Na terça-feira foi a Ceia do Natal
Na quarta- feira providenciou-se a agonia final do peru
dormido que chegara à mesa sem pescoço, qual um bólido explodido, sem a coxa
esquerda e com um rombo inusitado nas costelas, claudicante com a única coxa a equilibrá-lo
no prato, entre bandas de figo em calda e rodelas de kiwi. Foi devidamente
comido com um resto de macarrão pegajoso e rodelas de abacaxi fritadas na
manteiga, onde se acrescentou leves porções de arroz com passas e algumas
lentilhas. Como opções de sobremesa as gordurosas rabanadas da vovó ou o pudim
de leite condensado da titia, cuja receita, guardada como um segredo inviolável
aparecia descaradamente nos rótulos da Nestlé.
Na quinta foi a vez do resto do pernil de carneiro assado em
padaria, cravejado de azeitonas pretas e cravos da índia, coitado, apresentando
graves mutilações perpetradas à faca em sua anatomia, o que o deixara com
bizarras planitudes e quinas, como se fosse uma caixa de carne bastante
artificial com um osso dentro. Foi inteiramente comido com uma rançosa farofa
de manteiga quase intocada na ceia da terça, restando-lhe apenas um ignóbil
resto de papel laminado nas extremidades do osso a lembrar sua fantasia festiva
nos embates natalinos. Comeu-se de sobremesa farelos de Panetone, permitindo-se
ás crianças arrancar com as mãos os nacos restantes e a comê-los ferozmente com
divertida maleducação.
Na sexta a família mobilizada tomou de assalto à geladeira
da vovó e jogou no lixo a bandeja de salpicão azedado e o perigoso stogonof de
camarão com cogumelos enormes, que ameaçavam emergir para o cardápio da
família.
Preferiram um ovo frito com feijão.
Amaral Cavalcante- 2013
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