A situação do sertanejo levou Overland a estudar o clima.
Centro de Monitoramento completamente automatizado.
Fotos: Vieira
Neto
Publicado originalmente no site do Cinform, em 07 de agosto de 2018
Overland Amaral: soldado do tempo
Por Henrique Maynart
Fazia sol na primeira manhã de agosto, o painel do Sistema
Meteorológico de Sergipe estava cheio de razão, começar a reportagem com o pé
direito nunca é demais. Centro de Monitoramento Climático e Meteorológico, nove
horas e trinta e oito minutos. Quatro monitores repletos de dados, dosagens,
nuvens em constante movimento num balé rápido e confuso, seguidos por um grande
painel que monitora o céu nordestino em tempo real. O funcionário responsável
pela Tecnologia da Informação, em destaque solitário na ponta da sala, nos
explica todo o processo automatizado que justifica aquela quantidade de máquina
sem gente. O futuro está previsto.
Overland Amaral, coordenador do
Centro de Meteorologia de
Sergipe.
Foto: Vieira Neto
Encontramos o funcionário mais antigo do Centro de
Meteorologia de Sergipe no Quartel General da previsão do tempo, às dez horas e
oito minutos daquela quarta-feira, tapeando as férias que gozou até o início
desta semana que vos fala. “Bem vindo de volta Overland”, cumprimenta a
funcionária da Secretaria de Meio Ambiente, “ não não, só volto na semana que
vem, marquei uma conversa com o pessoal do jornal”, responde apressado com o
dedo estirado em direção à reportagem do CINFORM. De óculos escuros em plena sala fechada,
Overland Amaral segue em fala pausada e levemente rouca, munido de uma xícara
de café que leva à boca com leve tremor a goles curtos. “Bebida de
intelectual”, descontrai. O senhor da
previsão do tempo está a postos.
POR SER DE LÁ DO SERTÃO
“Toda a minha vida foi dedicada à meteorologia no serviço
público, aos estudos dos fenômenos de ordem atmosférica”, afirma o gloriense de
66 anos de vida e quase quatro décadas de serviços ligados ao setor. Por ser de
lá do Sertão de Nossa Senhora da Glória, Overland observava a migração provocada
pela seca com tristeza e inquietação. “Desde menino eu não suportava ver
período de seca, aquela coisa que expulsava tanta gente, ver tanta gente migrar
para o sul do país, sempre fui me perguntando, estudando, e aos poucos fui
entendendo este lado social da consequência climática. A extensão da seca tem
um fenômeno social muito maior, este foi o grande motivo daminha vida”.
Devidamente casado, Overland pica a mula para a capital
sergipana aos 21anos e começa a trabalhar na área como estagiário, enquanto
cursava Geografia na Universidade Federal de Sergipe. “Fui fazer um trabalho da
faculdade na Codise, os serviços de meteorologia estavam lotados lá nesta
época, e surgiu o convite para estágio. Concluí o curso, fui contratado e estou
aqui até hoje (risos)”. Efetivado em 1984 pelo Núcleo de Estudos Naturais e
Climatológicos da Secretaria de Estado do Planejamento, ele seguiu pautando
todos os seus estudos na área. Ao longo das décadas, seu trabalho envolveu a
criação do Centro de Estudos e Pesquisas Espaciais , na década de 90, o
envolvimento com a pasta de Recursos Hídricos “tanto no excesso quanto na
falta”. Atualmente os trabalhos de meteorologia e assuntos correlatos estão
lotados na Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Semarh).
NA CADEIRA DO GOVERNADOR
Figurinha carimbada da mídia sergipana, o coordenador do
Centro de Meteorologia do Estado de Sergipe concedeu, ao longo de sua carreira,
centenas de entrevistas e depoimentos acerca dos eventos climáticos mais
diversos, de secas a enchentes, de estiagem a toró que cai de sopetão. Um
evento que lhe marca a memória foi o grande período de chuvas que ocorreu entre
abril e maio de 2010, quando o Centro notificara a Defesa Civil para a
possibilidade do “evento de chuva”.
