O Crime de Fausto Cardoso (*)
Por Acrísio Torres
Fausto Cardoso era um espírito singular, de extremos.
Passava da arrogância desmedida, em provocar lutas, à doçura da clemência, em
conceder perdões; do silêncio do gabinete, onde era filósofo, lançava-se ao
tumulto da praça pública, onde era revolucionário. Pontificou em vários pontos
da ciência. Escreveu obras notáveis. No Cosmos, sonhou com a hegemonia do
direito, na Taxeonomia Social, desvendou o âmago da história, em Lei e
Arbítrio, pregou a ditadura no próprio seio do congresso nacional. No jornalismo,
sua pena foi o estilete dos tiranos. Tomou de “assalto” todas as tribunas, a
acadêmica, a judiciária, a dos comícios, a parlamentar, nas quais empolgava,
concentrava as atenções, as aclamações, os aplausos. Era o tribuno invejado,
invejável.
Foi assim Fausto Cardoso. Filósofo, historiador, jornalista,
tribuno, poeta, revolucionário. Raro na sua originalidade. Tocado pelo gênio,
tal era o vigor e arrojo de seus vôos, só impedidos mesmo por uma bala de
carabina. Esse herói carlyliano, nascido em Divina Pastora, em 1864, estava
destinado a sucumbir numa tragédia política que sensibilizou o estado, a nação.
Tudo ocorreu em 1906, em 28 de agosto, devido a um conflito de mentalidades
políticas.Culminava um grave conflito ideológico, na época. Fausto Cardoso, de
um lado, encarnava o pensamento liberal, o espírito revolucionário, e, Olímpio
Campos, de outro, o ideal conservador, contra-revolucionário, interessado na
ordem estabelecida.
Fausto Cardoso, deputado federal, chefia a revolta
progressista, com o apoio da força policial. Guilherme Campos, presidente do
estado, irmão de Olímpio Campos, é deposto. Não lhe restava senão pedir a
intervenção federal, assegurada no artigo seis da constituição de 1891, a
primeira republicana. Rodrigues Alves, presidente da república, autorizado pelo
congresso nacional, ordenou ao general Firmino Lopes Rego, comandante do
primeiro distrito militar, repor no poder o governo legal. Era 28 de agosto de
1906. Gumercindo Bessa, dos amigos que em vão tentaram demover Fausto Cardoso
de reação, foi o último a deixar o palácio do governo. Chorava. Eram lágrimas
prenunciadoras da tragédia.
Firmino Lopes, baldadas as tentativas de dissuadir Fausto,
ordenou fosse evacuado o palácio do governo. Era soldado, cumpria ordens. Os
soldados penetraram o palácio, no momento em que Fausto, sem medo, sem receio,
como se sentisse que ia (ou devia?) morrer, gritou da escada: - “Atirem,
bandidos!”. Um tiro foi disparado. Era o fim de Fausto. Melpômene triunfava
sobre Calíope. Assim morreu Fausto Cardoso. Na verdade, uma morte trágica,
ocorrida num lance de aventura, nunca antes ocorrido em Sergipe, que,
certamente, nunca mais se repetirá, muito raro mesmo na história política da
nação brasileira. Pesado luto caiu sobre Sergipe. Em todo o país, a imprensa lamentou
o trágico sucesso. No Rio, A Tribuna dizia que Fausto “foi um organismo
permanentemente em ebulição, uma alma de fogo, e o fogo que lavrava nela acabou
por devorá-la”.
No império, na república, não há registro de caso de tamanha
gravidade. Por isso, não deixa de ser estranho que, na comunicação ao congresso
nacional, de que havia sido reposto o presidente de Sergipe, Rodrigues Alves
não haja feito a menor referência à morte de Fausto. Dizia apenas “o que de
mais ocorreu consta dos documentos anexos”.
(*) Do Livro “Cenas da Vida Sergipana, 2 – Acrísio Torres –
SERGIPE/CRIMES POLÍTICOS, I”, Thesaurus Editora, prefácio de Orlando Dantas,
páginas 13/14.
- Sobre a referência final, do presidente da república,
Rodrigues Alves, o autor recomenda a leitura de “Fausto Cardoso e a Revolução
de 1906”, de José Calasans.
Foto e texto reproduzidos do blog:
clovisbarbosa.blogspot.com.br
De Clóvis Barbosa.
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