Discurso de posse de Antônio F. J. Saracura, na cadeira 10 da Academia Sergipana de Letras, em 31 de outubro de 2016.
1. Saudações:
Excelentíssimo presidente da Academia Sergipana de Letras,
José Anderson Nascimento, em nome de quem saúdo todos os demais membros aqui
presentes da histórica arcádia.
Excelentíssimo presidente da Academia de letras do amplo
sertão sergipano professor Vasko, em nome de quem saúdo todos os acadêmicos de
todas as academias dos municípios, de instituições, etc. aqui presentes,
Padre José Carvalho de Souza, o eterno reitor do Seminário,
educador de três gerações de minha família:eu, meus filhos e meus netos.
Minha mãe, Florita de Zé de Pepedo Saracura, 95 anos e dez
meses de muita sabedoria, ela sabe tudo e deveria ser o escritor da família
(hoje amanheceu sem condição de sair);
Meu irmão, José Silva de Jesus, Rita de Cássia, Fernandes, Zé Luiz,
Marinês, Neuza Maria, Adler, Maria Inês, em nome dos quais saúdo os membros de
meus povos Saracuras e Ferreiros aqui presentes ou torcendo por mimem algum
recantgo desse país imenso.
Meu presidente da Academia Itabaianense de Letras, Vladimir
Souza Carvalho, que proferiu o discurso de saudação: saudações serranas. A
Domingos Pascoal de Melo, meu guru, que
tenho na conta de um irmão. Queridas poetisas que declamaram ou declamarão
poemas aqui hoje, Dirce Nascimento, Jane
Guimarães e Martha Hora. Em nome de vocês eu saúdo a todos que tomam parte
ativa nesta cerimônia de posse, a começar por minha prima, neta do mitológico
Zé Antônio Ferreiro, Josevanda Mendonça, que aceitou ser a mestra de cerimônia.
Minha esposa Josefa Iracilda Pinheiro, meus filhos e meus
netos. Em nome deles saúdo todas as famílias presentes.
Demais pessoas que me deram a imensa honra de vir hoje aqui
à minha posse na Academia Sergipana de Letras, notadamente os que vieram de
Itabaiaiana: Fefi, Zé Carlos da
madeireira... E os que são daqui mesmo, dessa minha segunda pátria, Aracaju:
Alonso, Luduvice, ....
2. Introdução:
Sinto-me premiado em ter sido eleito para ocupar uma cadeira
na Academia Sergipana de Letras, histórica arcádia que acomoda os grandes
intelectuais de Sergipe desde 1929. É muito mais do que se tivesse ganho o Jabuti ou o Brasil Telecom,
galardões ambicionados pelos literatos da língua portuguesa. Trabalhei duro,
publiquei livros que foram lidos, mas o prêmio vai além, sinto assim.
Nas campanhas, foram três, tive de quebrar tabus, e “pedir”:
verbo que nunca soube conjugar adequadamente. Recuei ante plumagens eriçadas,
mas fui recompensado, com folga, pelas portas que se abriram e pelos corações
que me acolheram em festa. Finalmente, a vitória, que é boa demais! Todos os 40
acadêmicos da Sergipana, mesmo os que não puderam vir ao pleito, sinto que
votaram em mim, ou quiseram fazê-lo em algum momento. Ouso assim me apropriar
de um patrimônio que será útil na minha missão de trabalhar junto.
Eu não ganhei um prêmio apenas, mas dois. Além da eleição à
Academia Sergipana de Letras, ganhei a cadeira 10. Uma nobre cadeira. Como um
desígnio do destino. Sei que todas as cadeiras dessa arcádia são nobres. Seus
ocupantes, nesses quase cem anos, as fizeram assim. Mas nenhuma é como a
cadeira 10, para mim, ela me coube, e é uma cadeira de pura poesia. Todos os
ocupantes anteriores foram poetas, desde o patrono: Elziário Prudêncio da Lapa
Pinto; também o primeiro ocupante e fundador: Artur Gentil Fortes (o poeta da
rosa vermelha); e o segundo ocupante: Severino Pessoa Uchoa; e, por fim, Hunald
Fontes de Alencar, meu antecessor.
E eu?
Sinto-me poeta também. A poesia ronda, como um enxame de
abelhas, a minha cabeça desde menino, quando meu avô Totonho Bernardino, no
Sítio dos Ferreiros, nas Flechas de Itabaiana, recitava cordéis para uma roda
de matutinhos encantados. Ronda, ronda e nunca se desgarrou de mim. A prosa que
escrevo tem o tom das cantigas de amor e de dor. Acho isso!
