André Viana proprietário da Editora Livros de Família
Foto: Fabiano Accorsi
Publicado originalmente no site do jornal CINFORM, em 8 de abril de 2019
Sua Vida Cabe Num Livro?
Por Suyene Correia/redacao@cinform.com.br
Carioca de nascimento, sergipano de coração, o jornalista e
escritor André Viana- filho do contista Antônio Carlos Viana-, morando em São
Paulo, desde 1997, decidiu investir no mercado editorial, a partir de 2011,
depois de acumular experiência como editor e diretor na Trip. Na época, criou a
Jerimum Biográfico, atualmente Livros de Família, especializada em publicações
produzidas, exclusivamente, para famílias biografadas, com tiragens reduzidas,
onde o objetivo maior é proporcionar às novas gerações de uma determinada
família, o resgate de valores e a construção de uma memória, a partir do
conhecimento de suas origens.
Agora, a Editora
Livros de Família, localizada na Vila Madalena, conta com cerca de 30 livros no
seu catálogo e parte para uma nova empreitada: a venda de um produto no
circuito de livrarias. O primeiro livro vendável será “O Diabo na Casa do
Terço” da jornalista mineira Cássia Miguel, com lançamento previsto para o dia
27 de abril, na Livraria da Vila, no bairro paulistano de Vila Madalena. Mas
Viana esclarece, logo: “a editora não fica com nenhuma porcentagem sobre a
venda. O dinheiro volta inteiramente para a família como uma forma de recuperar
o dinheiro investido na produção do livro”.
Aliás, assim como a
tiragem de um livro dessa natureza varia muito- já houve cliente que solicitou
apenas um exemplar, mas a média é de algumas dezenas- também os preços para a
execução de um projeto biográfico variam de R$ 30 a 100 mil (sem os custos da
gráfica), a depender da natureza da pesquisa e dos profissionais envolvidos.
Atualmente, ainda são
poucas as editoras no Brasil, que se dedicam a essa vertente literária. Com
perfil similar à Livros de Família há a Memorabília (RJ) e a Artesão de
Memórias (PR). Mas André Viana, que lançou “O Doente” em 2014, pela Cosac Naif
e foi finalista do Prêmio São Paulo de Literatura 2015, é otimista não só com o
futuro da sua modesta editora, como também com o futuro do livro. Um pouco
disso, pode ser conferido na entrevista abaixo, onde Viana também conta como foi
aprimorando sua maneira de abordar os biografados, além de revelar algumas
curiosidades sobre essas publicações tão singulares.
Qual metodologia você utilizou para escrever “Tchô!”, o
primeiro livro da Editora, ligado à família de Zoé Silveira D’Ávila? Fale um
pouco sobre esse processo de encontros, entrevistas e como é editar todo esse
material num livro prazeroso de se ler.
De modo geral, até hoje, os livros de família não têm uma
metodologia específica. Cada livro é escrito de um jeito. Quem comanda mesmo é
o processo de interação com a família. Dificilmente, a família sabe, já de
saída, que tipo de livro ela quer. Eu também não sei, até conhecer aquela
família mais a fundo. Então, vamos construindo juntos, de acordo com o que vai
aparecendo. É um processo inteiramente orgânico. É por isso que não existe um
livro igual ao outro, nem mesmo o projeto gráfico. Nesse sentido, a Livros de
Família é uma editora artesanal, que traz como resultado uma pequena joia
lapidada especificamente para aquela família.
No caso de Tchô!, feito em 2010/2011, eu cheguei apenas com
minha experiência como jornalista. Achava que tinha que seguir os manuais de
biografias e escrever o livro na terceira pessoa. Precisei escrever quatro
versões do primeiro capítulo até entender que Zoé queria, ele mesmo, contar a
própria história. Quando reverti o que havia escrito para a primeira pessoa,
Zoé leu e disse: “É isso!”. Ali entendi que não adiantava chegar com fórmulas.
Que era preciso sentir o terreno antes de começar a caminhar.
E é assim até hoje. Zoé já estava com 90 anos, então nossas
conversas não duravam mais do que meia hora. Estabelecemos dois encontros
semanais. E assim fomos durante um ano inteiro. As lembranças da infância
estavam todas intactas, mas a certa altura, vi que muitas histórias da fase
adulta precisavam ser completadas com a ajuda de amigos, conhecidos e parentes.
