Publicado pelo Portal Infonet em 17/03/2005.
Ilustres desconhecidos
Aracaju está a todo vapor comemorando o seu
sesquicentenário. A ocasião rende homenagens a ilustres moradores da capital,
depoimentos e entrega de comendas para os filhos, adotados ou não, que
contribuíram para o avanço, progresso, modernização e expansão
Aracaju está a todo vapor comemorando o seu
sesquicentenário. A ocasião rende homenagens a ilustres moradores da capital,
depoimentos, reconhecimentos e entrega de comendas para os filhos, adotados ou
não, que contribuíram para o avanço, progresso, modernização e expansão da
jovem Aracaju ao longo de seus 150 anos de história. Durante as homengens,
quando Inácio Barbosa, Tobias Barreto, Graccho Cardoso, dentre outros, são
citados, não há grandes discordâncias. Afinal de contas, é inegável e visível a
contribuição que eles deram ao processo de nascimento e de desenvolvimento da
capital sergipana.
Muitos historiadores afirmam que Inácio Barbosa foi um
visionário, responsável pela idealização e construção de Aracaju. Devido seu
olhar progressista, e a vontade de ver Sergipe Del Rey crescer, dentre uma
série de outros fatores, nova capital sergipana nasceu. Planejada, imitando um
tabuleiro de xadrez, ela surge a partir do que há de mais moderno na época.
Basílio Pirro é o arquiteto contratado para planejar a cidade e, assim,
concretizar a ousada idéia de Barbosa.
Inácio Joaquim Barbosa não era sergipano, nem sequer
nordestino. Fluminense, nascido no Estado do Rio de Janeiro em 1823, formou-se
em Direito pela Faculdade de São Paulo em 1844. Sua caminhada até achegar a
Sergipe teve algumas paradas. Entre elas, Barbosa foi juiz municipal, funcionário
público, secretário da Província do Ceará e suplente de Deputado Federal, pelo
mesmo Estado, tendo assumido durante algum tempo o mandato para somente então
aportar nas terras antes comandadas pelo Cacique Serigy. Com 30 anos, Inácio
Barbosa chega à província em 1853, com a incumbência de governá-la. E é
exatamente onde morre dois anos mais tarde, em 6 de dezembro de 1955.
Contudo, vale lembrar que nem só destas figuras ilustres
Aracaju se fez. Para que ela realmente existisse, milhares de pedreiros,
operários e operárias, escravos e escravas, carpinteiros, mestres de obras,
dentre tantos outros, deram seu tempo, dedicação, suor e mesmo vidas. Homens e
mulheres simples, do povo, que misturados à multidão não passam de anônimos,
“ilustres” desconhecidos que, na verdade, foram de fundamental importância para
que a Aracaju de hoje existisse.
Esse é o caso de dona Maria Antônia Oliveira, ou
simplesmente dona Tonha. Mulher simples no linguajar, e de uma religiosidade
notória, ela concedeu entrevista ao professor doutor em História da
Universidade Federal de Sergipe, Antônio Lindvaldo Sousa, na década de 90. Com
o objetivo de não interferir no sentido do texto, além de dar maior realidade e
originalidade ao depoimento da entrevistada as falas foram mantidas como elas a
proferiu.
Segundo o professor, dona Tonha parece ter, ao longo de toda
a vida, zelado honestidade e fé, valores comuns na época, principalmente para a
população pobre. Quando perguntada por sua data de nascimento ela aguarda um
momento antes de explicar: “A data que eu nasci? Eu não tenho gravação da data
que eu nasci. você bem sabe que naquela época não era como hoje. Agora, a minha
data mesmo é de abril, minha mãe me dizia que eu nasci no dia 25 de abril, um
domingo da ressurreição. Agora a data do ano é que eu não sei. Eu tenho mais ou
menos de 80 pra lá”.