Cadeira de pura poesia! Vou levá-los, em rápida viagem, aos
velhos livros da Biblioteca da Academia Sergipana de Letras, e aos Sítios da
Web, em especial, ao do professor Antônio Miranda, a quem presto uma homenagem
pelo zelo com que trata a poesia sergipana e a brasileira[i]; e ao Jornal da
Poesia, o mais visitado site da língua portuguesa na internet, mantido por um
semideus, o cearense Francisco José Soares Feitosa.[ii]
3. O patrono da cadeira: Elziário
Prudêncio da Lapa Pinto
Inicialmente, conheceremos um pouco do patrono da cadeira
10, Elziário Prudêncio da Lapa Pinto.
Por ocasião da visita de Dom Pedro II a Aracaju, no dia 13
de janeiro de 1860, Elziário dirigiu alocução ao imperador e à imperatriz, em
nome dos habitantes da Barra dos Coqueiros.
Atuou como voluntário na Guerra do Paraguai, sem se envolver
diretamente no conflito. Formou-se pela Faculdade de Medicina do Peru,
estabeleceu-se no Rio de Janeiro e dedicou-se ao estudo da medicina
homeopática.
Perfeito artista do verso, imaginoso e fluente, nutriu, com
Gonçalves Dias, a ideia de nacionalizar a poesia, dando-lhe uma feição
brasileira.
Contemporâneo de Tobias Barreto, Machado de Assis, Carlos
Gomes, Afonso Celso e Castro Alves, além de Gonçalves Dias, sofreu influência
desses monstros todos.
O Festim de Baltazar, composição de notável valimento,
gênero épico-lírico, é seu poema mais conhecido. Mereceu louvores de Alexandre
Herculano. Sílvio Romero o considerou um dos mais belos da língua
portuguesa.[iii][iv].
“O Festim de Baltasar (Elziário Lapa Pinto).
“Rompe a orquestra — e as concubinas,
Com os seios nus, palpitantes,
Entoam febris descantes,
Lasciva, ideal canção;
E em volta ao seu trono de ouro
Nabonid, rei poderoso,
Sente a alma a nadar no gozo,
Em que se afoga a razão.”
4. Arthur Fortes, primeiro ocupante da cadeira
Arthur Fortes, o fundador da cadeira e o primeiro ocupante,
era muito mais poeta em pessoa do que na obra escrita, avalia Jackson da Silva
Lima, o grande cientista da cultura sergipana.[v] Ele foi poeta na cátedra, no
batente do jornal, na tribuna parlamentar. Iluminou durante 29 anos a inteligência
sergipana:[vi] “Misto de cavaleiro medieval e cidadão da Revolução Francesa,
era escrupuloso no cumprimento dos deveres, mas risonho e folgazão na
intimidade; fascinante das reuniões literárias onde expandia o fulgor jovial do
seu espírito gaulês.”, diz seu sucessor, Severino Uchoa, na introdução do
livro: Esparsos e Inéditos.
Ocupou cargos burocráticos até se tornar vitalício na
cadeira de História Geral e do Brasil no Atheneu Sergipense. Murilo Melins foi
seu aluno; contou-me que nas aulas sobre as três guerras púnicas, cada
aluno foi arrebatado pela eloquência do
mestre e participou dos combates, alguns como soldados romados outros como
guerreiros fenícios. Muitos tombaram, outros desfilaram em bigas pelas ruas de
Roma, comemorando as vitórias. Na política, Arthur foi deputado estadual por
duas legislaturas e líder do partido majoritário.
Freire Ribeiro, de similar estilo declamatório-arrebatador
(eu o ouvi, enlevado, algumas vezes, em minha juventude), diz, movido pela
saudade e pela admiração, referindo-se ao poeta da rosa vermelha: “Eu sentia a
irradiação Auro real da sua inteligência criadora e fecunda, quando passava rua
afora semeando alegria. Meus olhos o acompanhavam como quem segue, na solidão
noturna do céu, o roteiro de um astro ou o fulgir de uma estrela que se
tresmalha radiosa e diáfana no redil das alturas.”
Saboreiem a primeira estrofe do soneto (declamação da
poetisa Martha Hora):
“Noite de Estio (Arthur Fortes)
Há pelo espaço imenso uma alma sonhadora,
De um artista genial, de um noturno pintor,
Que o seu painel debuxa assim como se fora
Em pleno mês de maio uma campina em flor!