Viajei até uma cidade de Santa Catarina onde ele fez fama como médico e
empresário e passei uma semana entrevistando algumas pessoas. Depois incorporei
as informações coletadas à voz do Zoé, o que faz do livro Tchô! um mosaico de
memórias alheias escrito na primeira pessoa.
Ainda que existam poucas editoras especializadas nessas
histórias familiares no Brasil, a procura vem crescendo nos últimos anos? E o
interesse dos leitores também?
A procura vem crescendo à medida que a Livros de Família se
torna conhecida, no boca a boca. Uma pessoa conta para outra, que conta para
outra, que me procura e depois conta para uma terceira e, por aí, vai. Embora
eu não soubesse que existia esse nicho editorial quando criei a editora, há
outras pessoas fazendo a mesma coisa. Recentemente, saiu uma reportagem em O
Globo falando sobre essas “biografias afetivas”, termo que eu não conhecia e
que adorei. Ali, você tem um apanhado abrangente sobre esse nicho. Sobre a
tiragem, cada família escolhe a sua. Já teve família que imprimiu um exemplar
só e já teve outra que imprimiu 500 exemplares.
A novidade do momento é o lançamento do primeiro livro de
família que estará à venda. Chama “O Diabo na Casa do Terço” da jornalista
Cássia Miguel Baldauf. Ela reescreveu histórias que desde pequena ouvia o pai
contar sobre personagens reais que passaram pela venda da família, em
Guaranésia, no interior mineiro. É um livro muito saboroso, com histórias que
vão interessar e divertir um público maior do que os parentes. Propus a Cássia
que o livro fosse vendido. Ela topou e o lançamento será agora, no dia 27 de
abril, na Livraria da Vila, na Vila Madalena.
Como você avalia esse nicho dentro do mercado editorial no
Brasil de hoje? E no exterior, esse mercado tem demanda?
De forma muito simples, até porque nunca fiz nenhuma
pesquisa a esse respeito, é um nicho que vem aparecendo de forma tímida e
gradual. Digo isso pelas reportagens da Livros de Família que têm saído a esse
respeito. Não faço a mínima ideia de como é esse mercado no exterior. O que
sei, é que livrarias e bibliotecas na Espanha e nos Estados Unidos já me
procuraram querendo exemplares desses livros de família.
Quando você é contratado para esmiuçar a vida familiar de
alguém, conta com auxílio de historiadores? Ou você mergulha fundo,
solitariamente, na pesquisa, tendo que contextualizar essas histórias com fatos
históricos?
Geralmente, quem pesquisa sou eu ou o escritor/jornalista
que contrato para cuidar de determinado livro. Para mim, na verdade, é a fase
mais divertida do processo: ler sobre História do Brasil e do mundo pra poder
contextualizar as histórias da vida privada. Teve um livro em especial, sobre
uma fazenda aqui do Vale do Paraíba, que me levou a ler sobre história do
Brasil durante nove meses para só, então, começar a pesquisa do livro
propriamente dita. Eu sabia que entraria em contato com informações que demandariam
uma base histórica para entender o contexto. Para a concepção desse livro,
contratei uma historiadora/paleógrafa que me ajudou a ler documentos do século
17/18 que estavam guardados no arquivo histórico de Taubaté. Descobrimos
preciosidades que mais tarde seriam importantes até para historiadores da USP
que estudam as rotas bandeirantes. Fora essa experiência, no mais das vezes
mergulho sozinho nas pesquisas. É um bom jeito de seguir aprendendo.
Como se dá a participação dos contratantes na hora de editar
o livro? Eles deixam você a vontade para colocar o que quiser ou interferem no
que vai ser publicado?
