Dom José Vicente Távora foi arcebispo da
Arquidiocese de Aracaju de 1960 a 1970.
Publicado originalmente no site SÓ SERGIPE, em 9 de setembro de 2019
Dom Távora, necessário também no século XXI
Valtênio Paes*
Dez anos depois, fazendo releitura do livro “Dom Távora, o
Bispo dos Operários – Um homem além do seu tempo” de autoria do padre Isaías
Nascimento, vislumbro, como uma leitura pode ensejar inúmeras interpretações
com variados vieses. Sem qualquer pretensão de analisar a importante obra,
trataremos de aspectos fáticos da política, religião e sociedade do Brasil, e
especificamente de Sergipe, ali relatados. Sua chegada em Sergipe se deu sob a
influência da “Doutrina Social da Igreja” a partir do Concílio Vaticano II,
numa aparente contradição tanto para “socialistas como para liberais” ao mesmo
tempo, no auge da repressão militar pelos idos de 1968.
Ao mesmo tempo em que, “avisou para Carlos Lacerda da fúria
da multidão” facilitando-o esconder-se no alojamento do aeroporto Santos Dumont
que protestava ante o suicídio de Getúlio Vargas, “foi um dos organizadores do
36° Congresso Eucarístico Internacional no Rio de Janeiro com mais de 500 mil
participantes no Aterro do Flamengo” bem como, participou do Concílio Vaticano II
sendo nomeado membro do Secretariado para Assuntos de Imprensa do Concílio
Ecumênico pelo papa João XXIII… afirmando:
“nosso trabalho terá sido grande e
definitivo se, após o Concílio, pudermos apresentar programas de uma igreja
cada vez mais missionária, evangélica, simples,
sacramental, sustentáculo dos pobres, defensora intemerata da justiça
social, de um ponto a outro mundo, mestra constante das renovações necessárias.
Uma igreja que representa, na verdade, de fato e indiscutivelmente, o
ministério de Cristo salvando a terra, salvando o homem, como único Salvador e
ninguém mais”.
Ao falecer em 3.04.1970, aos 59 anos, era presidente do
Movimento de Educação de Base (MEB), membro da Comissão Episcopal da Ação
Católica e Apostolado Leigo ligado à Conferência Nacional dos Bispos do Brasil
(CNBB).
A pressão militar era grande sobre o religioso. “As
celebrações religiosas presididas por Dom Távora e por parte de seu clero
comprometido, assim como, as reuniões de trabalhadores nas igrejas e sindicatos,
foram vigiadas, fotografadas e gravadas. Suas homilias foram censuradas. Sua
casa passou a ser observada. Sempre havia um agente do governo infiltrado”,
porém na sua morte militares oraram de joelhos junto ao seu corpo.
Marcha
Segundo o texto do historiador Ibarê Dantas transcrito na
obra de padre Isaías aqui mencionada, “com a morte de Dom Távora caía a maior
cidadela de resistência da Igreja em Sergipe num momento nacional marcado pela
repressão. Com o movimento estudantil já quebrado, a Igreja Católica subsistia
pertinaz como derradeira instituição da sociedade civil a protestar contra o
arbítrio e atrocidades. Na esfera nacional, sobretudo nesse momento, 1969/1970,
em que seus militantes leigos e religiosos mais sentiam a força da repressão, inclusive
com assassinatos”.
Dentre outros, este relato, apresentava a divisão da Igreja
Católica no Brasil entre a simpatia por ações intituladas de esquerda e de
direita na medida em que simultaneamente acontecia a Marcha da Família com Deus
pela Liberdade contra o comunismo em várias cidades do país. “A maioria do episcopado brasileiro
concordava com a tomada do poder pelos militares” face que “essa cultura
anticomunista foi semeada no início da década de 1930”.
Curiosamente,
vencidos pela constatação histórica do fim da polarização esquerda x direita,
com a adesão dos países (Rússia, China, Cuba, etc.) ao capitalismo, o governo
brasileiro atual retoma um discurso ultrapassado, sem volta, e consegue
ferrenhos simpatizantes ao anticomunismo, 89 anos depois. Pior ainda, alguns
seguidores do Cristianismo (católicos e protestantes principalmente) defendem o
uso de armas, o individualismo exacerbado, etc. Se vivo estivesse hoje, Dom
Távora seria “crucificado” na medida em que defendesse o que defendera em 1970.
Ao que parece, a prática dos princípios cristãos de priorização pelos mais
humildes vem sendo deletada por uma grande parte de líderes religiosos atuais
em Sergipe e no Brasil.
Pio XI, então líder maior da Igreja Católica Romana, disse
ao padre Cardijn, fundador da Ação Católica, segundo a obra de padre Isaías:
“Finalmente, aqui está quem me fala das massas e de salvar as massas. Todos os
demais me falam das elites. A maior obra que o senhor pode prestar para a
Igreja é devolver-lhe as massas operárias que perdeu. As massas precisam da
igreja. A igreja precisa das massas e exatamente das massas operárias. Pois uma
igreja onde se encontram apenas os abastados não é mais a igreja do Senhor
Jesus Cristo. Ele fundou sua igreja principalmente para os pobres. Eis por que
é necessário restituir-lhe as massas trabalhadoras”. Neste mesmo toar, dizia
Dom Távora, “o homem precisa de um mínimo de conforto e bem estar para poder
elevar sua alma a Deus”.
Ao revisitarem 1930/1970 estariam cristãos brasileiros,
dentre eles, sergipanos, esquecendo do verdadeiro sentido da mensagem de
Cristo? Ao pregar somente a oração, esquecendo o social, estariam retrocedendo
à Idade Média ou ao individualismo dos séculos XVIII e XIX? Eis algumas, dentre tantas reflexões que a
obra do padre Isaías pode nos provocar.
Um fato é cristalino, Dom Távora “foi um homem além do seu
tempo”. Não se vislumbra grandes ações das igrejas em geral com tal preocupação
em Sergipe há mais de meio século. As igrejas pararam no tempo, no plano
social? O que se pratica hoje é o verdadeiro Cristianismo conforme falou seu
Criador? Verdade que existem suaves exceções, mas na maioria, os líderes das
igrejas cristãs pararam no tempo. Vivemos um retrocesso da ação religiosa onde
se esquece o belo trabalho de Dom Távora “um homem além do seu tempo” como
escreveu padre Isaías, mas também necessário no século XXI.
(*) Valtênio Paes de Oliveira colabora quinzenalmente, às
segundas-feiras. Ele é professor, advogado, especialista em educação, doutor em
Ciências Jurídicas, autor de A LDBEN Comentada -Redes Editora, Derecho
Educacional en el Mercosur- Editorial Dunken e Diálogos em 1970- J Andrade.
Texto e imagens reproduzidos do site: sosergipe.com.br
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