Publicado originalmente no site Ne Notícias, em 27/06/2016.
Ainda
restam alguns restos
Sorte a nossa que ainda temos um Murilo Mellins, um Raymundo
Mello, um Jairo Alves de Almeida, um professor Vilder Santos, um Armando
Maynard, e alguns outros ilustres sergipanos que continuam se preocupando com o
passado aracajuano e sergipano e fazem do memorialismo, escrito ou radiofônico,
uma salvaguarda do nosso tão belo e suntuoso relicário.
Não há relicário maior que a história de um povo, de uma
cidade, revelando retratos antigos e costumes esvoaçados ao vento. Nas paredes
do tempo, os instantâneos em preto e branco que não podem ser devorados pelo
próprio tempo. Ou se busca sua preservação ou se nega as próprias raízes, pois
a memória de um povo está na valorização do seu passado e seu contributo ao que
de melhor ainda é avistado no presente. Mas somente com abnegação para não
deixar que o descaso e o abandono apaguem tudo de vez.
Infelizmente, somente alguns se dão ao trabalho de afastar
as traças em nome da preservação e, muito mais, fazer conhecer ou reencontrar o
antigo sublime e majestoso. O professor Jairo Alves, por exemplo, a cada
domingo nos coloca diante de imponentes coretos para que as fanfarras ecoem
retretas de transbordar os saudosos corações. Talvez sequer não existisse mais
a Aracaju antiga se não fossem os contínuos registros feitos por Murilo
Mellins.
O professor Vilder possui tamanho aprofundamento na memória
que mais parece já estar por aqui desde os tempos do velho e tenaz cacique
Serigy. De tudo recorda, sabe de tudo, com esmero, em detalhes. Acaso pergunte
como era os primórdios do Beco dos Cocos e seus arredores e a vida noturna de
antigamente em cabarés como o Vaticano, Shangay e Miramar, Vilder é bem capaz
de dizer nomes de cafetinas, cafetões e daquelas mulheres tão mais formosas e
perfumadas do que muitas de agora.
Armando Maynard possui páginas na internet onde são
possíveis diversas leituras acerca do nosso relicário histórico. Fotografias de
antigas residências senhoriais, relatos sobre renomados radialistas,
jornalistas, repórteres e apresentadores de palco televisivo. Costumes,
tradições, festejos, sagrados e profanos, fatos e coisas que marcaram o
percurso sergipano. Também informações sobre os antigos rendez-vous, os mais
afamados, as orquestras que se apresentavam para uma sociedade endinheirada e
ávida pelo cangote de falsa francesa.
Mas não é nada alentador a preocupação com a memória da
cidade, com o seu passado, percurso e destino. Certamente que há mais
entristecimento e comoção do que alegria perante o que ainda se mantém
preservado. É que aquele que se preocupa com a memória da cidade infelizmente
se sente como afetado por uma punhalada toda vez que a modernidade ou o anseio
de lucratividade faz das relíquias históricas ou arquitetônicas um mero
brinquedo de derrubar ao chão.
Neste sentido, verdadeiros absurdos são observados a cada
dia. De um lado, de repente um antigo casarão ou sobrado deixa de existir pela
voracidade habitacional da cidade, que a tudo derruba para o surgimento de
prédios modernos. De outro, a incúria dos órgãos de preservação do patrimônio
histórico que, após o tombamento, nem cuida nem deixa ninguém cuidar. A Rua da
Frente é exemplo maior desse descaso oficial, pois muitas edificações tendem a
desabar a qualquer instante pelo fato de estarem sob proteção federal.
E o que aconteceu com o antigo casarão que por muito tempo
foi lar residencial e de poder da abastada família do usineiro Pedro Ribeiro e
posteriormente abrigou a Federação da Agricultura de Sergipe, na Rua Capela
esquina com Rua Geru, no centro da capital? Construção imponente, erguida para
simbolizar a abastança familiar, após passou a ser utilizada com outras
finalidades, mas sempre preservando grandiosa beleza arquitetônica nos seus
dois andares. Com a saída da federação, os usos posteriores foram deteriorando
os espaços até surgirem os primeiros sinais da fatal destinação.
Quando um muro foi levantado para impedir os acessos ao
antigo casarão, as paredes antigas, tanto interiores como exteriores, já
estavam em ruínas. Restava apenas uma placa dizendo “Casa da Agricultura”. Mas
noutro dia passei por lá e me espantei com a cena, pois tudo já derrubado e no
lugar da história a incerteza do novo. A culpa certamente não é do empresário
ou construtor que o adquiriu, mas de quem caberia preservá-lo para uma útil
destinação e acabou optando pela via do lucro imediato.
Mas ainda restam alguns restos. Felizmente sim, mas não se
sabe até quando. Não fossem as falsas paredes de acrílico que encobrem muitas
fachadas, ainda seria possível avistar antigas e belas formas arquitetônicas
por todo o centro comercial, principalmente na José do Prado Franco e
imediações e mais adiante, nas áreas dos mercados. Contudo, é na região dos
mercados que se apresentam as fachadas vivas, suntuosas, testemunhos maiores de
um tempo de nobreza aracajuana.
Ainda há tempo de preservar, de não deixar que a insaciável
modernidade se arvore do direito de tudo destruir. O antigo pode muito bem
acolher o novo sem ser destruído ou modificado nas suas formas. Os prédios da
Associação Comercial e da OAB são exemplos dessa responsabilidade histórica.
Ainda bem.
*RANGEL ALVES DA COSTA, advogado e escritor.
Acesse: blograngel-sertao.blogspot.com
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Texto e imagem reproduzidos do site: nenoticias.com.br
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