Artigo compartilhado do site JLPOLÍTICA, de 10 de Jan de 2025
Opinião - É preciso celebrar o centenário de nascimento de Dom Luciano Cabral Duarte
Dom Luciano Cabral Duarte: 100 anos bem lembrados
Por Gilvan Rodrigues* (Coluna Aparte)
A Academia Sergipana de Letras, na pessoa de seu presidente José Anderson Nascimento, junto à Arquidiocese de Aracaju, com o arcebispo metropolitano Dom Josafá Menezes da Silva, prepara-se para dar início às comemorações celebrativas quanto ao centenário de nascimento de Dom Luciano José Cabral Duarte - 1925-2025.
E com Anderson Nascimento, há outras pessoas do sodalício que compõem a comissão criada exclusivamente para estabelecer o calendário celebrativo. Portanto, nada mais justo e meritório em relação a um ilustre filho de Sergipe, que tanto bem fez aos seus habitantes.
Dom Luciano Duarte nasceu em Aracaju, filho de Célia Cabral Duarte e do poeta José Goes Duarte. Trata-se, na verdade, de um momento importantíssimo da história sergipana, a fim de podermos resgatar a figura de um grande intelectual, que foi padre, arcebispo, professor, educador e também um dos maiores oradores sacros de Sergipe nos últimos decênios.
Seu púlpito era a Capela São Salvador, em Aracaju, de onde emitia sua pregação envolvente pelas ondas fonéticas da Rádio Cultura de Sergipe, que ele ajudou a fundar e da qual fora o seu primeiro presidente. Dom Luciano ingressou no Seminário Menor de Aracaju em 1936, depois do que se dirigiu aos Seminários Maiores de Filosofia e Teologia, em Olinda e São Leopoldo, respectivamente, em 1942 e 1945.
De espírito profundamente irrequieto e curioso, desde a tenra idade, perspicaz, arguto e intuitivo, sempre se demonstrou insaciável e sedento do saber. De estatura mediana, voz grave e inteligência em permanente estado de ebulição, de frenesi e de arrebatamento interior, devorava livros e jornais do Brasil e do mundo, tentando acompanhar os fatos e as notícias, com espírito crítico e ponderações equilibradas no âmbito de suas colocações, mormente para defender a Igreja e as causas da Igreja, com paixão e sabedoria vocabular.
E vigiava atentamente os desvios teológicos e doutrinários da ala progressista da Igreja, especialmente na América Latina, como acontecera com a Teologia da Libertação, cujas cinzas ainda acobertam o ardor de teimosias reincidentes no caldeirão das altercações filomarxistas.
Dialogando com Raymond Aron sobre a motivação pela qual o comunismo ainda continua a exercer forte fascínio entre os estudantes e os intelectuais do Brasil e da América Latina, apesar do Gulag, ele é enfático, e a palavra é sua: “O problema tem qualquer coisa de um enigma, se não de um mistério. Não pretendo elucidar a questão, mas apenas busco balizar, tateando, o problema. Primeiro, lembrarei que uma ideologia não é puramente da ordem da inteligência: é da zona candente da paixão. E a paixão é cega a argumentos cartesianos, e só o impacto dos testemunhos pode romper sua fronteira de fogo. [...]. Em segundo lugar, assinalo um dado sempre subestimado: todos nós estamos, permanentemente, debaixo do bombardeio incansável do Front Mundial da propaganda ideológica comunista”. (In Medina, 2025, p. 89).
Visionário que era, suas percepções sobre a incidência dessas questões na Igreja e na dimensão social eram pontuais e alcançavam projeções ultratemporais. Tanto que suas considerações e diatribes em relação ao tema seguem valendo.
Mesmo porque ele não estava sozinho no universo coloquial desses contrapontos. A ele precederam outros personagens como Ratzinger, Raymond Aron, Dom Paul Seitz, missionário expulso do Vietnã, em 1975, entre outros fiéis discípulos do Senhor, que buscavam refrear o avanço ideológico perigoso de vertentes contraditórias dentro da própria Igreja Católica.
E ele se inquietava profundamente, aflitivamente, com tais ameaças. Claro que sua postura contundente e ferrenha na defesa de suas teses despertou sentimentos raivosos em seus adversários, em pessoas que militavam do outro lado. Mas eram posturas próprias de intelectuais que conheciam, e muito bem, os meandros apologéticos de suas investidas argumentativas. Eles extasiavam os leitores no deleite das controvérsias.
Para dizer a verdade, não obstante a pequenez e os estágios limítrofes de minhas apreensões cognitivas ou intelectuais, sinto saudade - sem saudosismo vazio - dos tempos em que, na Igreja, tínhamos homens de ciência, que pensavam e refletiam, com magistral competência e convencimento, as questões cruciais da Igreja.
Aliás, ouvi muito de eclesiásticos contemporâneos – bispos -, quase como numa censura a esses homens pensantes, que a Igreja não precisa de intelectuais, mas de pastores! Mas são os intelectuais, e não os pastores, que tiram a Igreja da borrasca das heresias de plantão, quando elas tentam esgarçar o santo tecido de sua doutrina, conduzindo-a ao caos dispersivo da fé dos filhos da Igreja.
Hodiernamente, vivemos “tempos de cães mudos”, para usar o título do livro do bispo francês Dom Paul Seitz, publicado na França, depois de sua expulsão do comunista Vietnã. Pior: pensar e refletir tem se tornado quase um crime no contexto social moderno da liquidez das ideias, do pensamento, como se a verdade fosse tão relativa quanto o gosto apreciativo dos botecos das esquinas. Dessarte, parece que nos tornamos vítimas e prisioneiros da trincheira dos covardes, a omissão, que, por sinal, para os cristãos, é um pecado grave.
Dom Luciano Duarte foi um personagem polivalente, mítico, de várias facetas no contexto de sua existência, que fez valer, a ferro e a fogo, o que tentava nos transmitir quando afirmava que “só merece ser levado a sério quem é capaz de sofrer por suas convicções”.
Um pouco por tudo isso e por tantas outras razões, ele merece o tributo e o reconhecimento da Igreja e da sociedade sergipana por ocasião do centenário de seu nascimento. Então, proximamente, teremos a celebração de duas missas presididas pelo arcebispo metropolitano da Arquidiocese de Aracaju, Dom Josafá Menezes da Silva.
Dia 21 de janeiro - dia do nascimento de Dom Luciano - na capelania São Salvador, às 10h - uma terça-feira; e no dia 24, uma sexta-feira, às 16h, na Catedral Metropolitana. Mais adiante, numa data que será oportunamente anunciada, teremos o lançamento de uma antologia – substanciosa coletânea de textos de Dom Luciano Duarte – confiada e organizada pela acadêmica Ana Maria Fonseca Medina, a pedido do presidente da Academia, José Anderson Nascimento. A seu tempo, outros eventos também serão divulgados.
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* Gilvan Rodrigues, é padre, professor, advogado e escritor. Membro do Movimento Cultural da Academia Sergipana de Letras, da Associação Sergipana de Imprensa e do Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe.
Texto e imagem reproduzidos do site: jlpolitica com br
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