quarta-feira, 21 de setembro de 2022

Aos 74 anos, morre Magnólia, primeiro travesti assumido de Aju

Crédito da foto: Tiago Oliveira 

Texto publicado originalmente no site do JORNAL DO DIA, em 21 de setembro de 2022

Aos 74 anos, morre Magnólia, primeiro travesti assumido de Aju

Por Rian Santos (riansantos@jornaldodiase.com.br)

Boatos e mentiras deslavadas, todo mundo sabe, crescem feito mato nos descampados virtuais. De vez em quando, os desocupados de plantão nas redes sociais matam um. Já aconteceu com Magnólia, episódio lamentável. Desta vez, no entanto, informações confiáveis dão conta da veracidade de tão triste notícia.

Sabe-se muito pouco a respeito de Magnólia. Há a lenda sobre a primeira travesti de Sergipe, decantada pela língua grande e maliciosa do povo, o comércio de roupas íntimas masculinas no centro de Aracaju. Por regra, no entanto, o rótulo colado sobre a carapuça das aparências pouco diz da criatura de carne e osso que transpira sonhos envelhecidos sob o peso da armadura. Para conhecer uma pessoa mais ou menos a fundo, o fotógrafo Tiago Oliveira garante, uma vida inteira não basta.

Tiago seguiu Magnólia no dia a dia sem graça de todo mundo e teve a oportunidade de um vislumbre. As fotografias reunidas no ensaio batizado com o nome da “personagem”, exposto na coletiva ‘A olhos nus’ (2015), como que procuram frestas num semblante desconfiado. Naquelas instantes, entretanto, Magnólia ainda não se entrega por completo. Razão pela qual o fotógrafo jamais dará o trabalho por encerrado.

A intenção de Tiago era retomar o convívio com Magnólia, uma intenção postergada até nunca mais. Com quem conversava sobre o projeto, ele revelava o incômodo com estigmas sociais e o fascínio motivado por histórias ocultas atrás de biombos, encerradas em quartos escuros, de paredes desbotadas. A dor e a delícia de toda experiência fascinam o fotógrafo, mais do que tudo. Daí a busca incessante por Magnólia.

Em ‘Magnólia’, o ensaio fotográfico, a imagem depõe sobre a coragem de se travestir numa Aracaju ainda mais careta do que a capital de agora, em mil novecentos e bolinha – um enunciado em preto e branco sobre exílio e marginalização. O trabalho é comovente, dialoga com questões que emergem com força aqui e agora, mas o fotógrafo queria mais.

Vítima de infecção generalizada, Magnólia morreu no Hospital de Urgência Governador João Alves Filho, às 21h34 de ontem, aos 74 anos. Foi-se Magnólia, envolta em brumas de silêncio e mistério.

Texto reproduzido do site: jornaldodiase.com.br

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