Fotos: Cássia Santana/Portal Infonet
Infonet - Cultura - Especial - 28/01/2015.
Orquestra Jovem: realizações através da música clássica.
Projeto descobre grandes talentos infantis no Santa Maria.
Ser erudito é uma questão de oportunidade. Esta é a
constatação prática dos músicos mirins que integram a Orquestra Jovem de
Sergipe, um grupo formado por 100 crianças e adolescentes com faixa etária
entre os sete anos e 17 anos, oriundos de escola pública e de famílias de baixa
renda do bairro Santa Maria, em Aracaju. Eles descobriram a música clássica um
tanto por acaso e atualmente se dedicam a verdadeiros concertos que enchem os
olhos e ouvidos de qualquer cidadão com sensibilidade musical.
A Orquestra Jovem de Sergipe nasceu de uma iniciativa da
secretaria Estado de Cultura em sintonia com o então governador Marcelo Déda.
Mas a burocracia emperrou e a efetiva implementação só ocorreu dois anos
depois, no início do ano passado, a partir da aprovação do Ministério da
Cultura.
O processo seletivo pareceu difícil devido à falta de
contato do público alvo com a música clássica. Mas, o interesse da garotada
pelo projeto causou espanto: 350 candidatos se apresentaram. “Tive que fazer
uma seleção e aí foi muito difícil escolher os 100 melhores porque este povo é
muito musical”, confessa o maestro. Muitos alunos foram incentivados pelos
pais, embalados pelo auxílio do Governo no valor de R$ 100 que a família recebe
pela participação do aluno no projeto e não pela proposta de estudar os
clássicos.
Mas, em apenas um ano, a garotada toda, assim como a família
e até os vizinhos, foi contagiada pela sensatez do maestro Márcio Rodrigues e
as transformações tornaram-se visíveis nos gestos, nos olhares e até no
comportamento em sala de aula. Atualmente, o projeto continua em andamento, foi
ampliado e ganhou voluntários, sem evasão. No dia 22 de dezembro do ano
passado, depois de dez meses de aulas práticas e teóricas, o grupo se
apresentou em público pela primeira vez com o Concerto Natalino, regido pelo
maestro Márcio Rodrigues, que mescla a música clássica com o estilo pop.
Quando questionados sobre o sentimento em participar da
orquestra, a resposta se resume em quatro letras: “amor”, como conceituou
Matheus Barbosa, com dez anos de idade, aluno do 5º ano, dedicado à viola na
Orquestra. “Hoje, se não tivesse o dinheiro, eu continuaria sim no projeto”,
diz o contrabaixista Éverton Vitor de Sá, 17, aluno do segundo ano.
“Violoncelo me escolheu”.
O projeto revela histórias surpreendentes. “Definitivamente
não gostava de música clássica, mas vi que é algo interessante e fico
impressionada em ver que, em menos de um ano, eles conseguem tirar a melodia
destes instrumentos. É realmente algo novo e trouxe melhoria de vida para
todos”, opina a dona de casa Ana Santos, constatando aquilo que o maestro
considera como mudança de paradigma.
Outros pais, que admiram o estilo musical, veem no filho a
oportunidade de realizar sonhos. “Para mim, este projeto foi uma realização de
um sonho meu, sempre gostei de música clássica”, desabafa a dona de casa Carina
de Jesus Santos, 28, mãe de Wislayne Carolina de Jesus Soares, de nove anos,
que integra o coral da orquestra. Evangélica, acostumada a cantar na igreja, a
filha também aprova a iniciativa. “Este projeto é muito importante pra mim”,
resume.
O primeiro contato com os instrumentos [grandes e estranhos,
para a grande maioria] foi emocionante. Júlia Isabel Correia Santos, 16, ouviu
falar do projeto, teve interesse, mas quase desistiu quando constatou que havia
vaga apenas para o violoncelo. “Foi o violoncelo quem me escolheu”, diz. “A
gente ficou assim se encarando, mas hoje... Hoje eu morro de saudade. Sem ele,
fico depressiva, sozinha, vou pra casa triste”, diz Júlia.
Dedicação e entusiasmo.
Os componentes passaram o ano de 2014 dedicados, levando os
instrumentos para casa e impressionaram a vizinhança, que também desconhecia
aqueles “monstruosos objetos”. Lucas Soares, com 16 anos e aluno do 2º ano,
encantou a comunidade quando chegou em casa carregando o contrabaixo. “Era um
sacrifício para passar na porta de casa e meus vizinhos, tudo espantado, vieram
perguntando o que era aquilo”, lembra.
Atualmente, os vizinhos que desconheciam o contágio das
notas musicais fazem linha de frente para aplaudi-los. Antes do projeto, em
Lucas, a música se resumia aos estrondosos paredões e arrocha. “Hoje gosto sim
de música clássica, mas também dá pra tocar arrocha”, brinca.
Com esta influência, os sonhos dos garotos também se
ampliaram. “Hoje tudo mudou. Eu nem gostava de música, de nenhum ritmo. Hoje, a
sensação é muito boa. A música clássica é diferente”, resume Mikaele Batista
Santos, 15 anos, matriculada no segundo ano e uma das vozes que encanta o coral
da Orquestra Jovem.
O pedreiro Gineton Cruz Santos, 41, pai de Mikaele, que
também desconhecia este tipo musical, não esconde a satisfação em assistir os
concertos que o maestro promove com a orquestra e comemora os resultados
práticos que tem a feliz oportunidade de acompanhar e conviver. “Antes minha filha
era meio relaxada. Hoje, depois da orquestra, ela tem mais responsabilidade e
estuda mais”, conta.
Isaías da Conceição, 12 anos, enfrentou muitas dificuldades,
em alguns momentos perdeu a esperança, mas se tornou um dos melhores
violinistas da Orquestra. Esqueceu os problemas familiares, recebeu apoio de
uma outra família e, recentemente, foi contemplado com o presente dos sonhos:
um violino.
O presente é resultado de uma doação à Orquestra feita por
uma psicóloga, que pediu para se manter no anonimato. O maestro optou por
doá-lo diretamente ao aluno a partir do critério do talento e da dedicação.
Discreto e tímido, Isaías é de poucas palavras, mas garante que desconhecia
completamente o violino e a música clássica.
Já Márcia Oliveira, 16 anos, é mais espontânea e revela que
o contrabaixo foi essencial para ela se identificar com o estilo clássico.
“Antes, eu achava este tipo de música muito chata, gostava de qualquer uma,
menos essa. Hoje, eu amo”, resume.
Antes, sem norte, tendo a convivência diária com a situação
de risco e vulnerabilidade social, os alunos agora insistem em ampliar os
sonhos. Em casa, o diálogo com os pais está fluindo e eles não deixam escapar
os desejos futuros. “Minha filha [Ana Vitória, nove anos, matriculada no
terceiro ano, e integrante do coral] quer ser veterinária e artista e meu filho
[Wedney, com 12 anos, matriculado no 6º ano e também vocal] quer ser delegado e
inventor”, revelou Ana Santos, que não esconde a surpresa com as transformações
que o projeto trouxe ao lar.
Texto e imagem reproduzidos do site: infonet.com.br/cultura
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