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Texto publicado originalmente no site do JORNAL DO DIA, em 06/11/2019
Em busca do tempo perdido
Por Rian Santos
Há dias, folheio as crônicas de Amaral Cavalcante, como se
tivesse o amigo sempre à mão, pronto para dois dedos de prosa. Abro o livro ao
acaso, grato pelo seu peso e a forma palpável de Literatura. Assim, em estado
de palavra aquietada no papel, a conversa flui às mil maravilhas, livre de
interrupções, obediente a todas as vírgulas da hierarquia. Há o mestre e também
o aprendiz. Um burro fala, o outro abaixa a orelha.
'A vida me quer bem', o tal volume de crônicas, consiste em
um verdadeiro acerto de contas entre o poeta e ele mesmo. Só agora, coroado
pelos cabelos brancos, senhor dos próprios feitos, Amaral consente em ser
carregado num andor de procissão, sob o pretexto de uma publicação bem cuidada.
O gosto pelo aplauso sempre existiu, claro, desde o lançamento de 'O instante
amarelo'. Mas este não parece o caso de um autor à cata de elogios. A julgar
por tudo o que já fez e ainda faz, Amaral anseia mesmo é pelo amor de sua
gente.
Os homens passam, infelizmente. Mas os livros ficam. Alguém
que queira falar de Amaral, dizer aos homens incrédulos de um futuro distante
como se viveu e amou a certa altura dos trópicos e dos acontecimentos, terá
estas crônicas a disposição. Uma coisa é ouvir dizer de uma vez, um verão.
Outra, muito diferente, é reviver a Atalaia dos anos 70/80 no rastro das
fragrâncias e perfumes evocados pelo poeta.
Em busca do tempo perdido, Amaral enfrenta o mar aberto das
saudades a braçadas de náufrago. Em cada fase, um gemido diferente. Infância,
juventude, maturidade. Ao contrário de Proust, no entanto, ele jamais se
permite a abusar do leitor, varar páginas e mais páginas em êxtase. Nada disso.
À tentação beletrista derivada de uma vida inteira de leitura criteriosa, o
cronista responde com um humor todo seu. Os leitores agradecem.
'A vida me quer bem' tem o valor de uma promessa cumprida.
Dispersa em posts no Facebook, onde o poeta reencontrou o bulício de uma
Aracaju cheia de vida sob as vestes tristes de algoritmo, a literatura preciosa
de Amaral ainda carecia do apelo sensível de um corpo físico, suscetível aos
dedos sujos de uns e outros na confusão das prateleiras.
O lançamento da obra será realizado hoje, às 18 horas, na
Sociedade Semear (rua Vila Cristina, 148).
Texto reproduzido do site: jornaldodiase.com.br
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