(Odisseias Sergipanas).
O Bar do Meio da Rua.
O nome é apropriado: trata-se de uma incongruência
urbanística que aparece no Largo do Esperanto logo após o edifício Maria
Feliciana, de repente, no meio da rua. Fica entre o “Ferro de Engomar” - um
edifício pontudo que já foi tudo na vida e o antigo cabaré “Pinga Pus”- que
Deus me livre dele! Mas está nas cercanias de duas ruas absolutamente
comerciais em Aracaju: a Itabaianinha e a João Pessoa.
Como tudo aqui é liliputino, você caminha trezentos metros
de comércio e dá de cara com o entroncamento urbano a que me refiro: acaba ali
a elegância das vitrines, o bom gosto dos manequins bem afeiçoados, a passarela
da burguesia. É quando a cidade endoida em permissividades, carrinhos de mão, camelôs
se estendendo nas calçadas aos gritos, calçolas de morim e blusões de frio em
promoção. Entre o bafafá dos mafuás e a circunspeção das vitrines, o Bar do
Meio da Rua é a convergência.
Ele permanece aberto como uma teimosia que a cidade guarda
com zelo provinciano e imutável graça. Os inchadinhos inda se chegam por lá
para os últimos dois dedos de cachaça, os guardas noturnos, as meninas da vida,
enfim, a Aracaju preservada nas delícias da noite ainda comparece ao Bar do
Meio da Rua, nem que seja para contar antigas aventuras, inesquecíveis
cachaças.
Digo isto porque fui lá conferir, antes de lembrá-lo aqui.
Fui ver se ainda rosnam os velhos liquidificadores, se as mortadelas penduradas
ainda fascinam moscas e se a média com pão e farta manteiga inda me faziam
babar. Pois fez.
Só me faltou o papo decente entre a marginalia de rua e os
meninos cheirosos de 78. Nós, advindos da Tropicália, esticávamos ali loucas
programações sociais quando nos batia no estômago a fome de sustança. No Bar do
Meio éramos satisfeitos: vitamina forte, tira-gosto de lei, comida “de mesmo”
para agüentar o tranco. O tranco, sim, porque até pela sua situação geográfica,
o Bar do Meio era apenas uma estação para os boêmios em trânsito a caminho das
locas tradicionais no Bairro Santo Antonio, como o cabaré de Ciganinha no Beco
do Cemitério, os bailes da Fugase, as bocas de fumo do Mané Preto e o
inesquecível Caverna’s Bar, onde nos cabia enfrentar nos alvores do dia, a
desafiante bomba calórica do estupô balaio que estrelava o seu cardápio: uma
fornida Sopa de Mão de Vaca, onde se acrescentava ao gorduroso mocotó de boi
uma boa dose de pimenta machucada na hora.
O Bar do Meio da Rua era a esticada certa no cu da madruga.
O mal ainda era uma hipérbole incompreendida, algo romântico e inofensivo que
atraia a juventude doida por coisas bárbaras - doces bárbaros. O pior que
poderia nos acontecer seria o cintilar de uma peixeira, pura adrenalina ardendo
acesa na noite. Epa! Mas era só correr, e pronto. Aliás, segurança havia que
polícia lá era de fazer lama. Bêbados, com suas raparigas e fartos das
contravenções noturnas, os policiais sabiam que nós, os meninos malucos com
suas calças “boca de sino” éramos intocáveis. Quem saberia filhos de quem?
Numa noite o amigo Euler, lourão magro meio derrubado pelo
vício dos cabarés, convidou-me para um cuscuz com ovos. O maluco, em chegando
lá inchou parança, que era tudo perôbo, que a mãe do guarda tava na torre, e
outras malcriações indevidas. Ficou feio, quase teve tiro, o código de proteção
se quebrara. Era cada um por si e Deus por nós todos. Então, quequeuqueroaqui?
Corri, corri até me homiziar entre os travestis da Ponte do Imperador - doce e
inexpugnável cidadela!
No outro dia soube que não deu em nada! Que a querela se
resolvera com um tira-gosto de fígado e uma vitamina de frutas. E que o guarda
ofendido, chorando ao ombro do meu amigo Euler e até apelidara a temida Beretta
que ostentava carinhosamente de “Lindinalva”. Uma esculhambação!
Ocorre que eu demorei a sair do aconchego seguro na Ponte do
Imperador, um pouco por causa desse contratempo e muito por certa afinidade com
o que se passava por ali, reconheço agora.
O Bar do Meio da Rua ainda está lá, eu é que não sou mais o
mesmo!
Amaral Cavalcante, 10/12/2008.
Postagem originária da página do Facebook/MTéSERGIPE,
de 10 de fevereiro de 2014.
de 10 de fevereiro de 2014.
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