Publicado originalmente no site do Portal Infonet, em 06 de agosto de 2018
Um bem amado na Academia
Por Lúcio Prado
A Academia Sergipana de Letras vem se renovando de tempos em
tempos, ancorada em seu passado histórico mas com olhar atento ao presente. Na
semana que passou ela se engalanou para receber uma pessoa ilustre. O médico e
escritor Paulo Amado foi empossado na Cadeira 6, na sucessão do jurista,
professor e poeta José Amado Nascimento, falecido recentemente. Na verdade,
Paulo assume um posto de eminentes personalidades, desde o patrono, Gumersindo
Bessa, passando pelo fundador da cadeira, o inolvidável Gilberto Amado. Faz-se
assim uma transição, de “amado para amado”, na melhor geração de nossos
intelectuais.
A solenidade de posse foi magistral, no melhor estilo
clássico, com pompa e circunstância e grande assistência. Os discursos de José
Anderson Nascimento, que fez a saudação acadêmica e a do recipiendário, foram
magníficas, à altura de suas competências. Portanto, mostrou-se temerária e
arriscada, além de fugir ao protocolo padrão, a minha participação para
saudá-lo em nome dos meus pares da Academia de Medicina. Mas falou mais alto o
coração, bem Amado presta o Juramento de praxa acima da razão. Deixo com
vocês, para apreciação:
Excelências, Confrade Paulo Amado Oliveira,
O dizer de Brecht cai bem em você: “Há homens que lutam um
dia e são bons, há outros que lutam um ano e são melhores, há os que lutam
muitos anos e são muito bons. Mas há os que lutam toda a vida e estes são
imprescindíveis.”
A sua trajetória de vida já o tornou imprescindível para as
entidades médicas, nas quais a presença constante em todas elas sempre foi
incessante e que agora passa a ser imprescindível também para as entidades
culturais e literárias do Estado. Integrando a Academia Estanciana de Letras, o Movimento Cultural
Antônio Garcia Filho, o Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe, os
institutos e instituições da Igreja Apostólica Romana, a nossa Academia de
Medicina e a SOBRAMES Sergipe, a Sociedade Brasileira de Médicos Escritores –
que presido atualmente, transmuda-se num gigante nas horas mais difíceis,
sempre presente, doando a sua inteligência e capacidade de arregimentação na
busca de soluções.
Para mim, é um honra sem medida poder saudá-lo, na hora que
adentra à Casa de Tobias, representando os meus pares da Academia Sergipana de
Medicina, na qual você ocupa a Cadeira de número 20, que tem como Patrono o Dr.
José Thomaz D’Ávila Nabuco, na sucessão do professor José Leite Primo, desde 27
de agosto de 2008 quando ocorreu a sua posse, sendo saudado na ocasião pelo
colega e confrade Antônio Carlos Sobral Sousa, médico e escritor, ciência e
literatura pujantes, nome que honra a sociedade sergipana, pesquisador de
renome, festejado na medicina brasileira e mundial, digo sem medo de errar, um
exemplo de profissional no desempenho de suas funções de médico e professor,
pautando-se sempre na respeito pela pessoa humana e na partilha de
conhecimentos. Bastou apenas seis anos, nobre esculápio, para que assumisse o
mais alto cargo do sodalício, a presidência da Academia Sergipana de Medicina.
A sua administração à frente da Casa de Gileno, por dois mandatos, foi de uma
marcante presença e de múltiplas realizações.
Agora, você chega para compartilhar a ciência com a cultura,
a medicina com a literatura, por isso seja bem-vindo.
A doença nasce em silêncio, seja pela ação de germes, ou de
substâncias nocivas, ou por processos endógenos, sutis alterações processam-se
nas células: é a enfermidade em marcha. E, em algum momento, algo chamará a
atenção: uma febre, uma dor, uma tontura, uma falta de ar…. A consciência da
anormalidade desperta a angústia, e a angústia se expressará em palavras. Mais
cedo ou mais tarde um médico as ouvirá. E também ele traduzirá aquilo que
ouviu, aquilo que constatou, aquilo que pensa, em palavras. Palavras dirigidas
ao paciente, aos familiares, a outros médicos, a estudantes, ao público.
Pessoas falarão da doença, pois não há como não falar nessa experiência que
todos partilhamos. Frequentemente as palavras serão postas no papel: a história
clínica, o artigo científico, o ensaio, a ficção.
A história da medicina é uma história de vozes. As vozes
misteriosas do corpo: o sopro, o sibilo, o borborismo, a crepitação, o
estridor. As vozes inarticuladas do paciente: o gemido, o grito, o estertor. As
vozes articuladas: a queixa da doença, as perguntas inquietas…A voz articulada
do médico: o diagnóstico e o prognóstico. Vozes que falam da doença, vozes
sábias, resignadas ou revoltadas. Vozes que se querem perpetuar, palavras
escritas em argila, em pergaminho, em papel; no prontuário, na revista, no
livro, na tela do computador.
É da palavra escrita que tratamos aqui. Os médicos escrevem.
É natural que os médicos escrevam. Eles habitam o universo da palavra escrita.
Sempre buscaram conhecimento em textos clássicos e até pensam, segundo o
aforisma do grande clínico William Osler, no paciente como um texto. Um texto
às vezes fácil, às vezes difícil. A medicina trabalha com uma margem de
incerteza que não é habitual nas ciências. O escritor Somerset Maugham, que
estudou medicina, lembra que seu professor de anatomia lhe pediu que
procurasse certo nervo no cadáver. Ele
não encontrou, porque não estava no local habitual. Comentário do professor: em
anatomia, o normal é a exceção. O normal em medicina é um evento estatístico.
Essas reflexões estão contidas no livro “A Paixão
Transformadora – história da Medicina na Literatura”, do médico e escritor
Moacir Scliar e mostra a enorme afinidade entre a medicina e a literatura.
Completam-se, pois, em você, confrade Paulo Amado, os
postulados de Brecht.
Do médico e do escritor, do agente de cultura, que se senta
doravante na Cadeira 6, de Gumercindo, patrono, Gilberto Amado, fundador, e do
seu antecessor, José Amado Nascimento. O mundo precisa de “imprescindíveis”
como você!
Como escreveu Camões, nos Lusíadas, no Canto Décimo, 154: “
Mas eu que falo humilde, baixo e rudo,
De vós não conhecido nem sonhado?
Das bocas dos pequenos sei, com tudo,
que o louvor sai às vezes acabado…
Nem me falta na vida honesto estudo,
Com longa experiência misturado,
Nem engenho, que aqui vereis presente,
Cousas que juntas se acham raramente”.
Eis, pois, uma posição difícil de distinguir: entre o
coração e o cérebro, a mente e o sofrimento, o ideal e o pragmático, ao
homenagear o confrade Paulo Amado Oliveira na ocasião de sua posse nessa
vetusta Academia.
Parabéns, confrade, muitas felicidades nessa nova caminhada.
O mundo sempre vai precisar dos imprescindíveis.
Obrigado a todos.
(Discurso pronunciado pelo Acad. Lucio Antônio Prado Dias,
em 1º de agosto de 2018, na posse do Dr. Paulo Amado Oliveira, na Cadeira 06 da
ASL)
Texto e imagens reproduzidos do site: infonet.com.br
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