Do Blog Ser tão/Sertão.
Poço Redondo/SE. 29/07/2011.
Você conhece Poço Redondo?
Uma visão sobre o município de Poço Redondo através de
artigos e crônicas
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Pasmem, Poço Redondo Existe!
Por Rangel Alves da Costa*
Os mais velhos diziam e todos os relatos históricos
confirmam que nas longínquas brenhas do sertão sergipano, no mais escaldante
recanto do semi-árido de meu Deus, por entre serras, na vastidão dos mandacarus
e xique-xiques, bem nas ribanceiras do Velho Chico, um dia surgiu um andante,
depois mais um e mais um, que fixando-se no lugar construíram as primeiras
moradias daquele ermo distante, que foi fazenda, vilarejo, povoado e mais tarde
cidade. A esse lugar deram o nome de Poço Redondo, como referência a uma grande
cacimba existente no leito do riacho Jacaré " que circunda a cidade -,
onde os vaqueiros iam saciar a sede dos animais. "Onde vai cumpade?",
e o outro respondia: "Vou lá no poço redondo dar água ao gado". E
assim ficou: Poço Redondo.
Através da Lei estadual nº 525-A, de 23 de novembro de 1953,
Poço Redondo foi desmembrado do município de Porto da Folha e passou à
categoria de cidade, sendo termo judiciário da comarca de Gararu. A efetiva
instalação do município ocorreu em 6 de fevereiro de 1956, com a posse do
prefeito eleito no pleito de 3 de outubro de 1954, Artur Moreira de Sá, e cinco
membros da Câmara de Vereadores. Assim, depois de muitas lutas de suas
lideranças políticas, a localidade passou a ser regida pela Lei Orgânica dos
Municípios e pôde reivindicar dos poderes federais e estaduais as melhorias
necessárias para sua gente profundamente sofrida.
Com o passar dos anos e a evolução da municipalidade
brasileira, mesmo assim Poço Redondo continuou com "aquele ar de
antigamente", mínimo desenvolvimento estrutural e o contínuo sofrimento do
seu povo com a seca impiedosa. Não obstante tais aspectos, o município possui
características que não podem deixar de ser observadas.
Geograficamente, é o maior município do estado, com 1.212
km²; no seu chão está localizado o ponto mais elevado de Sergipe, que á Serra
Negra (Serra da Guia), com 742 m; de sua terra brota a nascente do rio Sergipe,
na Serra Negra; é o 11º município sergipano em números populacionais, com
29.879 hab. e o 17º em termos eleitorais, com 16.390 eleitores; conta com o
maior número de assentados do MST em Sergipe; foi cenário, em 1975 e 1976,
respectivamente, dos cinedocumentários para o Globo Repórter "O Último Dia
de Lampião" (de Maurice Capovilla) e "A Mulher no Cangaço" (de
Hermano Penna) e do premiado filme "Sargento Getúlio" (em 1985, de
Hermano Penna); foi o município nordestino que mais contribuiu com cangaceiros
para o bando de Lampião, num total de 23 poço-redondenses, entre homens e
mulheres; e foi em suas margens ribeirinhas, na Gruta do Angico, que Lampião e
Maria Bonita, juntamente com mais nove cangaceiros, foram massacrados pela
volante alagoana em 28 de julho de 1938, pondo fim ao ciclo do cangaço
organizado.
Como observado, por mais que autoridades governamentais,
estudiosos e pesquisadores, magistrados, jornalistas e todos "aqueles
estranhos ao mundo sertanejo" tentem ou queiram menosprezar a terra e o
seu povo, verdade é que Poço Redondo possui história, geografia, economia,
atratividade turística e, o que é mais importante, dignidade na humildade,
dignidade na luta e dignidade no caráter de sua gente.
Alertar sobre isso é uma necessidade imperiosa, vez que,
como dito acima, o município quase sempre é esquecido pelas autoridades
constituídas e por aqueles que formam a opinião pública. Somente nas tragédias
e nas calamidades é que se torna alvo das políticas assistencialistas (no pior
sentido da expressão) governamentais ou ganha volumoso e sensacionalista espaço
na mídia. Quem não se lembra, por exemplo, do ônibus que incendiou e explodiu
na pista que leva ao povoado de Santa Rosa do Ermírio, matando mais de vinte
pessoas; da ponte sendo destruída pelas águas do riacho Jacaré, causando mortes
ao longo do seu leito; da garotinha da Barra da Onça, bonita e de aspecto
triste, da fotografia de Sebastião Salgado; da mãe de família chorando porque não
tinha água nem alimentos para dar aos filhos; da farsa montada para mostrar
pessoas comendo palma numa dessas estiagens passadas; enfim, da necessidade de
mostrar que quanto pior melhor?
Outros fatos podem ser acrescentados para demonstrar o
menosprezo e a falta de respeito pelo município e sua gente, fatos que de
fininho saem do contexto local e alcançam vertentes muito mais amplas. Basta
citar mais uns três ou quatro exemplos: frequentemente os repórteres das
televisões afirmam que a Gruta do Angico está localizada no município de
Canindé do São Francisco; Poço Redondo é o único município do estado que não
possui uma rua sequer com seu nome em Aracaju, e isto é verdade que já foi
comprovada pelos Correios; a localidade já sediou três agências bancárias
(Banco do Brasil, do Nordeste e do Estado de Sergipe) e atualmente só conta com
uma agência do BANESE, e mesmo assim com a negativa perspectiva de fechar suas
portas; e, por último, o fato mais recente que se propagou, quando a
presidência do Tribunal de Justiça do Estado queria por que queria extinguir a
comarca do município (projeto neste sentido chegou a ser enviado ao legislativo
estadual) sob a alegação de que o lugar é muito pobre, distante da capital, as
carências são visíveis em todos os sentidos e os digníssimos magistrados em
início de carreira simplesmente não querem trabalhar lá. Em síntese, o TJSE vê
Poço Redondo como um estorvo, como uma ovelha negra que não necessita da tutela
judiciária estatal. Discriminação, preconceito, aversão ao sertanejo.
Mas tudo bem, os sertanejos de Poço Redondo são
suficientemente fortes para perdoar tudo isso. Eles só querem o que lhes cabe
de direito; só almejam possuir o suficiente para viver com dignidade; só querem
que os outros não queiram eliminar a felicidade construída no dia-a-dia,
molhados de lágrimas, queimados de sol. Ademais, colhendo das palavras do
Eclesiastes, os sertanejos sabem que para tudo há um tempo, para cada coisa há
um momento debaixo dos céus: há tempo para plantar e tempo para colher; tempo
para chorar e tempo para rir; tempo para viver com orgulho de ser tão sertão.
*Poeta e cronista.
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
blograngel-sertao.blogspot.com
Foto e texto reproduzidos do blog:
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