Infonet - Blog Luíz A. Barreto - 02/02/2006.
Mudança de atitude.
Por Luiz Antônio Barreto.
A cultura pareceu, sempre, algo suspeito e só ganhava
visibilidade quando incomodava. Os artistas foram, durante muito tempo,
marcados, vigiados, patrulhados, censurados e pagavam caro pela liberdade e
ousadia exibidos em suas obras. Não era preciso o terror próprio das ditaduras,
para que as chamadas “manifestações do espírito” entrassem na alça de mira das
classes hegemônicas. Desertas de cultura, as sociedades periféricas sobreviviam
consumindo repertórios legados pela tradição ou aqueles preparados para ocupar
as mentes e corações das camadas crédulas e resignadas.
A produção cultural local e a valorização das artes
esbarravam na falta absoluta de estímulos, pois afinal a escolarização da
realidade deixava claro que não se devia escrever, mas apenas ler, não se devia
pensar, mas apenas repetir as frases lapidares, invariavelmente presentes como
pérolas de discursos, como fogos de vista, meramente de efeitos artificiais. E
no entanto, artistas, escritores, pensadores insistiam na luta pela cultura
local, desafiando os obstáculos. Há quem lembre, por exemplo, do esforço que o
poeta Freire Ribeiro fazia, junto aos amigos, aos conhecidos e até
desconhecidos, para vender os livros que editava, com sua poesia de festa.
Quando Aracaju verticalizou o modo de morar dos seus
habitantes, os prédios e condomínios de apartamentos receberam nomes
estrangeiros, de praias e lugares famosos, de pessoas ilustres e poderosas.
Também os logradouros públicos, praças, avenidas, ruas, onde nomes de vultos
locais apareciam com certa freqüência, passaram a prestar homenagens a
benfeitores de ocasião, como dirigentes de serviços públicos. Os conjuntos
habitacionais são a melhor prova: Eduardo Gomes, Assis Chateaubriand, Marcos
Freire, Castelo Branco, Médici, Costa e Silva, Fernando Collor, dentre outros.
Foi lento, muito lento o processo de mudança de atitude. As
reações, que são dignas de evocação, abriram caminhos para que crescesse entre
os sergipanos o sentimento de que sua cultura é um patrimônio inalienável, e
que dela depende a sua identidade. Algumas iniciativas devem ser lembradas,
como a da Caderneta Associação de Poupança e Empréstimo, que ditou um pôster
com imagem e texto de Aracaju, distribuindo-o por toda a cidade; a da empresa
de publicidade de Antonio Bonfim, que atendendo a conta do BANESE preparou um
Relatório com fotos e textos sergipanos; ou, ainda, algumas publicações que
seguiam as trilhas abertas por Armando Barreto, o editor do Cadastro de
Sergipe, e trataram das coisas da terra, tendo como promotores Clodoaldo de
Alencar Filho, Benvindo Sales de Campos, Elio Rodrigues, dentre outros.
É preciso, agora, realçar o que vem fazendo as construtoras
e incorporadoras, dando nomes sergipanos aos seus luxuosos condomínios e
edifícios. A NORCON, por exemplo, vem prestando homenagens figuras públicas e a
políticos que deram a contribuição esclarecida, ao Estado e ao País, como o
médico Costa Pinto, o Padre Arnóbio Patrício de Melo, que foram vereadores, o
advogado Jaime Araújo, o médico Otávio Martins Penalva, o empresário Oviêdo
Teixeira, que foram deputados estaduais, o acadêmico Seixas Dória, que foi
brilhante parlamentar e governador do Estado, dentre outros nomes igualmente
dignos do panteão da posteridade.
Hoje as artistas sergipanos gravam seus discos, editam livros,
ocupam as cátedras universitárias, transitam pelo País trocando experiências,
demonstrando o nível da cultura local. Não é preciso mais emigrar para ser
reconhecido. O santo de casa já faz milagres. O sucesso da banda Calcinha
Preta, no Brasil todo, serve de exemplo, mesmo abstraindo o modelo que ela
segue.
Neste ano de 2006, especialmente, a cultura sergipana
recebeu um reforço que é digno de todos os louvores. A Escola Superior da
Magistratura – ESMESE, o Tribunal de Contas do Estado, a Secretaria de Estado
da Cultura, a ENERGIPE prepararam Calendários de mesa com motivos locais. A
ESMESE selecionou 12 figuras de sergipanos ilustres, com nascimento ou morte
nos meses do ano, e publicou um lindo Calendário, com foto e verbete biográfico
dos intelectuais escolhidos; o Tribunal de Contas organizou seu Calendário com
o próprio e belo acervo de obras de artes sergipanas, recentemente expostas na
Galeria em que foi convertido o hall do TC; a Secretaria de Estado da Cultura
deu visibilidade as unidades culturais de sua estrutura, destacando o Arquivo
Público, a Biblioteca Epifânio Dória, os Museus, Galerias, os Teatros Tobias
Barreto, Ateneu e Lourival Baptista, centros culturais e memoriais, revelando a
imensa responsabilidade de gerenciamento do setor cultural do Estado; e a
ENERGIPE optou por mostrar os diversos olhares que os artistas sergipanos têm
diante da árvore de natal, que anualmente a empresa arma na Coroa do Meio. Os
aplausos vão, também, para Ilma Fontes e para outros solitários combatentes das
lutas culturais, que elaboraram agendas, calendários, exposições, editaram
livros, jornais, revistas, alimentando a idéia de liberdade intelectual para os
sergipanos.
Fotos e texto reproduzidos do site:
infonet.com.br/luisantoniobarreto
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