E sobre a rosa vermelha que o poeta Arthur sempre trazia na
lapela como um enigma a incitar malícias?
(Eu conto lá no livrinho, em um soneto de seu sucessor na
cadeira, Severino Uchoa).
5. Severino Pessoa Uchoa, o segundo ocupante da Cadeira 10
“Esse ovo de codorna
Comi dezoito em jejum.
Depois fui fazer a prova
Não fez efeito nenhum.”
João Oliva, um dia, em sua casa, recitou essa quadra malvada
e picante. E sorriu-me com certo pejo. Eu a repeti, depois, algumas vezes, em
“O Escritor na Livraria”, para incitar os puros, injetando duas estrofes de
malícia, transformando em sextilha a trova original atribuída a Severino.
Esse ovo é uma ova
Foi propaganda enganosa
Não faz efeito nenhum
Severino Uchoa foi professor e poeta, pertenceu também à Academia Paraibana de
Letras, à Academia Santista de Letras, à Academia Brasileira de Trovas, à
Associação Sergipana de Imprensa. Exerceu o magistério, sua maior missão:
ensinou nas faculdades de Direito e de Filosofia, no Instituto de Educação Rui
Barbosa. Foi ainda advogado, jornalista e brilhante tribuno.
Publicou várias obras.
Por “Cantigas do Coração (trovas)” recebeu elogio do Brasil
literário inteiro. Luiz Otávio, considerado, ainda hoje, o Rei das Trovas,
disse que “as trovas de Severino são mensagens de encantamento e ternura”:
A principal obra de Severino Uchoa, “Brasil de Chapéu de
Couro”, (de 1964), adota o estilo sertanejo de Zé da Luz e Catulo da Paixão
Cearense[vii]. O folclorista potiguar Luiz da Câmara Cascudo escreveu o
prefácio e desmanchou-se em louvores ao vate sergipano:
“Vocabulário claro, dúctil, coleante, preciso. Melodia dos
ritmos antigos que dão a taquicardia da emoção, sacudindo os nervos, empurrando
o sonho para a fronteira do entusiasmo; técnica veterada e fiel aos modelos
clássicos do verso do sertão de vaquejada, aboio e aparições.
A poetisa Jane Guimarães fez justiça a Severino na
declamação do poema, ouçam a primeira estrofe, apenas guardar melhor.
“Negra Barbina (Severino Uchoa)
Negra Barbina que está na cozinha
Fumando cachimbo ao pé do fogão,
Negra biruta que canta modinha,
Que incha as bochechas soprando o tição,
Negra que adora xangô e batuca
De noite, depois que acaba o trabalho,
Pedindo que Ogum proteja o Manduca,
Carreiro do antigo engenho Pau D’Alho.
6. De
volta ao presente
Não foi fácil entrar na Academia. Repito. Enfrentei três
duras guerras. Não as Púnicas de Arthur Fontes e do centurião Murillo Melins,
mas Cartago me parecia, a cada vez, mais inexpugnável.
7. Disputa pela
cadeira 13, de Gizelda Morais, a primeira guerra.
Corri atender o telefone, que tocava na sala, e ninguém aqui de casa demonstrava qualquer interesse em
fazê-lo. Não reconheci a voz de
imediato. Pouco havíamos conversado na vida. Rápidos cumprimentos. Eu o
conhecia mais pelos artigos que publicava nos jornais, que me encantavam e me
inspiravam. Recendiam a perfume de terra e céu.
(...)
Por que um imortal me telefonava?
Perguntei-me, mudo, segurando o telefone ao ouvido; eu de
boca aberta, ele identificando-se, desculpando-se pela ligação e, por fim, falou imperativo:
— Acorda! Chegou sua vez de entrar na Academia Sergipana de
Letras. Há uma vaga aberta.
— Mas...? – Gaguejei.
Ele cortou meu gaguejo:
— Não se comporte como outros, que recusam aquilo a que têm
direito. A cadeira será ocupada de qualquer jeito. Muitos também merecem. Seja
o nosso candidato nessa eleição!
Fiquei remoendo grilos.
E percebi que os grilos eram apenas desculpas para voltar a
dormir. E isso não tinha mais sentido, o dia já estava adiantado e o sol
esquentava minha sala. Acordei-me de vez.
(...)
