A boate Lourinha
Aracaju já teve uma boate flutuante, você sabia?
Na década de 1980 ancoraram um velho barco na Ponte do
Imperador e ali lhe decretaram o último porto. A nau, já churriada de grandes
aventuras pelo mundo a fora, cansada de guerra e incapaz pretender grandes
viagens. Viera dar com os costados aqui por obra e graça do inquieto padre
Arnóbio Patrício de Melo, então ocupando uma diretoria de turismo, uma figura
muito amada pela congregação católica, mas vista de trevéz pelos príncipes da
cúria local, chegando a ser proibido de exercer o seu ministério por conta das
suas atitudes revolucionárias em favor da diversidade. Não nos esqueçamos dele.
O barco parou ali na Ponte do Imperador e se prestou à
curiosidade popular que nunca tinha visto um navio por dentro. Filas de
curiosos, por dez reais, para subir e descer suas ferragens carcomidas, da popa
aos porões, apresentando novidades e circunstâncias espaciais que o aracajuano
desconhecia: então é assim que são os navios? Aracaju não é do mar, de modo que
aquela arquitetura inusitada muito nos fez curiosos.
Foi ficando ali, funcionando como uma boate muito seletiva,
frequentada por endieirados que precisavam esconder suas comilanças e seus
amores clandestinos. Foi então que João de Barros e o performático Antonio
Lisboa, resolveram fazer no Lourinha o animado “Baile dos Artistas", numa
edição mais ousada e afirmativa na briga pela diversidade. Juro que, naquele
tempo tratava-se com muito mais ousadia esta questão. Era um tempo de
conquistas afirmativas, milimetricamente vencidas.
O Lour8nha teve, então, seu dia de glória. As plumas e os
paetês que o articulado Lisboa trouxe dos mais elegantes e vistosos rincões do
transformismo nacional, figuras trans comprometidas com certa revolução
estética e moral que muito nos interessava, tomaram o Lourinha todo e fizeram,
daquela noite, um levante histórico em direção aos mais caros derivativos da
modernidade. O entendimento da diversidade e a consolidação das liberdades
individuais era um derivativo batalhado por todos nós, então, quem transpôs os
limites da cidade, pulando do batente da Ponte à lúdica aventura das
permissividades no Lourinha, teve uma noite gloriosa, tão bela quanto
condenada, tão memorável quanto abafada pela opressão social e por isso mesmo
posta, até hoje, na vala do esquecimento.
A Boate flutuante Lourinha, depois desse “Baile dos
Artistas“ definitivo, desapareceu da costa sergipana. Deixou saudades.
Amaral Cavalcnte.
Foto e texto reproduzidos de postagem de Amaral Cavalcante,
na página do Facebook/MTéSERGIPE.
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