Publicado originalmente no site Na Política, em 20/07/16.
Benedito de Figueiredo revela memórias à Comissão Estadual
da Verdade
“Vivíamos na expectativa de como seria o amanhã. Não cheguei
a ser torturado fisicamente, mas psicologicamente. Essas coisas precisam ser
ditas para conscientizar a juventude de que, por pior que pareça um sistema
político, a democracia ainda é o melhor regime”, disse o secretário de Estado
de Governo, Benedito de Figueiredo, ao depor em mais uma sessão de oitivas da
Comissão Estadual da Verdade, realizada na manhã desta terça-feira, 19, no
auditório do Museu da Gente Sergipana. Também vítima do Regime Militar, ele
contou a experiência vivida, iniciando o relato com sua ligação com o movimento
estudantil que lutou contra a repressão da época, quando ingressou na faculdade
de Direito da Universidade Federal de Sergipe (UFS), em 1966.
Benedito afirmou que, apesar da ligação com amigos do PCB
(Partido Comunista Brasileiro), não era filiado, mas um simpatizante. O grupo
sergipano do qual fazia parte incluía componentes do movimento estudantil. Ao
participar do Congresso da UNE (União Nacional dos Estudantes), em Ibiúna, São
Paulo, foi preso junto com os também estudantes sergipanos Antônio Vieira da
Costa; Elze Maria; João Augusto Gama, Bosco Rolemberg; José Alves do
Nascimento; José Jacob Dias Polito, Laura Maria Tourinho, Wellington Mangueira;
Tina Correia e Ancelmo Gois. Na ocasião, eles fizeram greve de fome por três
dias, para que pudessem ser soltos, já que foram presos sem nenhuma explicação
ou motivação aparente.
“Em Ibiúna, joguei fora a minha carteira de funcionário
público. Não queria correr o risco de ser identificado nessa condição. Lá em
São Paulo, ficamos presos no presídio Tiradentes. Passamos por humilhações. Os
agentes davam chutes e nos agrediam verbalmente”, disse Bendito. Aqui em
Sergipe, o fato se repetiu. Desta vez, ele e os demais colegas de luta foram
levados para o 28º Batalhão de Caçadores (28º BC), onde ficou preso por 29
dias, durante as festas de final de ano.
“Tive minha casa invadida por policiais sem qualquer mandado
de prisão. O coronel Gildasio Barbosa, secretário de Segurança Pública da
época, ordenou que essas ações acontecessem. Invadiu as casas de muitos,
arbitrariamente. Peguei meus livros, também fornecidos por Wellington
[Mangueira], coloquei em uma sacola, fui para a casa da minha avó e enterrei.
Em termo de ‘material subversivo’, nada encontraram. Gama [João Augusto] também
escondeu os livros, mas atrás da geladeira. Era com sentimento de terror que
vivíamos. Todos nós sabemos a desgraça que foi a revolução de 1964 e a turma de
1966 da faculdade de Direito marcou a história de Sergipe”, ressaltou Benedito.
O secretário contou ainda, sobre a sua amizade e admiração
pelo companheiro de jornada, Wellington Mangueira. “Estávamos presentes em tudo
que dizia respeito à política. Fomos ao Congresso da União Sergipana dos
Estudantes Secundaristas (USES), em Lagarto. Lá houve um incidente que marcou
ainda mais a minha amizade, admiração e respeito por ele. Ocorreu uma desavença
com um rapaz, que, de maneira traiçoeira e covarde, o apunhalou pelas costas.
Um momento de trauma. As forças políticas se dividiram e aconteceram diversas
brigas ideológicas entre as facções. Terminamos esse congresso em Propriá.
Minha participação mais efetiva na política estudantil partiu daí, quando me
tornei tesoureiro da Uses”.
De acordo com a Comissão da Verdade, a rodada de oitivas de
julho é destinada às vítimas que atuaram com mais intensidade no período entre
1964 e 1968. Para o presidente da Comissão, Josué Modesto dos Passos Subrinho,
o ano de 1968 foi o ápice das grandes mobilizações, nas quais os militantes
eram estudantes secundaristas ou universitários. “O ano terminou com a
publicação do Ato Institucional número cinco (AI-5) e, a partir desse momento,
algumas entidades políticas radicalizaram, partindo para a luta armada. Os
casos mais predominantes em Sergipe passaram a atuar na via política legal,
através do MDB (Movimento Democrático Brasileiro), mas tentando solapar as
bases de legitimação política do Regime. É um contexto de depoimento
interessante, especialmente para a nova geração entender como funciona a
construção de um processo democrático dentro de um regime ditatorial”,
explicou.
Da ASN.
Texto e imagem reproduzidos do site: napolitica.com
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