Foto: Renata Lohmann/Divulgação
Publicado originalmente no site do Jornal da Cidade, em 25/09/2017
“Eu me doo, você se dói, nós nos doemos”
Com empatia e uma sensibilidade a cada conto escrito, Michel
de Oliveira acaba de lançar o primeiro livro, intitulado ‘Cólicas, câimbras e
outras dores’.
Por: Gilmara Costa/ Equipe JC
É no encontro com a dor do outro, a qual ele não consegue
mensurar, mas escreve em vãos brancos de papel o que seria aquele incômodo,
sangrento por vezes, escondido em outros. Com empatia e uma sensibilidade a
cada conto escrito, Michel de Oliveira, cria sergipana que hoje reside em Porto
Alegre (RS), onde faz Doutorado, acaba de lançar o primeiro livro. Intitulado
‘Cólicas, câimbras e outras dores’, a publicação compartilha ansiedades, medos,
angústias nossas de cada dia. É sobre elas, o processo de criação, a revelação
do ‘eu’ e de ‘tus’, que o JORNAL DA CIDADE conversou com o jovem autor. Boa
leitura e dores compartilhadas!
JORNAL DA CIDADE - Que dores são essas acumuladas em
‘Cólicas, câimbras e outras dores’?
MICHEL DE OLIVEIRA - Acredito que sejam dores silenciadas,
das angústias que não se falam, de cenas tão ordinárias que são ignoradas.
Muitas das histórias giram em torno de um cotidiano nada espetacular, do dia a
dia que pode ser enfadonho, mas também cheio de experiências que são
extremamente significativas para a vida.
JC - Foi doloroso o processo de imersão, mais popularmente
falando ‘meter dedo na ferida’, e fazer escrever essas linhas de ansiedade,
angústias, agonia?
MO - O processo foi mais incômodo que doloroso, pois não
posso dizer que são dores minhas, isso seria muito cinismo. Melhor considerar
que foi uma tentativa de me aproximar das dores alheias, em um exercício
imaginativo e incompleto de entender as aflições do outro. É como se eu olhasse
a vida de alguém pela janela e me deixasse me afetar, sem fazer julgamentos. Ao
propor o tema das dores como fio condutor da obra, acabei me deparando com as
muitas dores silenciadas das mulheres, por isso maior parte das personagens são
femininas, o que me obriga a tentar compreender além de mim, de ser homem em um
mundo feito por e para homens. Nesse sentido, houve um choque pessoal ao contar
essas histórias, pois por mais que racionalmente discutamos a perversa condição
da mulher em nossa sociedade, tudo não passa de discurso. Então, me colocar
diante dessas dores fêmeas, ainda que como exercício de imaginação, me fez
repensar muitas coisas. E se na ficção isso já é incômodo, na vivência de carne
e osso, para a maioria das mulheres, é ainda pior.
JC - É você autor revelado ou escritos de ‘um segundo
tu’?
MO - Talvez o autor se revele quando se esconda e se mostre
quando tenta se esconder. Mas mais do que projeções do meu próprio eu na
história, creio que tem muito da minha visão de mundo, ou do que me incomoda
por não ser compreensível, ou que me choca por ser brutal, ou que me resigna a
aceitar a vida como é, com tantas incoerências. Então além do “eu” e do “tu”,
que sempre se fazem presentes, tem uma busca pelo “nós”, e as dores foram o
caminho para encontrar isso, o que é comum e que pode provocar alguma
aproximação. Tanto que um dos personagens questiona: “Quem te dói?”. Eu me doo,
você se dói, nós nos doemos, e por mais que as dores sejam sempre pessoais, o
fato de doer nos une. E talvez parar de negar que há, sim, muitos momentos
doloridos na vida, nos ajude a ter alegrias mais sinceras e risos menos
forçados.
JC - Há quanto tempo latejavam essas dores e que agora
chegam compartilhadas?
