sexta-feira, 30 de maio de 2014

Antonio da Cruz, o poeta do aço.

Foto: Nailson Moura.

Antônio da Cruz é natural de Maruim e tem uma atividade bastante movimentada no mundo artístico sergipano.
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Publicado originalmente no Jornal do Dia, em 21/05/2014.

Antonio da Cruz, o poeta do aço.
Rian Santos
riansantos@jornaldodiase.com.br

A Galeria de Artes Álvaro Santos (GAAS) abriga no próximo dia 27 o lançamento do livro Crônicas do Ateliê, um registro fotográfico de Nailson Moura dedicado ao trabalho do artista visual Antonio da Cruz. No volume, mais de 50 fotografias sequenciais em que o artista é retratado na peleja com sua principal matéria prima - o aço. O lançamento celebra 40 anos de dedicação às artes visuais e propiciou uma conversa sobre os rumos do fazer artístico no coração da aldeia.

Jornal do Dia - Ao longo de 40 anos de dedicação às artes visuais, você deve ter visto e vivido momentos muito significativos do fazer artístico no coração da aldeia.

Antonio da Cruz - Sim. Principalmente porque não tenho me limitado a ser artista, mas também um militante cultural. Lembro o quanto era difícil, na década de setenta, um jornal procurar um artista plástico fora do círculo social influente para uma entrevista. As notícias sobre uma exposição quase sempre eram notas de rodapé. Rememorando, ainda, cabe citar os festivais de arte de são Cristóvão, também muito importantes para a arte e a cultura, porque oportunizou o surgimento de muitos talentos em todas as áreas.
Foi quando participei pela primeira vez de um grande evento, em 1974. Dentre os vários momentos, o esforço de organizar artistas em associação, na década de noventa, foi penoso, mas o saldo foi positivo, porque as artes visuais ganharam realmente visibilidade e artistas, antes desconhecidos, tornaram-se notáveis, a exemplo de Fábio Sampaio, Willy Valenzuela e Márcia Guimarães. Fizemos intercâmbio com várias cidades do Brasil. Antes, em1993, realizei o projeto "Galeria em Aberto", uma exposição coletiva itinerante com oficinas de história da arte, desenho e pintura. Foi inaugurado em um bar, o "Vou Levando", hoje inexistente, do cantor e compositor Cezar, com um número de pessoas que chegou a impressionar o proprietário. Esse projeto prosseguiu durante 15 dias visitando escolas e praças, sem qualquer patrocínio.
Entre 2011 e 2013, me envolvi com o Fórum de Artes Visuais. Realizamos dois seminários sobre artes visuais. O primeiro discutiu o nosso Planejamento Estratégico e o segundo a Cadeia Produtiva das Artes Visuais. Ambos passamos para a SECULT e a Funcaju. Assim ficaram sabendo das necessidades da área. Fomos ao interior ajudar os artistas a se organizarem; participando de conferências, palestras, discutindo leis de incentivo.
Quanto às minhas atividades expositivas, coletivas foram muitas. Mais de dez individuais. Têm acontecido muitas aventuras e alguns desacertos na minha trajetória, mas com a satisfação de quem quis e quer acertar. O melhor de tudo é quando vejo obras em espaços públicos para o deleite de toda a população, como o monumento aos garis e margaridas, que tem sabor da quebra de paradigma e contestação, pois somente se ergue monumento para personagens do mundo intelectual e político e se ignora quem faz o trabalho mais penoso que resulta em bem-estar geral.

JD - Eu tenho conversado com artistas de valor reconhecido, entre os nossos, e todos me parecem muito desanimados. Apatia e frustração são constantes. A responsabilidade é dos próprios artistas, ou o poder público também tem negligenciado o papel de fomentador dessa cadeia produtiva?

Cruz - A timidez do artista local é bem conhecida, muito embora esteja melhorando. Falta também união em torno de interesses comuns. Há muita disputa vaidosa, muito mais do que disputa política. Em relação ao poder público, vivi uma experiência institucional, como diretor da Galeria de Arte Álvaro Santos, entre 2001 e 2005. Estar do "outro lado" atendendo os artistas e o público se tornou uma experiência riquíssima. Pude vivenciar os limites de um gestor público da cultura, na base do escalão, ao ter de atender as demandas.
Cheguei à conclusão de que, carrear recursos para a cultura está longe das preocupações dos gestores maiores. Na minha compreensão isto decorre de certa visão positivista desde as nossas origens, segundo a qual só cabe investir naquilo que converte esforço físico em bem materialmente consumível ou utilitário, que atenda às urgências do mercado. Para grande parte dos gestores, a cultura por si acontece e pronto. A arte ainda é vista como a possibilidade de eleitos abençoados pelo dom divino e não de quem se esforça intelectual e habilidosamente para realizar obras de arte. Num país de um povo secularmente esquecido pelo poder público, os gestores têm sempre o argumento, duro, de que tem coisas mais urgentes para tratar. Outro dia, numa rede social, um cantor sergipano bem conhecido postava uma crítica à gestão municipal da Barra dos Coqueiros por instalar uma escultura de porte monumental representando um caranguejo, quando deveria estar cuidando de questões mais imediatas. Eu reagi perguntando se, pelo fato de a saúde estar deficiente se deixa definitivamente de investir no turismo; se a segurança estiver com problema se deixa de investir em cultura? Bem, se a questão é dinamizar o universo artístico ao ponto de se gerar riqueza, os gestores podem fazer estudo de viabilidade econômica das cadeias produtivas da área cultural e verão como a cultura gera emprego, renda e faz circular bens e valores pelas cidades. Os valores são também de ordem imaterial, permanente, como o conhecimento, além da satisfação das pessoas. Os espíritos elevados cultuam a inteligência, a criatividade e usufruem dos seus feitos, seja através dos sentidos ou do intelecto; assimilam as viagens dos artistas e com eles completam as metáforas que tornam as agruras da vida menos dolorosas e sugerem que vale a pena cada dia vivido. Neste aspecto. a grandeza da arte e da cultura não se limita às razões cartesianas medidas e apreciadas pelo mercado.