Obrigado, José Lima Santana, Vladimir Souza Carvalho,
Murillo Melins, Domingos Pascoal, e mais alguns outros, por me terem acordado,
naquela singular manhã. [viii]
xxx
Gizelda Morais me disse
No silêncio de um poema
Que eu podia vir, sem medo,
Mas vigiasse o sistema.
Nunca soube jogar bem
Sempre fui perna de pau
A cadeira de Gizelda
Escapou-me, ao final.
Meus romances reclamaram
Minha poesia também...
Mas depois comemoraram.
Ganhou um homem de bem.
8. Disputa pela cadeira 36, de Acrísio Torres Araújo, segunda guerra.
Eu era o redator-chefe do jornal A Cruzada, idos em 1966, e
estava fechando uma edição conflituosa. Acrísio apareceu à minha frente e,
vendo-me assoberbado, estendeu-me a mão. Com um sorriso dócil disse que
voltaria depois, queria conversar comigo sobre jornalismo. Entendeu que eu não
poderia ser interrompido naquele momento. Fiquei-lhe devendo obrigação por
isso. No dia seguinte, ou em outro qualquer, depois que a edição do jornal foi
para a rua, ele apareceu. Apertei sua mão como a de um amigo de velha data.
Fizemos camaradagem e passamos a andar juntos pela cidade,
entrevistamos pessoas, documentamos situações, debatemos temas polêmicos...
Tomamos cerveja quebrando caranguejo nos quiosques da Atalaia. Aprendi com ele
a ciência das patinhas do caranguejo. Não mais importava se havia carne
entranhada ou apenas felpas. O sabor, o prazer estava agora no ritual: o
martelinho de madeira batendo cadenciado; a patinha reagindo, querendo escapar.
Os sentidos imersos naquela cerimônia. O mundo inteiro apagava-se. Não mais uma
mesa de bar, não mais manchetes ofensivas ou tipos empastelados, mas um altar
de consagração.
Acrísio Torres envolveu-se com os velhos livros da Epiphânio
Dória, com os arquivos empoeirados do Instituto Histórico e Geográfico de
Sergipe e do Acervo Público, de onde saiu sua obra literária, a começar com a
História de Sergipe, um opúsculo para subsidiar seus alunos. Ganhou fôlego. O
livro preencheu um vazio, transformou-se em sucesso de vendas. E foi seguido por
outros, geografia, literatura... Sergipe ficou pequeno e Acrísio foi ser
professor na Universidade de Brasília.
O problema todo é:
Ao vagar uma cadeira
Muita gente boa a quer
Nem liga que você queira
Você briga pelo voto
Os outros brigam também
Até seu santo devoto
Ouve a reza de outrem.
A esperança e a incerteza
Dominou-me em toda luta
Contados os votos na mesa
Perdi de novo a disputa
Mas eu senti alegria,
A mesma do vencedor,
Pois entrou na Academia
Mais um homem de valor.
9. Disputa
pela Cadeira 10, de Hunald Fontes de Alencar, e a vitória.
Três imortais enterrados..
Como morrem os imortais!
Querer ser um, é arriscado.
Acho que não quero mais!
Todos, dentro de um ano...
Talvez nem chegou a isso...
É um nada, o ser humano!
E essa guerra é um desperdício!
Hunald era um homem forte
No ápice de uma rica história
À noite chegou-lhe a morte
Só nos restou a
memória.
Eu sempre andei no encalço de Hunald, atraído por sua
poesia. Desde o meu tempo de A Cruzada, 1965, por aí. Ele publicava, àquela
época, na imprensa local, já, lindos poemas. E era autor de livro consagrado.
Quando retornei a Sergipe, em 1982, após uma eternidade em
São Paulo, Brasília e resto do mundo,
passei a acompanhar a obra de Hunald mais amiúde. Antes de publicar meu
primeiro livro, Os Tabaréus do Sítio Saracura, encontrei-o em algum evento e
pedi uma dica: “eu faço poucos exemplares, sempre me acerto com a Nossa
Gráfica, na rua Santa Luzia”.
Em 2015 eu publiquei Os Ferreiros, e o Romance de Antoninho
Ferreiro, um poema de Hunald, do livro Ária Suspensa, recebeu meu livro
solenemente. As redes sociais, pela mão de Roseneide Santana, das Rodas de
Leitura da Ephifânio Dórea (obrigado pela presença aqui), ligaram as duas
forjas e fizeram os foles feitos de couro de boi caatingueiro soprarem brasas
que viraram fagulhas, limalhas e fráguas.
