Infonet - Blog Marcos Cardoso - 21/12/2014.
Os sergipanos presos, torturados, mortos.
Comissão da Verdade revelou que três sergipanos foram mortos.
O relatório da Comissão Nacional da Verdade revelou que três
sergipanos foram assassinados pela ditadura militar. Muitos outros sofreram por
terem lutado contra o regime de exceção e a favor da liberdade de expressão, ou
simplesmente por discordarem do governo dos generais, imposto durante 21 anos a
partir de abril de 1964. Alguns guardaram para sempre marcas indeléveis como um
registro da coragem de se manifestar contra o arbítrio.
O caráter reacionário da nova fase política configurou-se em
Aracaju no dia 1º de abril após a prisão do deputado federal Euvaldo Diniz e do
delegado regional do trabalho, que ousaram se manifestar contra o golpe.
Lideranças do Sindicato dos Ferroviários também foram conduzidas ao quartel do
28º BC. Mas na manhã seguinte todos foram liberados.
Mesma “sorte” não teve o governador João de Seixas Dória,
que retornou do Rio de Janeiro na noite daquele “dia da mentira” e na madrugada
do dia 2 foi arrancado do Palácio Olímpio Campos e deposto. Passou meses preso,
boa parte do tempo em degredo no arquipélago de Fernando de Noronha. Esses
foram os primeiros a sentir a mão pesada da nova ordem institucional.
O primeiro sergipano morto pela ditadura foi o sargento do
Exército Manoel Alves de Oliveira, 30 anos incompletos, natural de Aquidabã.
Pouco antes do golpe militar, ele foi candidato a presidente do Clube de
Subtenentes e Sargentos do Exército, atividade política que certamente o
condenou às torturas que sofreu no Regimento Andrade Neves – Escola de
Cavalaria, localizado na Vila Militar do Rio de Janeiro, e consequente morte no
Hospital Central do Exército (HCE), na mesma cidade, no dia 8 de maio de 1964.
Pesquisas apontam que seu assassinato está inserido no quadro de repressão
instaurado no país com a chamada “Operação Limpeza”, segundo o relatório da
CNV.
A viúva Norma Conceição Martorelli de Oliveira, afirmou que
Manoel foi detido em casa, por homens em trajes civis que o conduziram em um
automóvel Kombi sem identificação oficial. Ele respondia a Inquérito Policial
Militar e foi conduzido para um “interrogatório especializado”. Ao buscar
informações junto ao I Exército a respeito do paradeiro, recebeu informações
desencontradas. Apenas dois dias depois obteve a confirmação de que o marido
estava no HCE. Após um mês de buscas, Norma conseguiu autorização para visitar
o marido. Ao vê-lo, percebeu “que o seu corpo estava coberto de marcas, que
mais tarde soube serem de ferro quente”.
Também assassinado, o sergipano de Laranjeiras Lucindo
Costa, servidor público em Santa Catarina, onde militava no PCB, desapareceu
após fazer uma viagem a Curitiba em julho de 1967. Ele tinha 48 anos, era
casado e pai de seis filhos. Já havia sido preso duas vezes como subversivo.
Posteriormente, a esposa Elisabeth Baader recebeu a informação de que ele
morreu atropelado e foi enterrado como indigente. Era mentira, claro. Foi
provavelmente detido, torturado e morto.
Preso anteriormente pelos órgãos da repressão, Lucindo
mantinha contato com opositores da ditadura militar, como o major Cerveira,
mais tarde morto pela repressão, e o professor Vieira Neto, militante do
Partido Comunista Brasileiro. À época de seu desaparecimento, Lucindo morava
com a família em Mafra (SC) e trabalhava no Serviço de Classificação de Rio
Negro (PR), do Ministério da Agricultura.
Também considerada assassinada pelo Estado brasileiro foi a
aracajuana Therezinha Viana de Assis, economista que concluiu o curso na
Universidade Federal de Sergipe em 1965. Mudou-se para Belo Horizonte, onde foi
funcionária da Caixa Econômica Federal. Militante da Ação Popular (AP),
Therezinha foi presa e torturada por agentes da repressão entre os anos 1968 a
1972.
No início de 1973, ela exilou-se no Chile, onde fez um curso
de pós-graduação na Universidade de Santiago. Passou a militar no Movimiento de
Izquierda Revolucionaria (MIR). Após o golpe militar que depôs Salvador
Allende, Therezinha buscou asilo político na Holanda. Morou inicialmente em
Rotterdam e depois em Amsterdã. Cursou o doutorado em Economia e trabalhou, até
setembro de 1977, na área de planejamento da prefeitura de Amsterdã. Therezinha
Viana de Assis morreu em 1978, aos 36 anos de idade, naquela capital dos Países
Baixos, como resultado das sequelas da tortura a que foi submetida.