A combinação inicial com as famílias biografadas é de que
não haverá tema-tabu durante a fase de entrevistas. Tudo será abordado, as
lembranças boas e as ruins. Com isso, esses livros não deixam de ser um
processo psicanalítico para todos. Muitos temas e situações e mágoas que haviam
sido jogadas para debaixo do tapete são revolvidas com a ajuda de alguém de
fora (no caso, o autor ou autora do livro). Isso feito, eu processo tudo e
tento contar tudo da maneira mais cuidadosa possível. O que acontece bastante
em qualquer família, incluindo a minha e a sua, é que uma história pode ter
mais de uma versão — e aprendi que todas são verdadeiras, afinal de contas, é a
versão que aquela pessoa ouviu, guardou e transmitiu. Não é raro eu ter que
entrar num acordo coletivo para definir que versão vai ser escrita. Suicídio na
família, por exemplo, é um tema que não é raro aparecer. Como abordar — ou se
deve abordar — eu sempre deixo a cargo da família. No fim, a história é dela,
não minha. Talvez seja isso que diferencie as biografias de família das
biografias comuns, já respondendo sua pergunta. Por ser uma encomenda, acordos
devem ser firmados —nem para que a família se sinta exposta e nem para que eu
me transforme num biógrafo chapa branca, que só vai publicar o trigo e deixar o
joio de fora. Mas eu sei que mesmo um Ruy Castro, com toda a sua autonomia,
qualidade e prestígio como biógrafo, toma cuidado com certos assuntos na hora
de escrever. Nada é tabu. Só depende do jeito que se coloca. Isso é algo
inerente ao profissional, independentemente, se o trabalho é uma encomenda ou
não.
Das histórias que você já escreveu, qual a que mais te
emocionou e porquê?
Não posso falar o nome da família, mas enquanto fazia as
entrevistas para um livro, apareceu uma mágoa profunda de uma filha em relação
ao pai. Era uma mágoa que persistia por mais de 40 anos. O episódio tinha
acontecido quando ela tinha 7 anos e determinaria uma distância silenciosa
entre eles ao longo da vida, e a família inteira precisou se encaixar nesse
esquema. Quando ouvi o relato emocionado dela, achei o episódio tocante e
resolvi começar o livro por ele. O texto mexeu com a família inteira porque era
uma ferida exposta. Quem não sabia ficou sabendo, quem sabia precisou enfrentar
fantasmas enterrados. Pai conversou com filha, filha conversou com mãe, todos
choraram, se perdoaram e fizeram as pazes. Fiquei feliz com o desfecho: não só
do livro como da nova relação da família. Agora, já com alguma experiência,
posso dizer que não é incomum esse tipo de transformação na família depois de
ver sua própria história refletida num livro.
Algum sergipano já te procurou para esse trabalho? E se
ainda não, teria alguma personalidade daqui que gostaria de biografar a
trajetória familiar?
Já, mas as negociações não foram adiante. Era para contar a
história de um grande empresário. Uma família sergipana que eu gostaria muito
de biografar é a Mangueira Viana.
Hoje, você vive, exclusivamente, de sua editora?
Sim, hoje vivo exclusivamente da minha editora. A Livros de
Família está entrando em outra fase agora que é a de livros vendidos em
livraria. Até então, os livros eram feitos apenas para consumo interno. Mas chegou
em minhas mãos o livro escrito pela Cássia Miguel e achei que ali, tinha algo
que podia interessar mais gente. Propus a ela vender “O Diabo na Casa do Terço”
e ela topou. A editora não fica com nenhuma porcentagem sobre a venda. O
dinheiro volta inteiramente para a família como uma forma de recuperar o que
foi investido na produção do livro. Tem um próximo passo que eu quero dar, mas
ainda não sei como, que é fazer livros para famílias que não têm dinheiro para
pagar pela produção, mas gostariam de ver suas histórias espalhadas por aí.
Recebi dois originais recentemente, um do Pará e outro da Bahia. O primeiro é o
relato de uma senhora que passou muitos anos num hospital de hanseníase. O
segundo é o relato de uma senhora que trabalhou a vida inteira como boia-fria e
escreveu sua história de vida a lápis, num caderno. A filha transcreveu e me
mandou. São dois pequenos tesouros que eu gostaria de oferecer aos leitores.
Pode ser através de patrocínio de alguém ou uma empresa. Pode ser um livro
digital. Não sei ainda.
Na sua opinião, qual o futuro da editoras brasileiras, tendo
em vista a realidade econômica do país, atualmente?
Sobre o futuro das editoras, meu palpite, que não vale nada,
é que as grandes corporações vão cada vez mais dar lugar a pequenas casas
editoriais produzindo livros artesanais, lindos e de tiragem baixa. Pelo menos
no Brasil, que é o um país onde se lê pouco ou quase nada. Na verdade, é isso o
que já está acontecendo. Em resumo, o livro não vai morrer, as editoras não vão
acabar. Tudo muda para continuar igual. É nisso que acredito. Mas é só um
palpite otimista esse.
Texto e imagem reproduzidos do site: cinform.com.br
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