“O Romance de Antoninho Ferreiro (de Hunald de Alencar,
para Aglaé D’Avila
Fontes),
As duas primeiras estrofes para despertar interesse:
Antoninho trazia nas mãos
Estrelas de calo e frágua:
Agudos galos metálicos
Carpiam negras auroras.
Nas madrugadas, cavalos
Com ferraduras na alma:
Guizos de crinas de lágrimas.
Dos seus olhos faiscavam
As limalhas mais amargas.
Mas, Antoninho, que querias
Do ferro bruto que eras?
Não te bastava o casebre,
Cisterna de água e cobre?
Antoninho e a forja
Pela noite se inflamavam.
(...)
Uma beleza! Excede em todas as dimensões! São palavras
cheias de força e mistério, só os abençoados conseguem desfrutar todo o néctar,
que contêm. Só deuses dizem-nas pela primeira vez.
Hunald de Alencar descende de deuses mesmo: de José de
Alencar, ancestral próximo, que encheu
nossa juventude de momentos lindos com os espetaculares romances que jamais
morrerão. O Guarani, O Sertanejo, Iracema, a virgem dos lábios de mel... e
outras irresistíveis tentações literárias.
João Oliva escreve, no livro Mural de Impressões, página
124, que o nosso poeta vem da excelente cepa alencariana do Ceará, ratificando
o que afirmei, baseado em mais fontes, indubitáveis[ix].
Clodoaldo de Alencar, o pai de Hunald, chegou a Sergipe, com
Graccho Cardoso, nos idos de 1922. Foi membro da Academia Sergipana de Letras
(alçado em 1957) e é autor de uma obra de raro brilho: Archotes (poemas, 1933),
Orós (poemas, em 1961, que assisti o lançamento na Livraria Regina, (eu: um
seminarista, gazeteiro pela sede de
cultura jamais pela vã vadiação), e muitas outras. Criou filhos que são, todos,
ilustres sergipanos. A mãe de Hunald pertence aos troncos de Jessé de Andrade
Fontes, do Arauá, que fez história na Estância. Médico dedicado, derrotou a
gripe espanhola, na sua região, em 1918, e deu assistência aos náufragos,
vítimas dos torpedeamentos de nossos navios, na costa sergipana, em 1942.[x]
Salvou vidas a vida toda.
Hunald foi bacharel em direito e licenciado em letras.
Sempre mais poeta e dramaturgo. Um profundo conhecedor da linguagem e da arte.
Misto de Virgílio e Shakespeare. Senhor
de todas as teorias literárias. Publicou muitos livros, desde jovem:.
Tempo de Leste (1963), o primeiro, contrariando Mário de
Andrade, que dizia: ninguém com menos de 25 anos deve publicar livros de
poesia. Hunald tinha 21.
Oito Poemas Densos (1964, em parceria com Alberto Carvalho,
Santo Souza e outros);
Verde Silêncio da Semente (1967)
Poemas de Kandior (1970),
Uma vez em Olduvaí (1973),
Elogio dos Peixes Ágeis (1983)
Três peças de Teatro (1987),
Morte no Estuário (1995).
Sílex Gunflint (?)
Ária Suspensa (2003), onde está montada a forja de
Antoninho.
Vassalagem das Pedras (2005),
Duo (2011)
Quatro Monólogos Trágicos (2014), o último de uma pródiga
bibliografia, é o único que não está esgotado. Na semana que anteceu à sua
morte, comprei três exemplares ao autor, fui buscar na sua residência em um
humilde condomínio no bairro Atalaia, para dar presentes à amigos que já
possuíam os livros de minha autoria. Ele estava sentado, ao portão, muito
ansioso. É que me atrasei. Perguntei-lhe por Ária Suspensa. Êle riu e disse que
não tinha um exemplar sequer.
Por que sempre estão esgotadas as obras dos escritores
sergipanos?
Hunald escreveu poemas, peças teatro. Foi diretor de
ator. Algumas de suas peças são
encenadas, com sucesso, pelo Brasil. Participou de antologias, foi premiado em
concursos literários. É autor de letras para músicas.
