrico, em uma nota passada batido. Trio elétrico que passa a dominar a cena da capital e depois do interior a partir de 1972, com as empresas Bomfim e Fátima. A TV Sergipe foi fundamental, popularizando ainda mais a invenção dos baianos, mas sem deixar de cobrir os outros eventos a cada década mais refeitos. Destaque para Hilton Lopes (1928-2003). 

A grande imprensa sergipana, desde o século XIX até a segunda metade do século XX quase ou nada se referia ao carnaval interiorano, salvo raras exceções envolvendo as cidades de Estância, Propriá, Lagarto e Itabaiana. Segundo levantamento preliminar, predominou o tipo de Carnaval adjetivado pejorativamente por Serafim Santiago, tendo sido ressignificado de tempos em tempos por sujeitos ligados aos folguedos locais.
 
Para o historiador Adailton Andrade: “Em São Cristóvão, o Carnaval sempre foi marcado por bandas de baile, como também os Carnavais de bloco de rua, de melação, de caretas, festas patrocinadas em tempos áureos pelas fábricas de tecidos, São Gonçalo e São Cristóvão” (fevereiro de 2022). 

Nos últimos anos, a antiga capital se destaca notadamente pela atuação do Mestre Jorge dos Santos, natural de São Cristóvão, em 1935, e que viveu no Rio de Janeiro por muitos anos, trabalhando em Escolas de Samba, trazendo para Sergipe em 1990, toda essa expertise e agregando novos valores ao Carnaval sancristovense a partir da criação do Grupo União, conforme ressalta a professora Joyce Dantas Paixão (TCC, História/UFS, 2021). 

No Carnaval de 2020, último antes da COVID-19, o Bloco “Os Filhos de Deus” fez homenagem póstuma ao senhor José Correia Santos Neto (Zezinho da Everest) – 1962-2008, ex-prefeito da antiga capital de Sergipe. Naquele ano, desfilou também pelas ruas históricas de São Cristóvão, o Bloco “Os Filhos de Deus”. Eventos e iniciativas que configuram, reconfiguram e eternizam o Carnaval nesse pêndulo constante entre o Sagrado e o Profano. 

Texto reproduzido do site: jornaldodiase.com.br 

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