Foto reproduzida do site [onordeste.com] e postada
pelo blog
“Isto é SERGIPE”, para ilustrar o presente artigo.
Texto publicado originalmente no site do Jornal da Cidade, em 27/11/2017
Um cantinho, um violão. Sergipe e João
Por Luiz Eduardo Oliva *
Essa semana o mundo da música ficou sabendo, sobretudo para
os aficionados da Bossa Nova esse momento maior da música brasileira com
projeção em todo o mundo, da interdição de um dos maiores, se não o maior
artista vivo brasileiro, João Gilberto, por sua filha Bebel Gilberto. Há muito
João vive recluso em seu apartamento no Leblon, isolado, não fala praticamente
com ninguém e tem uma vida monástica e com horários tipicamente dele. João é
inegavelmente um cara esquisito, desses gênios que transformam o mundo, mas
cria o seu próprio mundo.
Rui Castro, articulista da Folha de São Paulo e um dos
maiores pesquisadores da nossa música, sobretudo a bossa nova – inclusive é
biógrafo de João Gilberto - em artigo na
própria Folha usando um trocadilho com aquilo que em João é a própria perfeição
– sua afinadíssima voz e ritmo – sob o título “A vida desafina” faça um pouco
do drama do gênio que já não pode mais dispor de moto próprio das suas próprias
atitudes e recebeu o socorro da filha Bebel, interditando-o.
Aqui em Sergipe, a segunda terra desse baiano de Juazeiro,
parece que ninguém diz nada sequer comenta como se João Gilberto fosse uma
coisa distante da gente.
Mas é em Sergipe certamente que uma parte fundamental da
formação do artista vai se dar, contado por ele próprio, É que o baiano do
Juazeiro, quando menino, veio ser estudante interno do colégio Jackson de
Figueiredo. E, naturalmente, a musicalidade que havia em Sergipe, no início dos
anos 50, tocou fundo naquele que iria criar o mais expressivo movimento musical
brasileiro com repercussões internacionais: a bossa nova.
Não se trata de bravata bairrista de sergipano, não. É a
mais pura verdade, dita pelo próprio artista, transformador da nossa música, um
monstro sagrado, reverenciado em todo o Brasil e alhures. Isso ocorreu no
último show que João fez em Sergipe no EMES (fez dois, um no auge da Bossa Nova
nos anos 60 no Teatro do Atueneu), onde fez revelações que demonstram sua
formação musical inicial a partir artistas genuinamente sergipanos onde alguns
naquele show compareceram (hoje todos já são falecidos)
João fez questão de levar todos os velhos amigos, do tempo
em que, menino, estudante interno do Jackson de Figueiredo, morou em Aracaju.
Recordou com intimidade dos velhos mestres Judite e Benedito. Falou dos
municípios sergipanos com a naturalidade de conterrâneo, ao se referir aos
amigos e suas origens. Lembrou o doce que vinha de Capela, o amigo de São
Cristóvão, e mostrou intimidade com as ruas de Aracaju.
Acredite ou não leitor, mas João pediu desculpas pelos
problemas de microfonia do som. E justificou: “-não se preocupem, este som não
é sergipano, veio da Bahia, vocês não tem culpa”. Ao dedilhar “Aos pés da Cruz” de Marino Pinto e Zé da Zilda, interrompeu o
violão. E disse que era assim que Dona Judite fazia, quando desligava o rádio
interrompendo a música para as aulas de boas maneiras. No que o nosso João
confirmou: “-até hoje, posso estar em Tókio ou em Nova York, e se me faço
acompanhar de uma mulher, fico ao lado da rua, na calçada para protegê-la, como
convém a um cavalheiro. Lições da Professora Judite que nunca me esqueci”.
Mas se estes detalhes são meras recordações da
pré-adolescência, em dado momento ele pede a Carnera e Bisextinno (naquela ocasião
presentes na platéia) que se levantem. E diz: “-eis aí meus mestres, com
Carnera aprendi os mistérios do violão e com Bisextino o rítimo, o suwing”.
Revelou então que fugia do colégio
Jackson para, passando pela
Laranjeiras, subir a São Cristóvão. Lá
havia um pagode, onde ele deliciava-se com os azes da música sergipana do
início dos anos 50. E discorreu nomes
daquela época: “-foi ali, que tomei gosto pela música, que despertei para
aquilo que viria a ser o meu próprio futuro”.
João, leia-se, o Gilberto, do banquinho e um violão, nuca escondeu seu
amor por Sergipe. Ele, a referência maior
da bossa nova, fez questão de reverenciar nossos músicos. Mas nós,
sergipanos, não damos nenhuma importância a isso. Não há sequer um olhar para o
passado. Há ainda uma ausência de um sentimento de sergipanidade que possa
perceber o valor da cultura sergipana. Se não temos grandes nomes que desfilem
no que há de melhor da música inteligente brasileira algo da sergipanidade
aconteceu por descendentes seus ou por pessoas que aqui aprenderam o ofício da
música, como foi João Gilberto. Diogo Nogueira é neto de sergipano (revelado
pelo falecido pai, João Nogueira). Dolores Durant era filha de uma itabaianense
e pouca gente sabe disso. Para se ter uma ideia de quem ela foi, Frank Sinatra
gravou uma música dela com Tom Jobim.
Para mais uma vez se referir a Rui Castro, se a vida
desafina para João, lembrar sua relação com Sergipe é afinar o violão da nossa
própria identidade. Uma sergipanidade que de fato existe. Precisa, entretanto
ser acentuada.
* advogado, poeta e professor
Texto reproduzido do site: jornaldacidade.net
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