Eu faço uma Aracaju melhor – Almir.
Na última semana, no 18º andar do Edifício Estado de Sergipe
(Maria Feliciana), em Aracaju, fomos recebidos com o mesmo carinho e atenção
que você sente quando o vê, pessoalmente ou na mídia. Sentado em sua mesa de
trabalho, Dr. Almir tem ao alcance dos olhos e das mãos os mais de 30 troféus e
placas de homenagens que recebeu nos últimos anos. O número exato, ele já não
sabe mais. E olhando para elas ele entende por que não pode parar.
A infância muito pobre foi marcada pela esperança de dias
melhores. Filho de um motorista e uma costureira, ele encontrou no incentivo
dos pais, no estudo e nas brincadeiras de ser médico, o alimento para o sonho.
E não é difícil acreditar em sonhos conhecendo a história deste “sergipano de
Aracaju, com muito prazer e muito orgulho”, José Almir de Santana.
Estudou no Colégio Estadual Atheneu Sergipense e não duvidou
ao se inscrever no vestibular para medicina da UFS. Entrou de primeira. Aos 60
anos, completados no último dia 31 de janeiro, os cálculos mostram que Dr.
Almir já dedicou quase metade da vida a ajudar outras pessoas a partir do
ofício que escolheu. E continua. Entre aulas para os jovens (que ele adora),
palestras, ações, eventos, visitas e entrevistas, a agenda é apertada até mesmo
para a família. Sobre a esposa e os filhos, Almir confessa: ‘Eles aceitam
minhas ausências, entendem o meu trabalho e a minha luta. Eles me aceitam como
eu sou.’
Em 1987, quando diagnosticado o primeiro caso de Aids em
Sergipe, ele foi o único a dizer sim para o tratamento da paciente que,
infelizmente, veio a falecer. A partir dali, comprou uma briga que, já sabia,
seria muito grande. “A exposição tem um lado bom, porque eu posso chegar a mais
pessoas e informá-las, mas me custou um preço alto. Meu rosto lembra a Aids.
Pacientes particulares começaram a cancelar consultas ou por medo de pegar Aids
em meu consultório, ou por não serem vistas entrando e saindo de lá. Tive que
fechá-lo. Eu paguei caro. Minha escolha pela saúde pública me custou o apelido
de bobo. Não foi tão maravilhoso pra mim. Foi um impacto difícil.”
Não é apenas com os próprios conflitos que Dr. Almir tem que
lidar. A escolha lhe outorgou missões difíceis que ele, como ninguém, aceitou.
Ao narrar os tantos momentos em que abriu mão dos próprios desejos ou dos
momentos de lazer e conforto ao lado da família, ele parece se emocionar. As
situações são, todas elas, motivadas pelo preconceito. Encontros em praças no
interior do estado, durante a madrugada, para que o remédio pudesse chegar a
quem precisava dele. Resultados entregues em carros durante a noite para que
ninguém pudesse notar reações. Preconceito que já o levou à delegacia para
protestar contra a arbitrariedade dos próprios policiais, entre tantos outros
casos.
Em uma dessas histórias, Dr. Almir se lembra de um paciente
de quem cuidou até o fim. “Diagnosticado com HIV, ele foi abandonado pela
esposa e pela família. Ela me disse que, quando ele morresse, não faria nada.
Caberia a mim fazer o funeral.” Entendendo ser aquele apenas um momento de
revolta, Dr. Almir desconsiderou o aviso da mulher. Algum tempo depois, o
paciente faleceu. Quando entrou em contato com a família, ouviu uma reposta
lacônica: ‘o senhor se lembra do nosso acordo?’. Ele desabafa: “Foi muito
triste pra mim. Eu até entendo a revolta da mulher, que também foi infectada,
mas não acho que alguém possa ser ‘jogado fora’ desta forma. Fiz o enterro
sozinho e soube, naquele momento, que a pessoa com Aids não tem o direito nem
de morrer com dignidade. Lamentavelmente ela também veio a falecer, igualmente sozinha.”
Apesar dos vários convites para trabalhar em outros estados,
para Dr. Almir viver em Aracaju é uma decisão final e inegociável. É aqui que
ele quer ficar. “A minha paixão por Aracaju é muito forte, e sei que aqui já
ajudei muita gente. Quero continuar trabalhando e lutando pelos sergipanos de
forma séria e respeitosa. Em momentos de desânimo eu já quis parar, recuar. Mas
sempre que estou desanimando acontece um fato novo que me faz querer continuar
a enfrentar. O reconhecimento popular me motiva, assim como a equipe e os
parceiros que fazem esse trabalho acontecer. Mas o que me motiva mesmo é o
benefício às pessoas que vivem com HIV/Aids. São pessoas frequentemente
discriminadas. Continuo lutando, principalmente, por eles.”
Ao encerrarmos a entrevista, perguntamos a Dr Almir que
mensagem deixaria para aqueles que desejam uma Aracaju melhor. Ele não deixou
uma mensagem; fez um pedido:
“Faça o seu papel. Dentro da sua atividade, seja qual for a
opção, faça o seu papel. Basta isso. Ajude a quem precisa, ajude os
necessitados. Olhe para a pobreza. Se cada um fizer o seu papel, Aracaju
avança.”
Foto e texto reproduzidos do site: e-sergipe.com
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