Publicado originalmente pelo Portal Infonet
Reportagem, em 17/03/2005.
Reportagem, em 17/03/2005.
A Cidade Jardim e a Cidade de Palha
Naturalmente, do período em que passou a ocupar o posto de
capital do Estado até os nossos dias, Aracaju passou por uma série de
transformações. Apesar do planejamento inicial, a cidade cresceu
gradativamente. Uma das conseqüências foi que a população mais pobre, aos
pouco, foi afastada do projeto original. Desta forma nascem os bairros da
cidade.
“Quem sobrevoa a cidade percebe que, dentro do ‘Quadro de
Pirro’, as ruas Arauá e Itabaiana, por exemplo, são quadradinhos muito bem
arrumados. A população pobre não tinha condições de ficar ali e as que ficaram
paulatinamente foram expulsas, passou a morar nos arredores do Quadrado de
Pirro”, descreve Sousa. Entre os novos bairros que surgem estão o Carro
Quebrado (hoje bairro São José), o antigo Aribé (hoje Siqueira Campos), o
Manuel Preto e o Chica Chaves (hoje Bairro Industrial).
Por volta das primeiras décadas do século XX, nas
administrações de Pereira Lobo e Graccho Cardoso, a cidade adota o modelo da
belle époque,a bela época francesa, com as praças ajardinadas. “Busca-se dar a
Aracaju uma feição parecida com a que existia em cidades européias. Paris, Rio
de Janeiro e São Paulo também eram assim. Por isso, nas décadas de 10 e 20, ela
ganha o status de cidade jardim do Nordeste”, revela Lindvaldo Sousa. Quanto a
população pobre, o paradeiro era outro. “Eles viviam na rua do Bomfim, no
Areal, nos morros e mangues. São estas mesmas pessoas que vão trabalhar nas
fábricas de tecido, de sabão, de algodão, assim por diante. Elas também fazem o
cotidiano que não aparece e não é lembrado, quando muitos historiadores contam
porque Aracaju ficou conhecida como o símbolo da Fênix. Essa analogia surge
pelo fato de que Aracaju foi transferida para cá mas, por conta de muitas
doenças provindas dos mangues, a cidade ficou em cinzas. O próprio Inácio
Barbosa morre pouco tempo depois da nova capital instalada”, relembra.
Foi também durante as décadas de 10 e 20 que o poder público
iniciou o trabalho de higienização da cidade, alongando ruas, criando as
primeiras redes de esgoto e fazendo as praças com o aspecto que mantêm até
hoje. Apesar disso, os subúrbios continuaram ignorados. Lindivaldo cita o livro
“Os Corumbas”, de Amado Fontes, como um retrato das condições precárias de quem
habitava as redondezas do Quadrado de Pirro. E, nesta dinâmica que permanece,
por trás dos edifícios que são construídos pelos ricos que vêm se instalar na
capital, existe uma “Cidade de Palha”. Por sinal, muitos estrangeiros que
visitavam a cidade se referiam assim a cidade.
“Existe então o Quadrado de Pirro onde, 15 anos depois, já
se encontram casas. Neste período também já existe o porto, a Igreja Matriz, a
Alfândega, o Palácio do Governo. Dentro do projeto, vez por outra se encontra
alguns casebres. Contudo, em volta do Quadrado nós também encontramos esses
conglomerados de palha que faz parte de Aracaju. Então, no meu olhar, a cidade
não é só o quadrado de Pirro. É mais que isso. Ela é, também, o Aribé e a
Colina do Santo Antônio onde ficam os pobres. É onde fica o antigo Carro
Quebrado e o Manuel Preto, e assim por diante”, defende o historiador.
E é esta enorme massa anônima que, aos poucos, vai se
moldando às novidades da nova capital. No início do século XX, com a
implantação de fábricas e grande produção de algodão, além da Primeira Guerra Mundial,
é registrado um boom na produção de tecidos. Consequentemente cresce a demanda
por mão de obra. Aracaju passa, assim, a ser destino de um povo, nas palavras
do historiador, acostumado “com o sol e com o canto do galo”. Aqui, estas
pessoas passam a viver o cotidiano das fábricas, com vigilância, apitos, multas
e, principalmente, relógios.
“A cidade passa a representar um lugar urbanizado onde, ao
mesmo tempo, vivem homens e mulheres pobres. Gente que carrega seus elementos.
Por isso, o mercado Thales Ferraz torna-se um lugar simbólico, onde o povo vai
se encontrar e narrar os acontecimentos revivendo, milenarmente, as histórias
de seus ancestrais. É também aí, no mercado, que além de produtos e gêneros
alimentício vamos encontrar a presença de outras culturas que muitas vezes não
evidenciamos. Nesse espaço nós vamos encontrar objetos que servem para fazer os
rituais afros. Dessa forma Aracaju não é só uma cidade cristã, católica. Nesta
cidade existia o velho preto, que fazia as garrafadas, e a cartomante que lia a
mão. Em todas essas localidades tinham as festas do Samba de Coco. Na cidade também
encontramos rituais que veio com essa população, como a Chegança e o Bumba Meu
Boi. Tudo isto, Aracaju teve ao longo das décadas em que foi, paulatinamente,
construída”, descreve o professor.
O historiador acredita na possibilidade de narrar uma história
diferente. Para isto, segundo ele, basta se dispor a vê-la por outros ângulos.
“É impossível falar da história de Aracaju sem as vozes dos que foram
silenciados e que estavam a margem em certos sentidos. E aí entram uma série de
personagens até recentemente. Não podemos, ainda, desconsiderar que aquilo que
ocorre a nível nacional também ocorre aqui. O regime militar com a ‘Operação
Cajuana’, por exemplo. Esta é uma página da história que a gente sempre deve
lembrar se não vamos cair no ufanismo. Dentro dessa idéia de comemoração é
preciso pensar as contradições dessa cidade, dessa jovem de 150 anos” avisa o
historiador.
Fotos e texto reproduzidos do site: infonet.com.br/noticias
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