quinta-feira, 9 de janeiro de 2014

Relato de um neófito digital


Relato de um neófito digital

O pessoal daqui de casa não gostou muito da ideia. Afinal, uma enorme TV de plasma com opção de Facebook na internet instalada na parede frontal à minha cabeceira, ameaçaria o já negligenciado programa de exercícios fisicos, receitado pela medicina para aplacar o doloroso enrigecimento das juntas e outros achaques comuns a essa tal de “melhor idade” que a vida teima em me atribuir, reduzindo o sobe-e-desce cotidiano, da cama para o computador lá em baixo. Com Facebook disponível na cama, entre um cochilo e outro, quem iria me tirar de lá?

Tive que prometer assiduidade a uma Academia contratada há meses e que ainda não vira a cor das minhas meias soquetes, por absoluta ojeriza às conversinhas sem graça exigidas pela sociabilidade em tais recintos , por horror à visão de panturrilhas salientes em senhores de meia idade e pelo incômodo estético que me causam as rígidas bundas de estatuária pré colombiana em senhoras saiticas, adeptas da máxima que oferece a bunda como o que mais interessa à lubricidade nacional. Isto, sem falar no fervoroso odor dos desodorantes caros e perfumadíssimos, incendiados depois de três marombas. Prometi aderir e pretendo cumprir a promessa. Inclusive, comprei hoje um tênis que acende a apaga, para marcar presença luminosa neste meio.

Depois da TVzona devidamente instalada, fomos ao que interessa: fazê-la funcionar. A bicha logo me abrigou a convocar a sapiência digital de parentes e aderentes, cada quem se dizendo mais a par das instruções criptpografadas no exíguo manual cheio de álgebras e letrinhas miúdas que, à primeira vista, me pareceu uma Pedra de Roseta pós-moderna me remetendo aos cafundós do meu remoto aprendizado eletrônico, quando tudo era mais fácil. Sou de um tempo em que só era preciso girar o botão e o rádio falava! A maior dificuldade era esticar de novo o cordão do dial, fazendo-o parar na estação certa ou trocar, de vez em quando, uma válvula queimada. Contei isso aos meus ajudantes, mas eles nem me deram atenção, ocupados na clicagem do “menu”, absortos na tarefa de fazer útil a geringonça comprada. Foi-se o resto do dia neste mister.

Finalmente a imagem apareceu, maravilhosa, trazendo-me a sensação de presenciar um mundo novo, igual à que senti quando, no velho Cine Brasil, em Simão Dias, vi as Bigas de Bem Hur correndo sob o efeito Panavisiom, em Cinemascope, com o fôlego entrecortado de justa emoção e maravilhamento. Agora eu estava diante de um novo milagre da Philips, velha feiticeira tecnológica que eu aprendi a respeitar desde criança.

Fui com gosto aos desenhos animados com o seu exagerado colorido, de Bob Esponja aos Padrinhos Mágicos, do belo Hércules aos infernos de Puro Osso, evitando sempre os noticiários com seus horrores cotidianos, suas barrancas assassinas, suas mentiras políticas para nos encher o nariz de folha, seu apetite voraz pela má notícia. Dei um tempo da realidade explícita para suprir minha necessidade de cores brilhantes e apaziguadoras, naquela tela enorme que o mundo novo me propiciava.

Ainda não consegui acessar o Facebook, mas isto virá. Só falta ajeitar o hay fay daqui de casa. Me aguardem.

Amaral Cavalcante- 06/01/2014

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