quinta-feira, 9 de janeiro de 2014

Na terça-feira foi a Ceia do Natal


Na terça-feira foi a Ceia do Natal

Na quarta- feira providenciou-se a agonia final do peru dormido que chegara à mesa sem pescoço, qual um bólido explodido, sem a coxa esquerda e com um rombo inusitado nas costelas, claudicante com a única coxa a equilibrá-lo no prato, entre bandas de figo em calda e rodelas de kiwi. Foi devidamente comido com um resto de macarrão pegajoso e rodelas de abacaxi fritadas na manteiga, onde se acrescentou leves porções de arroz com passas e algumas lentilhas. Como opções de sobremesa as gordurosas rabanadas da vovó ou o pudim de leite condensado da titia, cuja receita, guardada como um segredo inviolável aparecia descaradamente nos rótulos da Nestlé.

Na quinta foi a vez do resto do pernil de carneiro assado em padaria, cravejado de azeitonas pretas e cravos da índia, coitado, apresentando graves mutilações perpetradas à faca em sua anatomia, o que o deixara com bizarras planitudes e quinas, como se fosse uma caixa de carne bastante artificial com um osso dentro. Foi inteiramente comido com uma rançosa farofa de manteiga quase intocada na ceia da terça, restando-lhe apenas um ignóbil resto de papel laminado nas extremidades do osso a lembrar sua fantasia festiva nos embates natalinos. Comeu-se de sobremesa farelos de Panetone, permitindo-se ás crianças arrancar com as mãos os nacos restantes e a comê-los ferozmente com divertida maleducação.

Na sexta a família mobilizada tomou de assalto à geladeira da vovó e jogou no lixo a bandeja de salpicão azedado e o perigoso stogonof de camarão com cogumelos enormes, que ameaçavam emergir para o cardápio da família.
Preferiram um ovo frito com feijão.

Amaral Cavalcante- 2013

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