Cabral Machado escreve que Hunald usava: “uma linguagem despojada e sóbria. O verso,
quase sempre livre e leve, exprime mais
uma obsessão de nitidez do que de encantação verbal, é rico de surpresas,
inclusive pelas flutuações rítmicas...”.[xi]
Jorge Amado, ao ler “Tempo de Leste”, comoveu-se e, na
Academia Brasileira de Letras, vaticinou o surgimento de um poeta “dono de real
vocação, nascido para a poesia e para ser seu arauto”.[xii]
Com Hunald sempre esteve a “palavra esculpida, a beleza
lírica das íntimas verdades, a tênue cor das tristezas vívidas, a brisa
noturnal das amenas recordações”, garante Antônio Garcia Filho, em Um
Pensamento na Praça, livro recentemente reeditado pela Associação Sergipana de
Imprensa.[xiii]
Uma Canção em Oduvaí (poema de Hunald de Alencar):
Para despertar ao vasto mundo hunaldiano, uma estrofe
apenas:
“Uma vez em Olduvaí, sem que eu soubesse
Misturado nas amoras coletadas
Bebi o sangue da manhã, do primeiro(proto)-amanhã”.[xiv]
Xxx
Ele diz coisas que alguém
Jamais consegue dizer
As palavras dele têm
Um misterioso poder.
Me conte aí, Hunaldinho!
Por onde eu devo seguir
Qual é o melhor caminho
À garganta Olduvaí?
Quero ver minhas sementes
Plantadas por Deus ali
Sou elefante e sou gente,
Sou guerreiro desgarrado
Da aldeia Massaí.[xv]
Xxx
Hunald de Alencar faleceu na madrugada de 21 de maio, um
enfarto fulminante. João Oliva, velho amigo desde a redação dos jornais de
minha juventude, ligou-me, logo na manhãzinha do sábado, triste.
Fui ao velório, encontrei-me com os três irmãos de Hunald,
mais idosos, bem vivos. Cumprimentei Luiz Carlos, que eu conhecia pela obra e
de rápidos telefonemas anteriores garimpando votos. Chegara de Brasília, onde
morava numa superquadra tranquila. Perguntou se eu já havia sido eleito. Sorriu
quando lhe disse que não. “Não perca mais”, ordenou sério.
Não fui ao enterro de Hunald, viajei a Propriá, participei
de uma solenidade da Academia de Letras local, acompanhando Domingos Pascoal de
Melo (o Semeador de Academias, como Hunald costumava chamá-lo). O tempo todo,
estive silencioso, rezando pelo poeta, que fosse acolhido com honras no Céu.
Uma reza desnecessária certamente. Já estava lá, desde a noite, a hora da sua
morte. Amém! [xvi]
A jornalista Gilmara Costa, da equipe do Jornal da Cidade
(Gilmara está aqui?), em matéria publicada três dias depois da morte de Hunald,
disse, pranteada, que o poeta e dramaturgo, nos últimos tempos, se mantivera
triste ante a falta de reconhecimento de Sergipe ao seu trabalho. Mas, com sua
peça ‘Musical Billie Holiday – A Canção’, a alegria renasceu. Na noite de
estreia, no teatro Lourival Batista, no dia 18 de maio, ele disse, escreve
Gilmara Costa: “Já posso morrer feliz, estou supercontente com o resultado da
encenação, com o público”.
E a jornalista prossegue: “Hunald, um dos nossos maiores
poetas, é hoje um homem a menos nesta feira-doida que é a vida. O coração, que
tanto o impulsionou à criação e lhe deu cordas pelos caminhos crespos da
generosidade, resolveu dormir pra sempre na madrugada deste sábado.”
Jozailto Lima, também poeta de similar jaez, lamentou nas
redes sociais, ao mundo estupefato, seguindo os passos de WilliamYeates:
“Terra! Acolhe um hóspede famoso:
Hunald de Alencar, e dá-lhe repouso.
Fique a taça de Sergipe vazia
Do que continha de poesia”.
Xxx
E eu, timidamente, choro também, em trôpegos versos:
O poeta, cheio de
dor,
Rasgou as vestes, sangrou...
Mas a taça da poesia
Jamais ficará vazia.
Há um altar consagrado
Em cada coração
Para aternamente celebrar
A poesia de Hunald de Alencar
E toda poesia que brotar
Nesse fértil torrão.
10. Uma
pequena biografia do Saracura para ajudar meu sucessor
Direi algo sobre mim também. Rapidamente. Vladimir Souza
Carvalho ...Obrigado, mestre das letras serranas! Belas palavras podem
consagrar um homem. Ou matá-lo de emoção.
Sempre fui ligado a livros, desde menino, com os cordéis de
meu avô materno: Antônio Francisco de Oliveira, Totonho Bernardino. No
seminário, onde estudei o ginásio, editei jornais murais e mimeografados e fiz
parte da Arcádia Literária São Tomás de Aquino (cadeira 37, se não me falha a
memória). Aqui estão presentes o reitor
do seminário monsenhor José Carvalho de Souza, para quem peço uma salva de palmas,
e os escritores José Bezerra eLuduvice José, seminaristas comigo nos antigos
tempos, que não me deixam mentir.
