sexta-feira, 1 de abril de 2022

O Teatro do Atheneu, uma utopia dos sergipanos, tornou-se centenário

A foto é de Fabiana Costa/Secult e postada pelo blog para ilustrar o presente artigo

Texto compartilhado do site JLPOLÍTICA, de 31 de março de 2022

JLCULTURA - Opinião:

 O Teatro do Atheneu, uma utopia dos sergipanos, tornou-se centenário
Por Luiz Eduardo Oliva *

“Era uma vez...”. Assim começavam as histórias infantis, e já faz muito tempo que o menino saiu de casa vestido de marinheiro para representar sabe lá o que na festa de fim de ano do Jardim de Infância Augusto Maynard.

Muito mais que o envolvimento das festas infantis que afagam a imaginação dos anos mágicos de qualquer pessoa, o menino ficou perplexo com o ambiente em que fora colocado: cortinas vermelhas que se abriam solenemente, luzes fortes vindas do alto, um teto distante, coberto de panos dependurados, seguros por cordas, ladeado por colunas de pano e estranhos objetos em singular ambiente que só mais tarde, já dominando aquele espaço, compreendeu tratar-se de tapadeiras, urdimentos, spot light, rotundas, ribalta...

“Momentos são iguais aqueles em que eu... amei”, assim começa uma velha canção de Haroldo Barbosa e Luiz Reis. Lembrei do velho Teatro do Atheneu que vi pela primeira vez quando tinha só cinco anos e ali iniciei um amor para todo o sempre. “No meu perdido olhar / meu coração mais inconstante... Momentos meus agora é recordar...”. Parece que a música diz de outro amor, de pessoas, mas há um amor às coisas, aos prédios, ao que eles representam.

Difícil é contar a história das emoções. Um espaço para o coração, para as lágrimas e para o riso. As peças infantis vindo do Recife, A revolta dos Brinquedos, O soldadinho de Chumbo, as apresentações do teatro da SCAS com João Costa no comando, O boi e o burro a caminho de Belém.

Parece proposital, mas uma mera coincidência faz o Teatro do Atheneu comemorar aniversário justamente no Dia Mundial do Teatro, neste 27 de março.

Inaugurado em 1954, inicialmente para ser auditório para atividades complementares do Colégio Estadual Atheneu Sergipense, logo passou a ser o lugar onde se realizavam as peças de teatro em Aracaju, em lugar do hoje demolido Cine Teatro Rio Branco, e ganhando autonomia.

De fato, até a construção do Teatro Tobias Barreto em 2002 - o “Tobias” foi lembrado por Luiz Antônio Barreto em homenagem à figura exponencial do genial sergipano, ele um frequentador com destaque do Teatro Santa Isabel, no Recife, rivalizando com o poeta Castro Alves - durante décadas o Atheneu foi o único teatro da capital sergipana.

Templo sagrado, o Atheneu é o guardião de emoções, onde o profano se torna divino. Parece que revejo a montagem sergipana de “Eles Não Usam Black-tie”, ou observo o poeta Mário Jorge e uma intrépida trupe (Ilma, Joubert, Nega, Mara Lopes...) expelindo matizes na psicodélica mente abençoada duma juventude divina nos difíceis e criativos finais dos anos 70 em “Vôos Mitos Coloridos”.

Parece que vejo Bemvindo Sequeira, braços abertos, bata branca declamando Máquinas e Lírios, de Núbia Marques, que poetizava no Concurso de Poesia Falada do Nordeste. A forte fala de Paulo Autran, a expressão de Valmir Sandes, os sons Medifocus de Nery e Valdefrê, as sonatas da Orquestra de Câmara de Moscou  ou a exuberância do Ballet Imperial da Rússia...

Quantas emoções, quantos mitos, quantos monstros sagrados que passaram pelo nosso velho e amado teatro. Como esquecer a abnegação de Nestor Braz, o nosso vovô maquinista, cujo legado passou por Valtinho para chegar às generosas mãos de Gilvanzinho cuidando com carinho dos maquinismos para deixar no ponto o travejamento do teto e dos sótãos, sustentando o equipamento dos efeitos cênicos e até as improvisadas gambiarras - não muito adequadas, mas à época necessárias - de um teatro feito de homens, mulheres e emoções.