MO - O primeiro conto foi escrito em 2011, quando eu ainda
trabalhava como repórter, estando sujeito às mais variadas histórias, de
pessoas que comiam do lixo à mãe que presenciou o abuso da filha e teve que
ficar calada escondida no banheiro para que ambas não fossem mortas. No começo,
eram apenas rabiscos, que eu colocava no papel em noites de insônia, para
tentar dormir quando alguma ideia ficava ecoando na cabeça. Depois decidi levar
a brincadeira mais a sério e passei a organizar os contos que acabaram sendo
materializados no livro. Isso foi no começo de 2015, depois que terminei o
mestrado e fiquei com tempo livre. Quando consegui organizá-los, inscrevi o
original em concursos e recebi o convite das editoras da Oito e Meio para
publicá-lo.
JC - O livro foi uma forma de neutralizá-las?
MO - Além de ajudar a neutralizar as dores externas que se
juntavam às minhas próprias dores, foi uma tentativa de expor isso de alguma
forma, pois a ficção tem a estranha potência de ajudar a repensar nossa forma
de estar no mundo. Talvez gritar tantas histórias incômodas seja uma forma de,
paradoxalmente, tentar encontrar outras formas de existir que sejam menos
dolorosas.
JC - Ao mesmo tempo, o lançamento é mais uma dor
desconhecida? Tipo, uma dor de parto?
MO - Sim, o lançamento é um grande incômodo. É um processo
que me deixa vulnerável, pois ao mesmo tempo em que quero expor isso para o
mundo, tem a insegurança de apresentar algo seu para o julgamento público.
Sempre brinco que o lançamento é um parto, mas tenho consciência que é uma metáfora
cretina da minha parte. Mas se nascer alguma coisa desse processo e a cria for
muito mal-educada, a culpa não é minha, ela tem vida própria.
JC - Conquistar leitores sempre é um desejo, meta como
escritor ou a publicação é mais uma realização meramente pessoal?
MO - Aparentemente todo escritor oscila entre a exibição
narcísica e certo desejo de encontrar alguma acolhida e diálogo com o outro.
São forças bem contraditórias que motivam o processo de escrita e, mais ainda,
de juntar isso num livro e publicar. Se fosse só uma realização pessoal,
bastava imprimir e ficar contemplando a própria obra, ou escrever e guardar
para mim mesmo, como um diário. Aí é onde entra o desejo de acolhida, de querer
que essas histórias não morram em si, que também impactem o outro e faça nascer
algum diálogo. O livro não se basta, a história não está nas letras, mas no
fato de que alguém escreveu e outro alguém vai ler. É no encontro dessas duas
pontas que a obra nasce, por esse motivo que os leitores são tão importantes
quanto o autor. E o autor sempre espera que sua obra seja muito lida, pois
também é um exibicionista.
JC - Depois de Porto Alegre (RS), pretende fazer o
lançamento em outras cidades, especialmente em Sergipe?
MO - O lançamento em Porto Alegre aconteceu pela
precariedade financeira do autor, para usar um eufemismo. E, por sorte, aqui
encontrei amigos que apoiaram essa insanidade de me aventurar pela literatura.
Mas sou do calor e minha fala é cantada, sou enraizado no sertão e criado com
cuscuz, então espero, muito em breve, poder voltar para casa, e não só por
causa do livro, mas para matar a saudade do meu povo e comer muito acarajé e
tapioca.
JC - Há mais dores por vir?
MO - Sempre há dores por vir, inclusive no que se trata de
literatura, pois publicar um livro não é nada fácil em um país com índices tão
baixos de leitura. Mas há também muitas alegrias, um tanto de frustrações,
ilusões e esperanças, pois tudo isso faz parte da vida. Tem outras histórias em
andamento, muitos contos, que é meu principal gênero narrativo e, quem sabe, um
romance, por que não?
Texto e imagem reproduzidos do site: jornaldacidade.net
Nenhum comentário:
Postar um comentário