Nascida em Rosário do Catete, Maria Antônia Oliveira, filha
de Olímpio Maciel e de Maria da Conceição Efigênia, veio para Aracaju com 20
anos de idade. Na ocasião da mudança para a capital, dona Tonha só tinha a mãe
e mais nove irmãos. Quanto ao motivo ela explica que “meu pai faleceu, os
maiorzinhos vieram, ela (sua mãe) também. Eu não ia ficar em Rosário sem ter do
que viver”. Logo que chegou a Aracaju, dona Tonha foi trabalhar em casa de
família, mais pouco depois trocou o emprego de doméstica por outro na fábrica
de tecido. “Fui trabalhar na fábrica porque achei que a fábrica era melhor.
Porque a fábrica tinha instituto e nas casas domésticas não tinha. Eu tomei o
conselho das outras colegas me dizendo que a fábrica era melhor. Não era por
nada, é que as casa domésticas, agora tem, mas antigamente não tinha
instituto”, conta.
Sobre a Aracaju daquele tempo, início do século XX, dona
Tonha narra. “Aqui era casa de palha. Tudo era terra. Por exemplo, aqui no
Santo Antônio tudo era mato. Eu também morava em casa de palha. Esta casa daqui
caiu, era de vara, e naquele tempo que tinha aqueles invernos fortes a chuva
veio e derrubou a frente da casa. O povo passava e eu via pelas varas. O futuro
que todos nós tivemos foi depois de Getúlio que deu o instituto. Antes, quem
saía perdia tudo. O dinheiro meu filho, eu vou lhe falar que não dava não.
Nessa época nossa agora é que quem não tem muita família pode segurar qualquer
coisa. Mas, naquele época, era a conta de dar para vida se passar. Por exemplo,
eu não tinha família, minha família era eu e o marido, fiquei viúva pronto.
Então eu não tinha família, o meu era a conta. Agora depois do Cruz (um dos
donos da Sergipe Industrial) pra cá, num sabe, dessa época pra cá, que o
ordenado foi aumentando aos pouquinho e eu também fui fazendo minhas
economias”, relata.
Ela também explica que consegue a primeira casa de alvenaria
"graças a uma benção que o nosso senhor mandou". A benção era um
vizinho, que comprou o terreno ao lado daquele onde dona Tonha morava. “Quando
ele formou a casa dele eu pedi: ‘Moço, quando o senhor formar a sua casa vai
fazer uma casa boa né? E a minha casa é de palha, de vara. Então o senhor faz
uma casa boa pra mim também, para a minha casa não desmoralizar a do senhor. O
senhor tenha a bondade de indireitar a minha’”, conta. Na época, dona Tonha
trabalhava na fábrica de tecido e se comprometeu a, depois, ajustar com o
vizinho as despesas que o mesmo tivesse na construção da casa. "E fiz
questão de cumprir", garante.
Dona Maria Antônia Oliveira, que trabalhou na fábrica de
tecido Sergipe Industrial por 30 anos até se aposentar devido alguns problemas
de saúde. Ela conta, com orgulho, que ao longo desse tempo não teve nenhuma
falta. Ao deixar o posto em frente ao tear e fiandeira de algodão, dona Tonha
agradeceu o cargo - um costume da época - e afirma que não tem do que se
queixar de nenhum dos patrões que teve. Hoje esta figura simples e trabalhadora
já não se encontra mais viva. Ela faleceu no final da década de 90, sem saber
ao certo a própria idade.
Dona Alda: Não foi difícil conciliar a maternidade e o
emprego como auditora fiscal
Outro personagem é Alda Cruz Santos Nunes. Nascida em 1929,
essa aracajuana, nasceu e viveu grande parte da vida de solteira no bairro
Siqueira Campo, antigo Aribé. Lá, segundo ela, a maioria das pessoas trabalhava
como pescadores ou na rede ferroviária, e as construções eram de palha ou de
taipa. Sobre a infância ela conta que foi marcada por dificuldades mas, mesmo
assim, foi boa ou, como ela mesmo define, “paupérrima, mas compreensiva”. Dona
Alda narra que naquela época as brincadeiras eram simples e em grupo, tais como
pique-esconde, cabra-cega, roda, pega-pega, corda, dentre outras.