Durante o período em que residiu em Amsterdã, Therezinha
manteve correspondência com sua irmã, Selma Viana de Assis Pamplona, por meio
de cartas. Em depoimento, Selma contou que, em 1977, Therezinha viajou por
vários países da Europa. Em algumas correspondências, contou à irmã que se
sentia perseguida, pois mesmo viajando para outros países via as duas ou quatro
mesmas pessoas, que, segundo ela, estariam seguindo seus passos.
Nessa época em que Therezinha passou a se sentir perseguida,
um de seus amigos exilados lhe recomendou que tivesse cuidado, pois sabia que
policiais do Chile e do Brasil estavam perseguindo exilados em diversos países.
Em setembro ou outubro de 1977, desconfiando que suas correspondências estavam
sendo violadas e que suas ligações eram interceptadas, ela interrompeu a
comunicação com a irmã.
Therezinha Viana de Assis foi encontrada agonizante no dia 3
de fevereiro de 1978, sobre a calçada do edifício onde morava em Amsterdã, e
levada, ainda com vida, para o Academische Ziekenhuis da Vrije Universiteir,
onde foi operada, mas não resistiu. Ela era irmã do político e empresário
Antonio Fernandes Viana de Assis, que foi deputado estadual cassado pela
ditadura e, posteriormente, entre os anos de 1988 e 1989, foi prefeito de
Aracaju. Ele morreu em junho de 2010, aos 75 anos.
Deputados e estudantes
Viana de Assis (PR), Cleto Maia (PRT), Nivaldo Santos (PR) e
Baltazar Santos (PSD) foram os deputados cassados um mês e meio após o golpe.
Também foi cassado o deputado federal João Machado Rollemberg, da Arena. No
recrudescimento da repressão, e já no bipartidarismo, em 1969 também foram
cassados os deputados estaduais Gilton Garcia, Rosendo Ribeiro, Aerton Silva,
Chico de Miguel, Edson Mendes de Oliveira, Santos Mendonça, Baltazarino Santos
e Jaime Araújo.
Estudantes, quase todos militantes e oriundos da UFS,
sofreram nessa fase do chamado novo ciclo repressivo iniciado após o AI-5.
Principalmente Bosco Rolemberg, Ana Côrtes, Wellington Mangueira e Laura
Marques, que penaram nas mãos de sádicos torturadores. João Augusto Gama,
Benedito Figueiredo e o poeta Mário Jorge Vieira também foram presos.
Em fevereiro de 1976, na Operação Cajueiro, 25 sergipanos
foram presos arbitrariamente no quartel do 28º BC, alguns foram torturados e 18
foram processados. Wellington Mangueira estava outra vez dentre estes, além dos
ferroviários Antônio Bitencourt, Carivaldo Lima Santos, Pedro Hilário dos
Santos e Virgílio de Oliveira, dos advogados Jackson de Sá Figueiredo, João
Santana Sobrinho, Elias Pinho e Carlos Alberto Menezes, do estudante e bancário
Antônio José de Góis, do comerciante Faustino Alves de Menezes, do jornaleiro
Gervásio Santos, do funcionário público Marcélio Bonfim, do agrônomo Rosalvo
Alexandre, do petroleiro Milton Coelho de Carvalho, que ficou cego, e outros.
O deputado estadual Jackson Barreto, ligado ao PCB, sofreu a
segunda prisão na Operação Cajueiro, foi logo liberado, mas respondeu a
Inquérito Policial Militar.
Em maio de 2009, a Caravana da Anistia do Ministério da
Justiça julgou, na sede da OAB em Aracaju, 34 processos de sergipanos que se
declararam vítimas do regime militar: 22 processos foram deferidos, as vítimas
declaradas anistiadas e o presidente da Comissão de Anistia, em nome do Estado
brasileiro, desculpou-se pelo sofrimento causado a cada um desses cidadãos que
ousaram lutar pela democracia. Dezoito anistiados tiveram reconhecido o direito
de serem indenizados ou de terem corrigidas indenizações anteriormente
conquistadas. Um deles foi Antônio José de Góis, o Goizinho, que foi torturado
e permaneceu 21 dias encarcerado.
Em quatro processos, os requerentes ou familiares deles
pediam apenas que o Estado declarasse reconhecer o sofrimento causado e os
anistiasse. Dentre esses, processos do radialista e deputado estadual cassado
Santos Mendonça e do poeta Mário Jorge, ambos falecidos. Também foram
indenizados Jugurta Barreto (falecido posteriormente), Agamenon de Araújo
Souza, José Alexandre Felizola Diniz, Rosalvo Alexandre, José Côrtes Rollemberg
Filho, Delmo Naziazeno, Antônio Vieira da Costa, Zelita Correia, Walter
Oliveira Ribeiro, João Augusto Gama, Benedito Figueiredo, Wellington Mangueira
e Milton Coelho.
Texto reproduzido do site: infonet.com.br/marcoscardoso
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