Foto reproduzida do site: itabi.infonet.com.br
Postada pelo blog Isto é SERGIPE, para ilustrar o presente artigo.
Publicado originalmente pelo site do IHGSE, em 25/07/2007.
Tempos de Ciência, Templos de Civilização ¹
Bacharéis em medicina e direito, engenheiros, militares,
professores, comerciantes e industriais formaram o corpo de intelectuais de
Sergipe no período 1910/1930. Esses autores, acomodados sob a proteção de
alguns oligarcas, ocuparam, em sua maioria, postos na burocracia local e
desdobravam-se na produção livreira e periódica em vários gêneros e espécies
literárias.
A movimentação desse grupo restrito concentrava-se na
capital, Aracaju, centro político, administrativo e financeiro do Estado,
vitrine para as mais recentes conquistas urbanas que o Rio de Janeiro e Paris
poderiam oferecer: o telefone, luz elétrica, água tratada, bondes, trem e
também, teatro, biblioteca e cinema.
Os intelectuais divergiam quanto ao credo religioso, as
formas de praticar a política e as conclusões acerca da “ciência moderna”. Mas,
concordaram que as transformações operadas nesses níveis de realidade indicavam
novo ritmo a ser vivido. Era a “civilização” que estava prestes a atropelar os
sergipanos.
Mas, para que o Estado (conquistasse, acompanhasse) se
apropriasse desse novo ritmo, era preciso recuperar o tempo perdido. Era
necessário instruir operários, alfabetizar trabalhadores do campo, fundar
escolas de nível superior, inventar a solidariedade, instituir a benemerência.
Para que a vaga civilizatória não passasse ao largo, era importante incentivar
a apreciação estética e a reflexão sobre ciência.
Esse entendimento estimulou a iniciativa particular
(tutelada pelo Estado) na fundação de instituições artísticas, literárias e,
entre elas, o Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe. Instalado em 1912, o
IHGS transformou-se no mais importante centro de debates científicos que se têm
notícia durante a primeira República.
Apesar de marcados pelas utopias iluministas do Instituto
Histórico e Geográfico Brasileiro, o IHGSE não poderia seguir os mesmos ditames
da matriz carioca. Isso implica dizer que o IHGSE manteve (em nível discursivo)
uma relação senão de confronto, pelo menos de crítica em termos de poder central.
O discurso era francamente federalista e as suas mais significativas atividades
estiveram voltadas para o resgate do espaço territorial sergipano, construção
de uma memória e a invenção de uma identidade para o Estado.
Esse “outro lugar” também foi marcado pela apropriação das
teses formuladas pelos conterrâneos ilustres, fundadores da Escola do Recife:
Tobias Barreto e Sílvio Romero. Uma ciência “moderna” e positiva, baseada na
observação, experiência e na indução. Um conhecimento com postulados extraídos
da biologia, sintetizando esquemas nem sempre intercambiáveis, como os de
Spencer, Haeckel e Ratzel. Essas (in)apropriações, por conseguinte, marcaram os
projetos d escrita da história sergipana no período, veiculados na Revista do
IHGSE.
O resultado desses lugares e interesses foi uma produção
dividida entre a atividade memorialística e a atividade historiadora
propriamente dita. Com função identitária, o IHGSE manteve ligação estreita com
o Estado, recebendo subsídios financeiros e garantindo a presidência honorária
da instituição para todos os governadores. De forma efetiva, colaborou na
descoberta, preservação e rememoração dos eventos fundadores de Sergipe e
participou ativamente do reconhecimento e defesa do território sempre que
solicitado.
Á medida que cumpria tais tarefas, o IHGSE acabou por
identificar os maiores problemas da sociedade local: o desprezo dos sucessivos
governos do “centro”, a falta d esolidariedade, a ignorância e a ausência do
espírito de iniciativa entre os sergipanos. Por fim, as práticas da
instituição, configuradas em suas reuniões semanais e nas páginas da Revista,
forjaram uma “sergipanidade” sintetizada na bravura dos soldados e políticos,
na visão progressistas de alguns dos governadores do Estado e, sobretudo, na inteligência
dos seus laureados poetas e pensadores.
Como produtor de conhecimento, o IHGSE empenhou-se na
escrita de memórias históricas e geográficas e na recolha de fontes sobre o
passado local. Em função do “lugar social”, predominnou a caracterização das
atas, cartas, decretos, relatórios oficiais, relatos de proprietários,
testamentos dos presidentes da província como objetos privilegiados para a
heurística, fazendo supor que a historiografia produzida pelos historiadores do
futuro seria, eminentemente, centrada nas ações individuais e na atividade
política.
Nas abordagens geográficas, pouca reflexão conceitual,
ênfase na descrição e classificação de acidentes. A intenção era auxiliar o
conhecimento do espaço geográfico para melhor defesa e aproveitamento dos
recursos naturais, com vistas ao desenvolvimento econômico e do Estado.
Em termos de historiografia, houve ênfase na produção de
biografias de políticos, pensadores e literatos, afirmando que o maiora produto
do menor Estado do Brasil era mesmo a sua inteligência.
Além do elogio, vigorou o estudo monográfico (apesar de
programadas, as sínteses não vingaram). As “memórias” predominantes
transformaram em objeto histórico a experiência de comunidades municipais e, em
menor grau, de grupos profissionais e religiosos.
Os sócios firmaram vícios e virtudes humanas como motor da
história e encarara a verdade clássica como princípio do historiador. Tais
resultados acabaram por contradizer os projetos iniciais do Instituto, baseados
em uma “ciência moderna”. A ação historicista, mais que uma proposta
epistemológica e também medotológica (não teorizada), impôs-se como
necessidade. O local teria que ser exaltado, conhecido e reconhecido. Era uma
questão de sobrevivência compreender e divulgar a experiência sergipana a
partir das informações geradas no próprio Estado.
Essa foi, em síntese, um pouco da experiência da “Casa de
Sergipe” no período regido pela geração fundadora, composta por homens como
Florentino Menezes, Prado Sampaio, Manuel dos Passos de Oliveira Telles, Luiz
José da Costa Filho, Francisco Antônio de Carvalho Lima Júnior e Elias do
Rosário Montalvão. Mas, ainda há muito para contar sobre as gerações
posteriores, notadamente, do período em que o Instituto transformou-se num
centro cultural e atende a dezenas de jovens estudantes ávidos por informações
sobre a terra de Tobias Barreto. Tendo completado noventa anos em 2002, o IHGSE
atende à comunidade de pesquisadores com carinho e aguarda auxílios para
sobreviver a mais noventa anos como o guardião da memória e produtor da
identidade sergipana.
Baseado na dissertação A “Casa de Sergipe”: historiografia e
identidade na Revista do Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe
(1913/1929), do Prof. Dr. Itamar Freitas, defendida na UFRJ em 2000. Publicado
em A Semana em Foco, Aracaju, 9 fev. 2003.
Texto reproduzido do site: ihgse.org.br
Nenhum comentário:
Postar um comentário