JD - Um esforço notável, no que diz respeito ao registro dos valores locais, é realizado pelo colecionador Mario Britto. Há que se considerar, contudo, que o olhar particular de um colecionador não dá conta da abrangência e diversidade do que é produzido em termos de artes visuais em Sergipe. Como contemplar os impulsos dos mais jovens, ainda em vias de consagração?

Cruz - Claro. Um colecionador, obviamente, tem a sua visão particular do universo artístico. Seus desejos, percepção de realidade, estética e outros valores inerentes à arte são seus. Ponto. Agora, é importante considerar que, só a iniciativa dele é louvável e tem levado outras pessoas a repensarem suas relações com o mundo artístico, conhecendo a produção local, uma vez que Mário Britto enfatiza a sua preferência pelos artistas sergipanos. Dentre os frequentadores do seu círculo social, antes indiferentes à produção local, creio que muitas passam a ter, nas suas iniciativas, referência, e assim podem vir a fazer a mesma opção que ele fez. Quanto à questão do artista jovem não contemplado pelo olhar de um crítico, cabe observar que, outros olhares se debruçam sobre seus trabalhos. O tempo de maturação é longo e suarento. O importante é o artista não sair de cena, participar de projetos coletivos, fazer intercâmbios e se inscrever em salões pelo Brasil afora, pois, além de se tornar conhecido, o iniciante pode vir a receber prêmios.

JD - A renovação dos valores não é fundamental para a vitalidade de uma cena?

Cruz - É muito importante oxigenar a cena. Lembro que, em Sergipe, na década de setenta, era meia dúzia de artistas ditos consagrados. Medalhões, como se dizia. Na década de oitenta se destacaram Elias Santos, Bené, Edidelson, Claudio Vieira, entre outros. Na década de noventa, artistas que passaram pelas oficinas de Eurico Luiz, Elias, Bené Santana e Cláudio surgiram no cenário ganhando prêmios no Salão dos Novos da Galeria Álvaro Santos e integrando o grupo de "Emergentes" - uma seleção de Djaldino Moreno, no Cultart - e assim alçados a posição de destaque. Entre tantos posso citar Jacira Moura e Marcos Vieira. Do ano dois mil em diante muitos nomes surgiram. Ainda que tenha faltado persistência da maioria, o cenário atual tem boas novidades, a exemplo de Claudia Nem, Gabi Etinger e Victor Fabiano.

JD - Em que medida, o resgate de sua trajetória, pelo livro que vai ser lançado agora, interfere na percepção da sensibilidade local?

Cruz - O livro "Crônicas do Ateliê" é essencialmente de fotografia. É parte do "Projeto Brotando das Mãos", de Nailson Moura, que resolveu fotografar artífices, artesãos, artistas plásticos e outros profissionais que se utilizam da artesania, e, com suas habilidades manuais, fazem brotar tanto o aparato utilitário do cotidiano quanto o belo artístico. As fotos foram feitas no meu ateliê ao longo de três meses, enquanto eu trabalhava. Sob o ponto de vista da fotografia, a caracterização e valorização estética estão na opção pelo preto e branco caprichoso de Nailson Moura. Sob o meu ponto de vista, encaro o livro com maior função didática. As fotos fazem o que podemos chamar de "Narrativa Imagéticas", que é o nome da exposição dessas fotos na GAAS, aberta no dia 27 de maio, às 20 horas. No livro também estão 12 artigos escritos como colaborador da imprensa local, e que, por se aproximarem da crônica, terminaram recebendo tal status. O conteúdo das crônicas tem a ver com artes visuais. Neste aspecto é possível que, alguns pitacos meus, aquilo parecido com opinião sobre o modo de fazer arte, termine provocando boas reflexões acerca de questões estéticas.

JD - A discussão estética ainda carece de um ambiente crítico favorável?

Cruz - De discussões estéticas temos carência aguda e crônica, assim como de crítica. Ainda que saibamos da fragilidade dos artistas em geral, de aceitar um comentário mais incisivo. Mas, se em Sergipe, seja por falta de bagagem ou maturidade não se discute estética, fica a suspeita de que há um alheamento ou desinteresse proposital para se preservar, da crítica, a comunidade artística e assim mantê-la na zona de conforto.

Imagem e texto reproduzidos do site: jornaldodiase.com.br

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