Imagem reproduzida do site da UFS e postada pelo blog, para ilustrar o presente artigo.
Artigo compartilhado do site CORREIO DE SERGIPE, de 17 de janeiro de 2025
Controverso para alguns, mas, um luminar: Dom Luciano Duarte
Por Pe. José Lima Santana*
Em sua primeira e mais famosa obra, “Tratado da Natureza Humana”, David Hume (1711-1776), que a concluiu aos 27 anos de idade, escreveu: “Há uma grande diferença entre as opiniões que formamos após uma reflexão serena e profunda e as que abraçamos por uma espécie de instinto ou impulso natural, em virtude de sua adequação e conformidade com a mente. Se essas opiniões se tornam contrárias, não é difícil prever qual terá a precedência” (Tradução de Débora Danowski. 2 ed. São Paulo: Editora UNESP, 2009, p. 247).
Que a precedência, em casos que tais, seja a da “reflexão serena e profunda”. De Aracaju, seu berço natal, para a Universidade de Sorbonne, em Paris, Dom Luciano José Cabral Duarte soube engrandecer a cultura sergipana com o seu talento invulgar.
Para alguns, o arcebispo sergipano foi controverso, especialmente por causa do conservadorismo que marcou a sua trajetória episcopal, em um tempo no qual se dizia que o episcopado brasileiro era dividido entre conservadores, moderados e progressistas.
Como jovem leigo, atuante na coordenação do TLC – Treinamento de Liderança Cristã na nossa Arquidiocese, de 1976 a 1982, entre os meus 21 e 27 anos, eu acompanhei esse tempo de tríade episcopal. O TLC era responsável pela ação pastoral da juventude, que Dom Luciano deixou a cargo do seu Bispo-auxiliar, Dom Edvaldo Gonçalves do Amaral, um moderado.
Se, pois, para alguns, Dom Luciano era controverso, aliado dos militares, como diziam, na verdade ele foi um luminar, refletindo-se de forma serena e profunda, no dizer de Hume. Uma inteligência notável, que cativava tantos quantos o ouviam, notadamente nas missas dominicais, na Capela do São Salvador, com transmissão pela Rádio Cultura, ou, na mesma emissora, ao proferir “A Hora Católica”, também aos domingos, cujo prefixo musical do programa foi tirado da sexta Sinfonia de Beethoven. As suas prédicas encantavam pela beleza das figuras, que transportavam os ouvintes para os cenários e os fatos discorridos. Didática na medida certa, exposição filosófico-teológica ímpar.
Um arcebispo de mão forte na condução da Arquidiocese, quando ninguém ousava caminhar arrastando-se. Não! Ele sabia dar o tom da caminhada, mas permitia que cada um caminhasse com seus próprios pés, sem desvios. Alguns padres afirmavam que ele era duro, inflexível; outros o tinham em condição mais abrandada.
Desde a Faculdade Católica de Filosofia, inaugurada em 1951, e na qual ele pontificou como diretor e festejadíssimo mestre, inúmeros admiradores o reverenciavam. Autoridades ouviam-no, cortejavam-no e atendiam-no. Era exatamente assim.
Alguns podiam não gostar dele, mas negar-lhe a inteligência e a cultura seria insensatez. Dom Luciano foi um dos maiores intelectuais do episcopado brasileiro, no século XX.
Em 1964, a Loja Maçônica Cotinguiba convidou o padre Luciano Duarte para proferir uma palestra. A autorização do Papa Paulo VI só viria em 1968, quando ele já era Bispo-auxiliar de Dom Távora. Foi o primeiro Bispo brasileiro a falar aos maçons. A partir dali a Maçonaria passou a colaborar com a Igreja na implementação da reforma agrária, por meio da PROCHASE, beneficiando centenas de famílias. O seu discurso na Maçonaria foi publicado em livreto pelo acadêmico Luiz Eduardo Costa.
Doutorou-se em Filosofia pela Sorbonne, cuja tese foi defendida em 1957, obtendo a menção ‘Trés honorable’. O tema defendido: “A natureza da inteligência no tomismo e na filosofia de Hume”, perante uma banca composta pelos professores Ferdinand Alquié (orientador), Maurice De Gandillac e ninguém menos que Paul Ricoeur, que deu grande contribuição à fenomenologia e a hermenêutica, autor do consagrado “Tempo e Narrativa”, dentre tantas outras obras.
Eis o lema episcopal de Dom Luciano Duarte: “Scio Cui Credidi” (Sei em quem acreditei).
Educador nato, Dom Luciano integrou o Conselho Estadual de Educação e o Conselho Federal de Educação, este por 15 anos. Fez a cobertura das Sessões do Concílio Vaticano II e do Congresso Internacional Eucarístico de Bombaim. Foi Presidente Nacional do MEB – Movimento de Educação de Base (1971–1977). Presidente do Departamento de Ação Social do “CELAM” – Conselho Episcopal Latino-Americano (1972–1978) e seu Primeiro Vice-Presidente (1979–1983), sob a presidência do Cardeal colombiano Alfonso López Trujillo.
Nascido a 21 de janeiro de 1925 e falecido a 29 de maio de 2018, aos 93 anos, estamos diante do seu Centenário de nascimento. Uma efeméride a merecer muitas comemorações.
Na Arquidiocese de Aracaju, Dom Josafá Menezes da Silva está atento à preservação da memória do seu ilustre antecessor, o segundo Arcebispo Metropolitano de Aracaju. O mesmo se deve dizer com relação à Universidade Federal de Sergipe, de cuja fundação Dom Luciano foi um dos mais valorosos baluartes, tornando-se seu professor. A Academia Sergipana de Letras, na qual ele ocupou a cadeira nº 18, substituindo Dom Mário de Miranda Vilas-Boas, tem comissão formada para festejar o Centenário desse preclaro sergipano, autor de vários livros, e que foi uma das vozes mais firmes do episcopado brasileiro, dentro de sua visão conservadora, mas, ao seu modo, muito lúcida. Isso é inegável.
* Colunista do jornal Correio de Sergipe.
Texto reproduzido do site: ajn1 com br/colunistas
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