Artigo publicado pelo Portal Infonet, quando da comemoração
dos 150 anos da Cidade de Aracaju. (2005)
Aracaju sob um novo olhar histórico.
Aracaju 150 anos. Esta é uma idade a qual os homens nem
sonham em chegar. Contudo, quando falamos dela nos referindo a uma cidade, isto
pode parecer apenas uns poucos anos de vida... A aniversariante, então, se
torna uma jovem de poucos 150 anos. Ou, como alguns gostam de dizer, a cidade
assume o papel da debutante centenária. Esse é, hoje, o lugar que Aracaju ocupa
diante dos olhos de quem nela vive, passa ou ouve falar.
É dessa Aracaju que fala José Gentil Leite nos versos do
hino, escolhido através de um concurso pela Prefeitura de Aracaju, do
Sesquicentenário. “Cajueiro dos Papagaios/ É o seu nome que vem do Tupi/ Tu és
bela, Cidade Menina/ Tuas praias tão lindas, sem fim!/ Teus recantos de rara
beleza / São encantos pra quem vem aqui/ Deslumbrante morena praieira/ Nós
morremos de amor só por ti”.
E esta jovem de 150 anos já possui muita história para
contar. Uma história às vezes controversa, cheia de nuances e cores, a depender
do foco que escolhe quem a observa. Entrevistado pelo Portal InfoNet, o
professor doutor em História da Universidade Federal de Sergipe (UFS), Antônio
Lindvaldo Sousa, expôs o próprio olhar sobre a história da cidade. De antemão,
ele expõe o ponto de vista que utiliza em suas pesquisas.
“Hoje em dia, o meu conceito de história é o de quem
trabalha com o cotidiano, com os homens comuns que choraram e sofreram. É a
história de carne e osso. Não a história das estruturas, dos grandes nomes, dos
heróis”, esclarece. Sob esta ótica, o professor fez uma relato extenso da
evolução da capital nestes 150 anos, tendo como ponto de partida a sua gênese,
em uma antiga vila de pescadores. Ele também fala se, através da história, é
possível descobrir a ‘marca’ de Aracaju e um pouco mais sobre o seu povo.
O NASCIMENTO - Colina do Santo Antônio. Esse é o local onde
boa parte da população acredita que Aracaju nasceu. Antes de ganhar o status de
cidade, a capital sergipana era apenas o povoado Santo Antônio do Aracaju. É, a
partir desse arraial de pescadores estabelecido em torno da capela de Santo
Antônio, na sesmaria de Pero Gonçalves, que muitos imaginam o início de tudo.
Idealizada para ser a capital de Sergipe Del Rey, Aracaju
surge da visão futurista, pode-se assim dizer, do governador da Província em 1853,
Inácio Joaquim Barbosa. Para planejar a cidade com o que tinha de mais moderno
no século XIX, o governador contrata o engenheiro militar Sebastião José
Basílio Pirro. O projeto foi feito a partir da construção de quarteirões
simétricos e linhas retas que lembram um tabuleiro de xadrez, hoje chamado de
Quadrado de Pirro em função do seu idealizador.
Em 17 de março de 1855, Aracaju passa a ser cidade através
da Lei nº 413. No entanto, há inúmeros pontos de discordâncias dentro da
história de nascimento da capital sergipana. Segundo Lindvaldo, Aracaju teria
surgido no quadrante onde se localiza hoje o Edifício Maria Feliciana e a
avenida barão de Maruim. Segundo ele as pessoas tentam encontrar a origem da
cidade na colina de Santo Antônio baseando-se na resolução que determina a
transferência da capital de São Cristóvão para o então povoado. Esta dizia que
a capital de Sergipe passa de São Cristóvão para onde fica a aldeia, ou seja, a
região de povoamento do Santo Antônio.
"Isso acontece porque as resoluções, todas elas,
obedeciam à regra de que não havia nenhuma construção de cidade em um espaço
vazio. Tinha que ser próximo a um determinado núcleo de povoamento para daí
surgir. Mas se isso consta na documentação, há também vários documentos do
próprio Inácio Barbosa, e da elite que o acompanhava, que demonstram um certo
preconceito sobre as cidades históricas de ladeiras, de ruas tortas, do tipo de
São Cristóvão, que era capital”, explica o historiador, que também destaca que
ao se pensar em uma nova capital para Sergipe, o governo da época não
considerou apenas nos aspectos geográfico e econômico.
“Pensa-se, também, na idéia de um futuro promissor para
Sergipe, acompanhado de desenvolvimento econômico. Hora, se há uma idéia
futurista, uma mentalidade progressista, acredita-se que essa cidade tem que
ser uma cidade planejada a partir do que há de mais novo no final do século
XIX”, revela. O professor informou que, naquele período, foi justamente quando
aconteceu o florescimento da produção da cana de açúcar no Vale do Cotinguiba.
“Sendo assim, um dos motivos para transferência é a economia, pois Aracaju
ficava perto da região produtora. Mas essa não é a única explicação para a
mudança de capital. Há um pensamento maior. E é aí que muita gente não dá conta,
porque isso é uma questão da historiografia da Universidade, de uma corrente de
pensamento que inclui a história cultural”, acrescenta.
Levando em conta todos estes fatores, o professor concluiu
algo que, para muitas pessoas acostumadas a ouvir a tradicional história sobre
o nascimento da cidade, é surpreendente. “Ninguém construiria uma cidade onde o
centro seria na Colina do Santo Antônio. Se fosse assim, somente se iria
repetir São Cristóvão. Dessa forma, a cidade é construída com o que há de
modelo, até porque só existiam duas cidades planejadas na época: Teresina e
Aracaju, que na verdade é um tabuleiro de xadrez. A partir disso, Aracaju é
construída no mangue, no areal. Então, se a questão fosse fazer o mais fácil,
este seria começar a cidade a partir do povoado que já existia, mas não era
isso o que Inácio Barbosa queria”, defende.
Para confirmar o ponto de vista, o historiador afirma que a
noção de cidade no alto era uma idéia dos séculos XVII e XVIII, pois estas eram
construídas contra as invasões holandesas, francesas, de índios e negros. “É um
visão retrógrada acreditar que Aracaju surge no Santo Antônio. Idéia de cidade
planejada, indo para o mar, é do final do século XVIII. Cidade no alto é cidade
da época da colonização. 1855 era fase do Gabinete do Imperador Dom Pedro II,
período em que Inácio Barbosa quis fazer a transferência de capital de São
Cristóvão para Aracaju porque acreditava que chegariam verbas diretamente do
Império. Os cofres públicos, em Sergipe, por mais que tenham aumentado devido a
produção de cana-de-açúcar e de algodão, não tinham condições suficientes para
bancar uma ousadia destas em pleno século XIX. Só existiam duas regiões
planejadas na época, nem Belo Horizonte, onde eu morei, é desse período. Ao
contrário. É de muito tempo depois”, destaca.
Por fim, o professor Lindvaldo Sousa também traçou um
retrato das idéias daquela época. “Há uma idéia de progresso que vem do
gabinete de Dom Pedro II, justamente na fase em que os liberais conseguem
algumas vantagens. A idéia de mudança de capital atende a ala progressista,
senão eles não a teriam aceitado. Contudo, em termo de condições econômicas,
sociais e políticas Sergipe não era muito representativo lá no Império”, revela
o professor.
Fotos e texto reproduzidos do site: infonet.com.br/noticias
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