quarta-feira, 3 de dezembro de 2014

Artesãos em Santana do São Francisco


Publicado originalmente pelo site G1/Globo Reporter, em 28/11/2014.

Capital sergipana da cerâmica constrói em casa a tradição da cidade
Janelas, calçadas, tudo vira vitrine para o negócio dos artesãos em Santana do São Francisco. Famílias inteiras atuam nas linhas de produção caseiras.

Grandeza a perder de vista. O rio que leva o nome de um santo, faz milagre por onde correm suas águas. É o sustento de milhares de pessoas.

O Velho Chico sabe ser generoso com os ribeirinhos. Em tempos de cheia, o rio vai além das margens e forma lagoas. E foi assim, ao sabor das marés que nasceu a vocação de Santana do São Francisco. Lá, 70% dos moradores construíram em casa a tradição da cidade.

Vem do barro extraído das margens do rio o segredo do sucesso do pequeno município de 8 mil moradores. Nas ruas é fácil perceber porque a cidade e considerada a capital sergipana da cerâmica. As janelas as calçadas, tudo vira vitrine para o negócio dos artesãos, e é um trabalho que começa em casa e não vai muito longe não, continua na região.

Globo Repórter: Seu Antônio, seu negócio deu tão certo como o de muita gente aqui que o senhor teve que ampliar a sua casa?

Antônio Ramos, artesão: Comecei pequenininho e deu certo com a minha família, hoje está grande.

Globo Repórter: Seu Antônio, é peça demais, não para não?

Antônio Ramos: Aqui não para, não para não, é fazendo o forno tá lá, já tá secando as peças no forno para amanhã entregar as peças e fazendo mais, não pode parar, tem que continuar e eu quero que aumente.

Na linha de produção a família inteira. Filhos, genros, noras. Aos 65 anos, Seu Antônio é quem toma as rédeas do negócio. Hoje está aposentado, ele já foi agricultor, minerador, trabalhou na construção civil mas sempre acabava voltando para o artesanato. A chance de trabalhar em casa, ele nunca largou.

Globo Repórter: E é bom ser patrão de você mesmo?

Antônio Ramos: É bom demais.

Troca da enxada pelo trabalho em casa.

Histórias assim são comuns em Santana do São Francisco.

Em um piscar de olhos, a habilidade e o talento dão forma a peças pelas mãos de Capilé. No Nordeste, Capilé quer dizer menino curioso, destemido. O apelido que Wilson ganhou na infância, define bem o espirito desse artesão.

“E com muita persistência, porque eu fui sempre uma pessoa assim, persistente, aí eu consegui aprender a fazer peças pequenas, aí dali por diante eu fui tentando, tentando e conseguia uma, caia duas e não parava”, diz o artesão Wilson de Carvalho, o "Capilé".

Com planejamento, organização, as peças do Capilé ganharam um tamanho que nem ele imaginava que seria capaz de fazer. Como um dos muitos presépios que o Capilé confecciona. Os reis magos Belchior, Baltazar e Gaspar. Tradição católica retratada em tamanho gigante.

Há 15 anos ele trocou a enxada pelo trabalho em casa. Cansado da dependência da chuva e do sol, deixou para trás a roça de milho. Agora depende só dele.

Globo Repórter: Você não se arrepende de jeito nenhum de ter abandonado a lavoura?
Wilson de Carvalho, artesão: Deus me livre. Para mim foi muito importante porque aqui agora estou aqui tranquilo.

A pausa nas tarefas quem determina é Dona Fátima, a esposa. Morar em frente ao trabalho é só vantagem.

“Não tem melhor não, não tem melhor.”, afirma Capilé.

Regra cumprida à risca para o trabalho render.

Mas Dona Fátima não fica só nas tarefas de casa. Ela é responsável pela pintura das peças.
“Uma emoção de ver uma peça pintada pelas minhas mãos e o povo quando chega, gosta e compra”, conta Maria de Fátima de Carvalho, artesã.

Para o trabalho render, Capilé tem uma regra cumprida à risca;

“Planejamento. É a alma do negócio, se planejar. Todo o seu tostãozinho que arrecadar, que ganhar, planeje ele, pague suas coisinhas e deixe sempre uma reserva”, revela Capilé.
Assim, ele fez um pé de meia, e que pé de meia.

“Carro não comprei, porque eu não tenho muita vontade de comprar carro não, mas eu graças a Deus tenho minha casa própria, tenho outra casa ali, tenho outra casa que mora meu filho”, explica Capilé.

Conforto para família e realização pessoal. Foi o que Capilé conseguiu trabalhando em casa e aos 50 anos, o menino travesso nem pensa em parar.

Wilson de Carvalho, artesão: Eu quero que o pessoal me reconheça com um cidadão ribeirinho, aqui de Santana do São Francisco.

Globo Repórter: E feliz no que faz?

Wilson de Carvalho, artesão: Com certeza!

Texto e imagem reproduzidos do site: g1.globo.com/globo-reporter

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