De 49 a 55 foi professora, tendo de 53 a 54 dirigido o Grupo
Escolar José Rolemberg Leite. Em 54, dona Alda prestou concurso para integrar
os quadros da Previdência, aposentando-se em 1983 como auditora fiscal. Casada
e com cinco filhos, ela explica que não foi difícil conciliar a maternidade e a
profissão. “Contei com secretarias que me ajudaram, então não foi difícil”,
conta. De uma lucidez e disposição de viver invejáveis, a ex-auditora diz que
nem sempre a vida foi tão boa. Ela afirma que o período da Segunda Guerra
Mundial foi muito difícil. O namorado, que mais tarde tornou-se marido, José
Cruz, e o irmão de dona Alda, Edgard Francisco, foram enviados à Itália
integrando as tropas da Força Expedicionária Brasileira (FEB).
Segundo ela, naquele tempo o governo distribuía vales para
as famílias dos saldados para que estas fizessem a feira. “Nós saíamos de casa
e voltávamos com a feira completa. Carne, arroz, feijão e ai daquele que não
atendesse e deixasse de vender a mercadoria”, conta. Em 1945 acaba a guerra e
em 1954 dona Alda casa-se e vai morar na rua Laranjeiras, 1073. Ela conta que,
neste período, não se tinha muito que fazer. “O que nós fazíamos era visitar um
doente ou um recém-nascido e sua mãe. Trocar plantas com os conhecidos, dançar
na casa dos colegas de três às cinco da tarde. Tinha gente que ia passear no
presídio ou então era hábito ficar sentado na porta, apenas conversando”,
explica. Quanto a ir ao cinema, ela diz que isso era coisa para aqueles que
tinham dinheiro e que, ela mesmo, só passou a ir depois que começou a
trabalhar.
Sobre a Aracaju daquele tempo ela fala ainda das festas nas
praças, do Carrossel do Tobias, da festa de Bom Jesus, onde se comia caruru,
barquinhos de castanha, rolete de cana, pipoca e doce de banana. Dona Alda
lembra também que as igrejas viviam cheias e que se percebia claramente a
divisão social que existia nestas ocasiões. "E não era algo forçado. Era
natural", revela sem rancor. "As pessoas automaticamente se juntavam
de acordo com a sua classe social", relembra.
A aposentada também cita um outro lado da cidade, pouco
falado, que era a zona de baixo meretrício. Ela relata que além dos Becos dos
Cocos, atualmente rua Santa Rosa, as ruas Simão Dias, Lagarto, Divina Pastora,
entre outras, também eram pontos usados pelas prostitutas. “As famílias tinham
medo de passar por ali depois de certa hora da noite”, afirma. Depois de já
estar trabalhando na Previdência, dona Alda resolveu voltar para a sala de
aula. Declarando o magistério como vocação, ela cursou e se formou em Pedagogia
pela Universidade Federal de Sergipe.
Hoje, com 79 anos e viúva, ela retornou aos estudos na
Universidade cursando disciplinas isoladas. Cheia de alegria e sempre bem
disposta, a aposentada tem uma rotina que prevê, além das atividades
acadêmicas, visitas a Comunidade Religiosa São José e ao Clube da Melhor Idade.
Sobre a cidade de Aracaju dona Alda só tem elogios. “Aracaju teve muita garra,
soube se impor, respeitar-se. E, apesar de tudo, ainda é uma cidade tranqüila e
boa de se viver”, garante.
Fotos e texto reproduzidos do site: infonet.com.br
Fotos de Dona Tonha e Dona Alda
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