quinta-feira, 7 de novembro de 2019

Livro de crônicas de Amaral Cavalcante

Divulgação

Texto publicado originalmente no site do JORNAL DO DIA, em 06/11/2019

Em busca do tempo perdido
Por Rian Santos

Há dias, folheio as crônicas de Amaral Cavalcante, como se tivesse o amigo sempre à mão, pronto para dois dedos de prosa. Abro o livro ao acaso, grato pelo seu peso e a forma palpável de Literatura. Assim, em estado de palavra aquietada no papel, a conversa flui às mil maravilhas, livre de interrupções, obediente a todas as vírgulas da hierarquia. Há o mestre e também o aprendiz. Um burro fala, o outro abaixa a orelha.

'A vida me quer bem', o tal volume de crônicas, consiste em um verdadeiro acerto de contas entre o poeta e ele mesmo. Só agora, coroado pelos cabelos brancos, senhor dos próprios feitos, Amaral consente em ser carregado num andor de procissão, sob o pretexto de uma publicação bem cuidada. O gosto pelo aplauso sempre existiu, claro, desde o lançamento de 'O instante amarelo'. Mas este não parece o caso de um autor à cata de elogios. A julgar por tudo o que já fez e ainda faz, Amaral anseia mesmo é pelo amor de sua gente.

Os homens passam, infelizmente. Mas os livros ficam. Alguém que queira falar de Amaral, dizer aos homens incrédulos de um futuro distante como se viveu e amou a certa altura dos trópicos e dos acontecimentos, terá estas crônicas a disposição. Uma coisa é ouvir dizer de uma vez, um verão. Outra, muito diferente, é reviver a Atalaia dos anos 70/80 no rastro das fragrâncias e perfumes evocados pelo poeta.

Em busca do tempo perdido, Amaral enfrenta o mar aberto das saudades a braçadas de náufrago. Em cada fase, um gemido diferente. Infância, juventude, maturidade. Ao contrário de Proust, no entanto, ele jamais se permite a abusar do leitor, varar páginas e mais páginas em êxtase. Nada disso. À tentação beletrista derivada de uma vida inteira de leitura criteriosa, o cronista responde com um humor todo seu. Os leitores agradecem.

'A vida me quer bem' tem o valor de uma promessa cumprida. Dispersa em posts no Facebook, onde o poeta reencontrou o bulício de uma Aracaju cheia de vida sob as vestes tristes de algoritmo, a literatura preciosa de Amaral ainda carecia do apelo sensível de um corpo físico, suscetível aos dedos sujos de uns e outros na confusão das prateleiras.

O lançamento da obra será realizado hoje, às 18 horas, na Sociedade Semear (rua Vila Cristina, 148).

Texto reproduzido do site: jornaldodiase.com.br

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