Foto: Renata Lohmann
Publicado originalmente no site do Jornal da Cidade, em 28/01/2019
Entrevista | Michel de Oliveira
"O livro sou eu me desnudando diante do espelho"
É em ‘O sagrado coração do homem”, que o jornalista de
escrita poética e escritor de realidades individual e coletiva silenciada,
Michel de Oliveira, se despe e instiga o leitor ao reboliço de entranhas nada
visíveis ao reflexo do espelho. O segundo livro do jovem doutorando, em momento
mais que propício, será lançado, aberto a reflexões e entendimentos no próximo
dia 1º de fevereiro, às 18h, na Doca, situada à Rua Nossa Senhora do Socorro,
271, São José. Será uma noite de autógrafos e (re) encontros com amigos e
‘eus’. Foi sobre o livro e um pouco mais que o JORNAL DA CIDADE conversou com
Michel de Oliveira.
JORNAL DA CIDADE - Esse segundo livro questiona a estrutura
do patriarcado e é lançado em um dos momentos mais controversos que vivemos
sobre o assunto. Em que ponto do debate sobre questões machistas o livro se
situa?
MICHEL DE OLIVEIRA - Em um ponto primário, que é não ser
condescendente com essa estrutura. Nós, homens, temos problemas e somos um
problema; é importante assumir isso. Passamos por muitas mudanças sociais nas
últimas décadas, temos um novo levante feminista, o fortalecimento de
discussões sobre gênero, raça e classe. Nós, homens, em vez de aproveitarmos
essa reformulação para se repensar e cooperar, atrapalhamos, como bons meninos
mimados que somos. Há muito tempo chegamos em um ponto insustentável no que diz
respeito à sociedade voltada para beneficiar os homens, e passou da hora de
isso mudar. Gostaria que o livro fosse um chamado à responsabilidade que não
temos assumido.
JC - Repensar a masculinidade, no livro, é resultado de um
processo de autodescoberta? É possível que o leitor também embarque numa
jornada de autoconhecimento?
MO - O livro sou eu me desnudando diante do espelho e
lidando com o incômodo disso. Foi resultado de uma crise profunda por assumir
que eu, sempre com um lindo discurso de igualdade e louvor às mulheres, também
era machista. Essa consciência resultou em um profundo desconforto em descobrir
que as mudanças são muito mais complexas. É muito fácil escrever ou falar
frases bonitas para ganhar likes nas redes sociais, mas repensar nosso lugar no
mundo e como nosso comportamento impacta na sociedade é bastante embaraçoso
para nós mesmos. Ficarei muito satisfeito se os contos trouxerem algum tipo de
reflexão para quem lê, em especial para os homens. Se ao terminar o livro os
leitores e leitoras puderem dizer para si mesmos “eu sou machista”, será um
grande passo.
JC - Tanto em “Cólicas, câimbras e outras dores” quanto em
“O sagrado coração do homem”, o texto nos leva a inúmeros momentos de quebra de
expectativas, com personagens que carregam uma humanidade pouco vista em obras
de ficção - e, por isto mesmo, quem lê se pergunta o que, de fato, é real. De
onde vêm essas histórias?
MO - A inspiração dos contos vem de vários lugares, são
resultado da observação que faço das coisas ao redor. Gosto de andar na rua, de
ver como as pessoas se comportam, imaginar como vivem e o que sentem. Meus
personagens estão sempre em alguma margem; gosto de investigar como as pessoas
resistem a situações tão duras e desgraçadas, isso me ajuda a persistir.
JC - Em qual momento da trajetória o jornalista deu lugar ao
escritor?
MO - O escritor veio antes de tudo. Escrevia desabafos e
cartas desde a adolescência. Escrever sempre foi a forma como me comuniquei
melhor - é como eu me aproximo de maneira mais direta das pessoas. Optei pelo
jornalismo porque queria escrever. Tudo o que fiz profissionalmente está ligado
à escrita, inclusive me dedicar à pesquisa, que, na área das humanidades, exige
um alto grau de manejo do texto. Escrever ficção sempre foi uma imaginação
distante: quem sabe um dia, eu pensava. Depois de terminar o mestrado, percebi
que sempre escrevia por demanda, e fiz a pergunta que todo mundo deveria se
fazer: e se eu morrer agora, estarei satisfeito? Foi quando decidi escrever
algo meu para jogar no mundo, aí nasceu o “Cólicas...”. Depois disso as portas
da ficção se abriram e cá estou eu lançando o segundo livro e com outros
projetos em andamento.
JC - Você está lançando o segundo livro em um intervalo
curto em relação ao primeiro, em um momento de colapso das livrarias. Quão
desafiador é ser escritor?
MO - Foi pouco mais de um ano do primeiro para o segundo
livro. De fato, é um tempo curto e isso decorre da minha ansiedade e vontade de
produzir. Ser escritor de ficção é um grande desafio e isso não vem de agora: a
maioria dos nossos clássicos nacionais, como Machado de Assis e Lima Barreto,
tinham emprego formal e a escrita era uma paixão que não colocava comida na
mesa. Hoje, isso parece estar ainda mais complicado, as demandas de vida são
cada vez mais ágeis, e a escrita demanda tempo, paciência e silêncio. Ser
escritor nacional contemporâneo é um desafio. Além dos baixos índices nacionais
de leitura, na lista de prioridades de quem lê estamos em último lugar.
Primeiro vêm os mortos, com seus livros clássicos, depois os autores estrangeiros
vivos, os autores nacionais consagrados e, por fim, nós, desconhecidos,
buscando um lugar ao sol. Escrever é a parte fácil, por mais irônico que possa
parecer. Ser publicado também não é nada impossível, ainda mais com algumas
facilidades proporcionadas pela internet. Agora encontrar quem leia, eis um
grande desafio. Por isso tenho profundo respeito por meus leitores, são eles
que fazem o esforço valer a pena.
JC - O que significa para você lançar esse livro em Aracaju?
MO - Saí de Aracaju como jornalista e volto como como
escritor iniciante. Muitos ainda não conhecem essa faceta, então o lançamento é
bem significativo para demarcar essa nova fase de minha trajetória pessoal.
Sergipe foi onde finquei raízes. Em Aracaju comecei minha formação e escrevi os
primeiros contos, em noites de insônia. Por isso dá um frio na barriga; parece
que é uma responsabilidade maior. Mas sei que é aqui o lugar onde sempre
encontro acolhida, então esse lançamento será um momento de celebração. Será
uma satisfação encontrar novos leitores na minha terra.
Texto e imagem reproduzidos do site: jornaldacidade.net
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