Ao companheiro de lutas políticas em uma época de chumbo e
de incertezas, Marcelo Deda:
Poderia, nesse momento, escolher uma prece, uma mensagem
filosófica, mas as palavras poéticas, muitas vezes, quando rabiscadas por mãos
que moldam o talento, possuem o dom da transcendência e de uma suspeita do
devir dialético. É um momento difícil, companheiro, a encruzilhada da incerteza
se aproxima, sem que você imagine o que vai acontecer ou que caminho vai
trilhar. Com a sua inteligência é bem possível que não acredite em ideias ingênuas,
como, por exemplo, o Paraíso ou outros conceitos similares, mas, possivelmente,
você tem a intuição que vai caminhar. Para onde? Bem, isso você vai descobrir e
que bom que seja assim, não é? A descoberta, a novidade e a procura sempre
foram motivações permanentes para você e agora não vai ser diferente.
Nesse momento, não posso ser hipócrita, nem oportunista,
companheiro e você sabe disso. Tenho grandes e boas recordações das nossas
lutas, no período do movimento estudantil, na época em que era um garoto
adentrando à Faculdade de Direito e eu me preparando para sair. No entanto,
nesse breve momento, lembro- me da sua ajuda aguerrida, da sua coragem e dos
seus sonhos. Entretanto, algo me preocupava, um atributo que emergia
disfarçado, porém, esse algo era uma coisa chamada vaidade. E triste, dizia em
diálogo interno: "Essa vaidade pode torná-lo refém de oportunistas, de
políticos descarados que poderiam acariciar o seu ego e com isso, obstruir sua
inteligência e sepultar seus sonhos".
No entanto, nada disso importa, nesse momento. Penso que a
morte é um radical retorno às situações preconstituidas, onde a consciência
retorna para uma avaliação com a finalidade de escrever um novo futuro. Como
não acredito na reencarnação, acho que o retorno é a volta da consciência para
motivar uma nova caminhada que não sabemos o porquê e para que lugar. Não
importa, não é? Acho que nesse momento deve desconfiar que o importante é o
caminho e não a chegada.
Poderia lhe presentear com alguma poesia feita por
companheiros que faziam as palavras gritarem em busca de justiça, como é o caso
de Neruda. No entanto, segue em anexo uma poesia de uma pessoa que fez das
palavras, instrumentos da transcendência.
Boa viagem, companheiro
"A MORTE é a curva da estrada,
Morrer é só não ser visto.
Se escuto, eu te oiço a passada
Existir com eu existo.
A terra é feita de céu.
A mentira não tem ninho.
Nunca ninguém se perdeu.
Tudo é verdade e caminho."
(Fernando Pessoa).
Texto reproduzido do Facebook/Linha do Tempo/Ivan Bezerra Bezerra.
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