Chamado para dar explicações no Palácio de Veraneio,
Overland foi inquirido diretamente pelo ex-governador Marcelo Deda: “você
acredita mesmo nisso aqui?”, respondeu de bate-pronto: “poxa Deda, eu dei toda
a minha vida por isso, eu acredito sim, fui eu que fiz este alerta”. A partir
dali fora montada uma força-tarefa com uma série de secretarias e entes do
poder público para conter e minimizar os efeitos daquele “evento”. O toró dá o
ar da graça em Sergipe apenas cinco dias depois do aviso. Chamado novamente ao
Palácio, ouviu diretamente do ex-governador: “rapaz, realmente, você é um
soldado na frente de batalha e eu vou me aliar a você… quero dizer que é você
quem deveria estar sentado na cadeira do governador neste momento”, afirmou em
tom de brincadeira. Naquele momento houveram eventos parecidos em Alagoas e
Pernambuco. “Houve um grande evento, houve destruição e prejuízos materiais,
mas nenhuma vida foi ceifada. E esse é o nosso lema, é informar para defender o
cidadão.”
Memes fazem sucesso na internet. (Vieira Neto)
O SENHOR DOS MEMES
“Não acredite em políticos, acredite em Overland Amaral”,
“Overland para presidente em 2018: este não mente”, estas e outras frases
encharcam as redes sociais dos sergipanos, sobretudo em tempos de fortes chuvas
ou estiagens, além dos períodos eleitorais. Ele confessa que se diverte
bastante com a brincadeira e fica até feliz em poder dar alguma alegria em um
momento político eivado de descrédito e desconfiança.
“Eu acho divertido, aquilo é uma válvula de escape da
população. Me utilizam de uma forma que todo mundo se diverte, de tornar mais
relaxada essa vida política e social. Eu me divirto com isso, se eu puder
colaborar com o bem-estar das pessoas, com a liberdade das pessoas eu vou
colaborar. Além de me preocupar com a defesa do cidadão, me preocupo com o bem
estar e a gente precisa cultivar toda essa liberdade, esse lado também me
sensibiliza.”
LEGADO
Aos 66 anos de idade, o coordenador do Centro de
Meteorologia está com a aposentadoria marcada para daqui a 4 anos. Atualmente,
não há nos quadros no efetivo do Estado de Sergipe que possa substituir o seu
trabalho, acumulado por décadas de esforço. “Entrei aqui ainda sem cabelos
brancos, olhe só como está agora” (risos).
Em tempos de automação computadorizada, exemplificada pela própria
solidão da sala em que ocorre a entrevista, Overland fala das dificuldades
quanto aos recursos humanos do setor.
Quase quarenta anos dedicados à meteorologia no estado.
Foto: Vieira Neto
“Olha, em termos de Recursos Humanos a gente é muito
limitado. Aqui no setor temos: eu, o responsável do TI e um estagiário. Nos
anos 90 eu cheguei a ter uma equipe numerosa, mas a tecnologia de sensores e
softwares não estava como está hoje. Mas a demanda por recurso humano é sentida
aqui, espero que haja avanços não só na parte de aquisição de um radar
específico para Sergipe, que haja concurso público para o setor. Gente
capacitada em Sergipe pra isso, tem”.
Ao final da conversa, a pergunta derradeira: “mas vai chover
no final de semana, Overland?”. Entre risos, retruca: “olha no portal do
Sistema Meteorológico, é público e aberto”. A reportagem se despede com o gosto
e a certeza de que poderia ter saído sem essa, vida que segue. O final do
inverno meia-boca que assola o litoral nordestino oscila entre o calor
satânico, a nublagem abafada e os torós que despencam de sopetão. Tempo bom,
tempo ruim, a vida segue sem estação definida pelos arredores de Sergipe.
Texto e imagens reproduzidos do site: cinform.com.br
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