Imagem - Acervo UFS
Reproduzida pelo blog, para ilustrar o presente artigo
Texto publicado originalmente no site PRIMEIRA MÃO, em 27 de
março de 2016
A queima de arquivos do "Centro Acadêmico Sílvio
Romero" da Faculdade de Direito da UFS
Por Afonso Nascimento*
Em 1964, no primeiro sábado depois do golpe militar, aconteceu
um fato que merece registro para os interessados na história da Faculdade de
Direito (atual Departamento de Direito da UFS) e do regime militar em Sergipe.
Segundo revelou, na última quarta-feira, à Comissão Estadual da Verdade a
advogada Laete Fraga, teve uma queima de arquivos do Centro Acadêmico Silvio
Romero (CASR) na residência do diretor da faculdade, o professor Gonçalo
Rollemberg Leite.
A importante advogada sergipana tinha sido convidada pela
referida comissão para relatar sobre a sua participação como advogada de Edgar
Odilon na Justiça Militar em Salvador. Livreiro, ele não era membro do PCB,
mas, como tinha emprestado a sua caixa postal para receber e repassar
correspondências e jornais procedentes da direção da organização clandestina sediada
no Rio de Janeiro. Por conta disso, foi preso e torturado no Quartel do 28 BC,
em 1976, por ocasião da Operação Cajueiro. Fazendo curta uma longa história,
ele foi absolvido.
Adiante, no seu depoimento, a advogada Laete Fraga falou que
era muito próxima do professor Gonçalo Rollemberg Leite e que, como estudante,
frequentava a sua casa, de onde muitas vezes saía com pilhas de livros para
ler, emprestadas do diretor. Disse também que não se interessava por política.
Pois bem, com o golpe militar, o diretor lhe pediu que fosse, juntamente com um
funcionário chamado “Seu” Jonas e o estudante de Direito Ildo Nascimento (então
funcionário do Banco do Nordeste), buscar arquivos estudantis do centro
acadêmico da Faculdade de Direito, os quais foram queimados nas dependências da
casa do citado diretor. Não foi lhe perguntado nem informou a advogada sobre o
conteúdo dos arquivos, nem como foi feita a sua seleção ou se recebeu qualquer
orientação a respeito do que selecionar.
Qual é o significado desse gesto do conhecido diretor?
Vários autores o descrevem como um homem conservador, mas sempre acrescentam o
seu papel na proteção dos estudantes de direito nos tempos do regime militar. O
falecido historiador Luiz Antônio Barreto chegou mesmo a chamá-lo de “portal
moral”.
Tomando essa iniciativa, o velho diretor temia, pode-se
concluir, que a faculdade de direito – em cujas dependências estava o CASR -
pudesse ser invadida pelos militares e que nos arquivos estudantis poderiam ser
encontrados documentos comprometedores na leitura que os militares poderiam
fazer deles. Havia razões para pensar assim? É muito razoável pensar que sim.
Em 1964, era presidente do centro acadêmico o mais tarde governador Albano
Franco.
Como devemos interpretar esse gesto do professor Gonçalo
Rollemberg Leite? Como um ato de um homem conservador que, ainda assim, estava
preocupado com o que poderia acontecer a estudantes de faculdade de que era
diretor e professor e que, por isso, queria protegê-los? Pensamos que sim. Ou o
que mais poderia significar?
Olhando retrospectivamente, porém, temos que admitir um
problema: foi queimada a memória da instituição estudantil relativa a um
período de treze anos (1951-1964). Nesse caso, a nobreza do seu gesto nos
parece mais importante do que a referida documentação. Parece que o mencionado
diretor teve de lidar com o seguinte dilema: era mais importante preservar
estudantes de direito contra possíveis ameaças as suas vidas ou tocar fogo na
documentação cujo conteúdo, sabe-se lá, poderia trazer dificuldades para a estudantada?
Ele fez sua escolha.
PS: Outro caso de queima de arquivos foi realizado por
estudantes da UFS, ligados ao PC do B nos estertores do regime militar. Segundo
registros escritos, esses arquivos diziam respeito ao trabalho da Assessoria
Especial de Segurança e Informação comandada pelo senhor Hélio de Souza Leão.
* Professor de Direito da UFS
Texto reproduzido do site: primeiramao.blog.br
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