Li, incansável, à vida toda. Esvaziei estantes de
bibliotecas.
Enchi cadernetas com
nomes de livros lidos, para não correr o risco de começar a ler o mesmo livro
outra vez. E escrevi, sempre, diários de bordo, em livros pretos, de capa dura,
até quando conheci o eficaz Word. Tenho assim, guardados em casa, um volume
considerável de anotações inúteis e também boas fontes de onde saíram parte dos
livros até agora publicados.
Pertenço à Associação Sergipana de Imprensa, desde 1965
(minha matrícula é a 84), ao Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe, e à
Academia Itabaianense de letras, da qual sou vice-presidente. Agora, sou também
da Academia Sergipana de Letras.
Essas são minhas igrejas, e mais a católica do bairro, aonde
pouco tenho ido, e as livrarias do shoppings da cidade, onde sempre fico.
Os livros que escrevo falam de meus povos (Saracuras e
Ferreiros, do povo de Sergipe inteiro), de sua epopeia, para que sejam conhecidos
e admirados pelo mundo afora.
11. Conclusão
Saracura na Academia Sergipana de Letras!
Hoje, 31 de outubro de 2016, neste momento especial, tomo
posse (cadeira 10, cheia de pura poesia) e terei a honra de me sentar ao lado
de ilustres sergipanos, de invejáveis conterrâneos, como Vladimir Souza
Carvalho (cadeira número 25, com quem convivo desde a juventude na biblioteca
do padre e nas retretas da praça da matriz de Itabaiana) e Patrícia Verônica
Nunes Carvalho Sobral de Souza (cadeira número 32, que se criou ouvindo meu
primo Genário das Flechas recitar poemas na rua onde moravam, um canário cantador).
Pode não ser nada a muitos, mas, para mim, é uma honra estar
na Academia Sergipana de Letras. Não, particularmente, por mim, mas:
Por Itabaiana! pela Terra Vermelha, Pé do Veado, Flechas,
Bastião, Matapoã... todos os povoados rudes que me fizeram o homem que hoje
sou!
Pelos Saracuras e Ferreiros, povos bárbaros, aos quais,
digo, com vanglória: eu pertenço pela
graça de Deus.
Por Zé de Pepedo Saracura, meu pai, que me ensinou a
trabalhar como um bicho na busca aos objetivos.
Por minha mãe, Florita, ela me banhou no amor aos clãs
sagrados, acima de tudo, tirante somente Deus.
Por Totonho Bernardino, meu avô; ele colocou cadência nos
meus versos e vida na minha prosa.
Por minha esposa, Iracilda, meus três filhos, Candire, Raoni
e Mohara, e meus três netos, Augusto, Catarina e Artur, que me deixaram correr
atrás de quimeras, e, algumas vezes, correram junto, solidários.
Pelos amigos que votaram em mim e os que conquistaram outros
votos, acharam que eu fazia jus à honra de estar ao lado deles.
Por tanta gente que ficou ao meu lado, às vezes em silêncio,
nesses setenta e um anos, que tenho hoje, de luta sem trégua na busca da
excelência evasiva.
(O Congresso nacional reduziu as palavras “por” e “pelos” a
um nível ridículo; precisamos corrigir, o quanto antes, essa injustiça).
Por isso tudo, vale muito pertencer à Academia Sergipana de
Letras. Sem esse tudo, eu folgaria em estar nas livrarias da cidade papeando
literatura, ou nas bienais de São Paulo, Maceió ou de Itabaiana, catequizando
compradores relutantes, que é o trabalho justo a um escritor que quer ser lido.
E nos eventuais descansos, que ninguém é de ferro, me bastaria uma rede de
algodão, nem haveria necessidade do conforto da cadeira de uma academia.
Dou graças a Deus por tanta ventura, além da conta.
Agradeço a todos vocês que vieram me prestigiar.
E aos que têm me prestigiado pela vida toda., que não são
poucos. Ganhei até, de Luduvice José (obrigado por ter vindo), seminarista do
meu tempo, jornalista e poeta, um poema que me tocou, e corre o mundo ao vento
pelas redes sociais. Também do poeta João Lover, revisor e primeiro leitor de
meus últimos livros, ganhei um soneto, intitulado Saracura, no qual sou poeta
também.
