Relato de um neófito digital
O pessoal daqui de casa não gostou muito da ideia. Afinal,
uma enorme TV de plasma com opção de Facebook na internet instalada na parede
frontal à minha cabeceira, ameaçaria o já negligenciado programa de exercícios
fisicos, receitado pela medicina para aplacar o doloroso enrigecimento das
juntas e outros achaques comuns a essa tal de “melhor idade” que a vida teima
em me atribuir, reduzindo o sobe-e-desce cotidiano, da cama para o computador
lá em baixo. Com Facebook disponível na cama, entre um cochilo e outro, quem
iria me tirar de lá?
Tive que prometer assiduidade a uma Academia contratada há
meses e que ainda não vira a cor das minhas meias soquetes, por absoluta
ojeriza às conversinhas sem graça exigidas pela sociabilidade em tais recintos
, por horror à visão de panturrilhas salientes em senhores de meia idade e pelo
incômodo estético que me causam as rígidas bundas de estatuária pré colombiana
em senhoras saiticas, adeptas da máxima que oferece a bunda como o que mais
interessa à lubricidade nacional. Isto, sem falar no fervoroso odor dos
desodorantes caros e perfumadíssimos, incendiados depois de três marombas.
Prometi aderir e pretendo cumprir a promessa. Inclusive, comprei hoje um tênis
que acende a apaga, para marcar presença luminosa neste meio.
Depois da TVzona devidamente instalada, fomos ao que
interessa: fazê-la funcionar. A bicha logo me abrigou a convocar a sapiência
digital de parentes e aderentes, cada quem se dizendo mais a par das instruções
criptpografadas no exíguo manual cheio de álgebras e letrinhas miúdas que, à
primeira vista, me pareceu uma Pedra de Roseta pós-moderna me remetendo aos
cafundós do meu remoto aprendizado eletrônico, quando tudo era mais fácil. Sou
de um tempo em que só era preciso girar o botão e o rádio falava! A maior
dificuldade era esticar de novo o cordão do dial, fazendo-o parar na estação
certa ou trocar, de vez em quando, uma válvula queimada. Contei isso aos meus
ajudantes, mas eles nem me deram atenção, ocupados na clicagem do “menu”,
absortos na tarefa de fazer útil a geringonça comprada. Foi-se o resto do dia
neste mister.
Finalmente a imagem apareceu, maravilhosa, trazendo-me a
sensação de presenciar um mundo novo, igual à que senti quando, no velho Cine
Brasil, em Simão Dias, vi as Bigas de Bem Hur correndo sob o efeito Panavisiom,
em Cinemascope, com o fôlego entrecortado de justa emoção e maravilhamento.
Agora eu estava diante de um novo milagre da Philips, velha feiticeira
tecnológica que eu aprendi a respeitar desde criança.
Fui com gosto aos desenhos animados com o seu exagerado
colorido, de Bob Esponja aos Padrinhos Mágicos, do belo Hércules aos infernos
de Puro Osso, evitando sempre os noticiários com seus horrores cotidianos, suas
barrancas assassinas, suas mentiras políticas para nos encher o nariz de folha,
seu apetite voraz pela má notícia. Dei um tempo da realidade explícita para
suprir minha necessidade de cores brilhantes e apaziguadoras, naquela tela
enorme que o mundo novo me propiciava.
Ainda não consegui acessar o Facebook, mas isto virá. Só
falta ajeitar o hay fay daqui de casa. Me aguardem.
Amaral Cavalcante- 06/01/2014
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