Nessa semana estive no Atheneu vazio. E lá me senti Téspis em sua indumentária, a percorrer a plateia, a imaginar os velhos e arrebatadores momentos, o solfejar de orquestras ilusórias, dando vida ao lírico sopro dos atores que bradaram, sussurram, dos espectros que habitam o velho teatro, como um fantasma de uma ópera que insiste em manter-se no fosso que já não existe, no imaginário buraco do “ponto”, numa ribalta que já se foi, no eco dos gritos parados no ar, na força do texto que crava todos os corações. Não há historiador capaz de escrever a história do Teatro do Atheneu. Não há história das emoções.

O sonho de Arnaldo Garcez, um vaqueiro governador que criou auditório já com estrutura de teatro, fez e faz história. Como já disse em outra crônica, quantos talentos já “desfilaram”, por assim dizer, naquele palco sagrado?

De Procópio Ferreira a Orlando Vieira, de Jorge Lins a Lindolfo Amaral e a toda a trupe do Imbuaça, de Janice a Olga Gutierrez, de João Costa a Vieira Neto, de Alencarzinho ao professor Joaquim, de Alcides Melo a Paulo Lobo, de Joésia a Irineu Fontes, de Irmão e Tonho Baixinho a Hunald Alencar, de Benvindo Cerqueira a Isaac Galvão, do grupo Tarancon ao angolano Alexandre Ribeiro, de Gonzagão a Gonzaguinha, de Paulo Autran a Fernanda Montenegro, da grande diva Bibi Ferreira - sim Bibi já pisou naquele sagrado tablado - a Regina Casé, de Marília Pêra a Aglaé Fontes, de Valquíria, Tetê Nahas a Diane Veloso, de Milton Nascimento a Gilberto Gil, de Geraldinho Azevedo a Alceu Valença, de Manuel Carlos, o Dias, a Valquíria Sandes, de Lu Spinelli a Mário Gusmão, de Perfeito Fortuna - e toda a trupe do Asdrúbal Trouxe o Trombone - ao Maria Scombona, de Nadja Piauitinga a Virgínia Lúcia, de Thati Lima, Valmir Sandes a Olga Andrade, de Lânia Duarte a Ilma Fontes, de Amaral Cavalcanti a Feliciano, de Mingo Santana a Beto Franco, de Fradinho a Mascarenhas, de Zenóbio Alfano ao The Tops, da Zabumba de Quem Dera a Orquestra Sinfônica de Sergipe, de Marcos Chulé a Clara Angélica, do Grupo Cata Luzes a Rubens Lisboa, de Jamelão a Mariza Gata Mansa, de Jards Macalé a Luiz Melodia, de Jaime Line a Amorosa, de Jourbert Morais a Pantera, de João Melo a Ismar Barreto, de César Macieira a Pascoal Maynard, à Valéria, à Salete, de Lula Ribeiro a João Ventura, de mim mesmo que tantas vezes representei e chorei no velho Ateneu a Cleomar Brandi, que representava todas as plateias como de tantos que já se foram como Bosco Scafs, Henrique Souza, Theo Leão, Lisboa, Barrinhos, Mariano, Hilton Lopes, Antônio Teles, Albertina Brasil, Núbia Marques, Avelar Seixas, o poeta Tio Riva, Valdir de Freitas, o peruano-sergipano Dante Carranza, Newton Lucas...

Um dia, lá nos anos de 1961, o papa da Bossa Nova que outrora fora um aluno do Colégio Jackson de Figueiredo, ali no Parque, o monstro sagrado João Gilberto, com um banquinho e um violão, cantou para seus quase conterrâneos do coração daquele palco.

O Teatro do Atheneu, mais que um sonho, representou uma utopia. Uma utopia dos sergipanos que sonharam com a arte do grego Téspis, o primeiro dos atores, e ali inicialmente sem tradição nem expertise, feita mais na intuição e na abnegada busca de um saber autodidata dos nossos teatrólogos fez e faz uma parte significativa da nossa rica cultura.

* É advogado, poeta e membro da Academia Sergipana de Letras Jurídicas.

Texto reproduzido do site: jlpolitica.com.br

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