quinta-feira, 29 de janeiro de 2015

Orquestra Jovem: realizações através da música clássica.




Fotos: Cássia Santana/Portal Infonet

Infonet - Cultura - Especial - 28/01/2015.

Orquestra Jovem: realizações através da música clássica.
Projeto descobre grandes talentos infantis no Santa Maria.

Ser erudito é uma questão de oportunidade. Esta é a constatação prática dos músicos mirins que integram a Orquestra Jovem de Sergipe, um grupo formado por 100 crianças e adolescentes com faixa etária entre os sete anos e 17 anos, oriundos de escola pública e de famílias de baixa renda do bairro Santa Maria, em Aracaju. Eles descobriram a música clássica um tanto por acaso e atualmente se dedicam a verdadeiros concertos que enchem os olhos e ouvidos de qualquer cidadão com sensibilidade musical.

A Orquestra Jovem de Sergipe nasceu de uma iniciativa da secretaria Estado de Cultura em sintonia com o então governador Marcelo Déda. Mas a burocracia emperrou e a efetiva implementação só ocorreu dois anos depois, no início do ano passado, a partir da aprovação do Ministério da Cultura.

O processo seletivo pareceu difícil devido à falta de contato do público alvo com a música clássica. Mas, o interesse da garotada pelo projeto causou espanto: 350 candidatos se apresentaram. “Tive que fazer uma seleção e aí foi muito difícil escolher os 100 melhores porque este povo é muito musical”, confessa o maestro. Muitos alunos foram incentivados pelos pais, embalados pelo auxílio do Governo no valor de R$ 100 que a família recebe pela participação do aluno no projeto e não pela proposta de estudar os clássicos.

Mas, em apenas um ano, a garotada toda, assim como a família e até os vizinhos, foi contagiada pela sensatez do maestro Márcio Rodrigues e as transformações tornaram-se visíveis nos gestos, nos olhares e até no comportamento em sala de aula. Atualmente, o projeto continua em andamento, foi ampliado e ganhou voluntários, sem evasão. No dia 22 de dezembro do ano passado, depois de dez meses de aulas práticas e teóricas, o grupo se apresentou em público pela primeira vez com o Concerto Natalino, regido pelo maestro Márcio Rodrigues, que mescla a música clássica com o estilo pop.

Quando questionados sobre o sentimento em participar da orquestra, a resposta se resume em quatro letras: “amor”, como conceituou Matheus Barbosa, com dez anos de idade, aluno do 5º ano, dedicado à viola na Orquestra. “Hoje, se não tivesse o dinheiro, eu continuaria sim no projeto”, diz o contrabaixista Éverton Vitor de Sá, 17, aluno do segundo ano.

“Violoncelo me escolheu”.

O projeto revela histórias surpreendentes. “Definitivamente não gostava de música clássica, mas vi que é algo interessante e fico impressionada em ver que, em menos de um ano, eles conseguem tirar a melodia destes instrumentos. É realmente algo novo e trouxe melhoria de vida para todos”, opina a dona de casa Ana Santos, constatando aquilo que o maestro considera como mudança de paradigma.

Outros pais, que admiram o estilo musical, veem no filho a oportunidade de realizar sonhos. “Para mim, este projeto foi uma realização de um sonho meu, sempre gostei de música clássica”, desabafa a dona de casa Carina de Jesus Santos, 28, mãe de Wislayne Carolina de Jesus Soares, de nove anos, que integra o coral da orquestra. Evangélica, acostumada a cantar na igreja, a filha também aprova a iniciativa. “Este projeto é muito importante pra mim”, resume.

O primeiro contato com os instrumentos [grandes e estranhos, para a grande maioria] foi emocionante. Júlia Isabel Correia Santos, 16, ouviu falar do projeto, teve interesse, mas quase desistiu quando constatou que havia vaga apenas para o violoncelo. “Foi o violoncelo quem me escolheu”, diz. “A gente ficou assim se encarando, mas hoje... Hoje eu morro de saudade. Sem ele, fico depressiva, sozinha, vou pra casa triste”, diz Júlia.

Dedicação e entusiasmo.

Os componentes passaram o ano de 2014 dedicados, levando os instrumentos para casa e impressionaram a vizinhança, que também desconhecia aqueles “monstruosos objetos”. Lucas Soares, com 16 anos e aluno do 2º ano, encantou a comunidade quando chegou em casa carregando o contrabaixo. “Era um sacrifício para passar na porta de casa e meus vizinhos, tudo espantado, vieram perguntando o que era aquilo”, lembra.

Atualmente, os vizinhos que desconheciam o contágio das notas musicais fazem linha de frente para aplaudi-los. Antes do projeto, em Lucas, a música se resumia aos estrondosos paredões e arrocha. “Hoje gosto sim de música clássica, mas também dá pra tocar arrocha”, brinca.

Com esta influência, os sonhos dos garotos também se ampliaram. “Hoje tudo mudou. Eu nem gostava de música, de nenhum ritmo. Hoje, a sensação é muito boa. A música clássica é diferente”, resume Mikaele Batista Santos, 15 anos, matriculada no segundo ano e uma das vozes que encanta o coral da Orquestra Jovem.

O pedreiro Gineton Cruz Santos, 41, pai de Mikaele, que também desconhecia este tipo musical, não esconde a satisfação em assistir os concertos que o maestro promove com a orquestra e comemora os resultados práticos que tem a feliz oportunidade de acompanhar e conviver. “Antes minha filha era meio relaxada. Hoje, depois da orquestra, ela tem mais responsabilidade e estuda mais”, conta.

Isaías da Conceição, 12 anos, enfrentou muitas dificuldades, em alguns momentos perdeu a esperança, mas se tornou um dos melhores violinistas da Orquestra. Esqueceu os problemas familiares, recebeu apoio de uma outra família e, recentemente, foi contemplado com o presente dos sonhos: um violino.

O presente é resultado de uma doação à Orquestra feita por uma psicóloga, que pediu para se manter no anonimato. O maestro optou por doá-lo diretamente ao aluno a partir do critério do talento e da dedicação. Discreto e tímido, Isaías é de poucas palavras, mas garante que desconhecia completamente o violino e a música clássica.

Já Márcia Oliveira, 16 anos, é mais espontânea e revela que o contrabaixo foi essencial para ela se identificar com o estilo clássico. “Antes, eu achava este tipo de música muito chata, gostava de qualquer uma, menos essa. Hoje, eu amo”, resume.

Antes, sem norte, tendo a convivência diária com a situação de risco e vulnerabilidade social, os alunos agora insistem em ampliar os sonhos. Em casa, o diálogo com os pais está fluindo e eles não deixam escapar os desejos futuros. “Minha filha [Ana Vitória, nove anos, matriculada no terceiro ano, e integrante do coral] quer ser veterinária e artista e meu filho [Wedney, com 12 anos, matriculado no 6º ano e também vocal] quer ser delegado e inventor”, revelou Ana Santos, que não esconde a surpresa com as transformações que o projeto trouxe ao lar.

Texto e imagem reproduzidos do site: infonet.com.br/cultura

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