Para representar a todos esses amigos diletos e solidários,
invocarei José Bezerra Lima Irmão, autor de Lampião a Raposa das Caatingas, um
sucesso nacional, também colega de seminário no tempo de menino; ele disse
palavras bonitas nas redes sociais; peço licença para as repetir:
“Mil vezes parabéns, Saracura!
Não foi em vão que o incansável Zé de Pepedo lhe ensinou a
trabalhar como um bicho na perseguição aos seus objetivos, pois a genialidade
não cai dos céus.
Também não foi em vão que dona Florita lhe inculcou na
consciência o culto aos valores dos bravos ceboleiros e plantadores de mandioca
das Flechas, da Terra Vermelha e da Matapoã.
Totonho Bernardino, que não interrompeu seu trabalho nem
mesmo quando Lampião passou beirando o terreiro de sua tenda, com certeza neste
19 de setembro (dia da eleição) ele susteve o malho no ar, para ouvir, sem
erro, a formidável notícia trazida pelos ventos que sobrevoam a serra: seu neto
Tonho foi eleito para a Casa de Tobias Barreto!
Feita uma pausa breve, seu Totonho Bernardino fez descer com
força o malho na bigorna, já pensando no futuro, porque, como bom leitor de
cordel, sabe que essa história não acaba aqui: se ele bem conhece o seu neto,
essa conquista não é uma meta de chegada, e sim um ponto de partida.”
Lamento o discurso longo, não tive competência para fazê-lo
mais curto com tanta coisa a falar.
Havia muito mais a dizer, um pouco mais está no livrinho,
leiam com carinho.
Me perdoem as claudicadas, pois sempre fui meio atrapalhado.
Obrigado pela tolerância...
(tenho dito)
[ii] SOARES FEITOSA, Francisco José, 19.01.1944, Ipu, CE.
Infância em Monsenhor Tabosa, CE. Ingressou no jornalismo, ainda menor de
idade, repórter no jornal Gazeta de Notícias. Aos 20 anos, concurso ao Banco do
Brasil e Fiscal do Consumo, atual auditor da Receita Federal, de que se aposentou
depois de 35 anos de serviço. Trabalhou no Recife e em Salvador. Até os 50
anos, não se envolveu com Literatura, nada tendo escrito até então. Publicou um
único livro, Psi, a Penúltima, em 1997, esgotado, com ampla repercussão à
crítica especializada. Mantém na Internet o Jornal de Poesia, imenso,
inesgotável, autêntica Biblioteca de Alexandria, milhares de poetas e, segundo
o Google, o mais visitado endereço de poesia de língua portuguesa em toda a
rede mundial de computadores. http://www.jornaldepoesia.jor.br/
[iii] Também contem informações do livro: Orações
Acadêmicas, de Severino Uchoa e Carvalho Netto.
[iv] Dicionário Biográfico dos Médicos Sergipanos (Antônio
Samarone e outros) e
[v] Introdução (O poeta Artur Fortes) na edição Esparsos e
Inéditos
[vi] Em Orações Acadêmicas, de Severino Uchoa e Carvalho
Neto, texto de Severino Uchoa.
[vii] Veja no blogdomimica.blogspot.com.br
[viii] Trechos do artigo publicado no Jornal do Dia em
03/03/2016 (O acadêmico que me acordou).
[ix] Veja o blog: http://bainosilustres.blogspot.com.br/2015/05/67-familia-alencar_29.html
[x] Dicionário Biográfico de
Mediso de Sergipe (Antônio Samarone e outros) e Um Pensamento na Praça,
de Antônio Garcia Filho.
[xi] Aproximações Críticas, Cabral Machado, página 18 (Dois Poetas).
[xii] Citação consta`nte na página 139 do livro Um
Pensamento na Praça,2. Edição.
[xiii] Página 142 do livro Um Pensamento na Praça (de
Antônio Garcia Filho)
[xiv] Do livro, Uma canção em Onduvaí (1973) de Hunald de
Alencar.
[xv] Referência ao povo nômade que habita essa região da
Tanzânia e que, como os elefantes, nas grandes secas, mastiga a planta Oduvaí
para saciar a sede.
[xvi] Trechos do artigo publicado no jornal do Dia em
31/05/2016 (Hunald de Alencar, Ária Suspensa, Ágeis momentos!).
Texto e imagens reproduzidos do blog: antoniosaracurasobrelivroslidos.blogspot
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