Publicado originalmente no site Sergipe Cultural, em
03/10/2016.
Bráulio do Nascimento, presença em Sergipe
Por Beatriz Góis Dantas*
Tornou-se comum homenagear figuras ilustres da terra por
ocasião do seu falecimento. Entretanto, muitos há que não tendo nascido nem
morado em Sergipe merecem reconhecimento pelo trabalho realizado em benefício
dos sergipanos.
Os que frequentaram o Encontro Cultural de Laranjeiras entre
1976 e 2007 lembram-se de Bráulio do Nascimento, cuja atuação como agente
cultural e pesquisador marcou o campo do folclore no Brasil por mais de 50 anos
e deixou em Sergipe importante contribuição no campo da cultura popular.
Nascido na Paraíba em 1923, fez carreira no Rio de Janeiro,
para onde se mudou ainda criança. Formou-se em línguas neolatinas e
interessou-se pelos estudos de folclore a partir da literatura oral. Em 1961,
foi trabalhar na Campanha de Defesa do Folclore Brasileiro (CDFB), órgão do
governo federal, do qual se tornou diretor em 1974 e permaneceu à sua frente
até 1982, quando já se transformara em Instituto Nacional de Folclore. Na sua
gestão, de conformidade com o projeto governamental de defesa do patrimônio
cultural envolvendo as expressões populares e associando-as ao turismo, Bráulio
deu ênfase aos congressos e festivais de folclore. Por outro lado, procurou
reativar a rede nacional dos folcloristas criada na década de 1940,
incentivando ou recriando antigas comissões estaduais, estabelecendo pontes
entre os estudiosos, os grupos folclóricos e o público.
Foi nesse contexto que Bráulio se voltou para Sergipe, dando
suporte institucional às demandas colocadas por intelectuais e autoridades
locais. Em 1976, discutia-se um evento cultural a ser realizado em Laranjeiras.
Ele, como diretor da CDFB, veio a Sergipe, onde contava com amigos como Luiz
Antônio Barreto e Jackson da Silva Lima, e viabilizou a criação do Encontro
Cultural de Laranjeiras, que teve a primeira edição em maio daquele ano. Esse
gesto inaugural foi decisivo, sendo repetido e ampliado nos anos subsequentes,
de modo que, sempre no mês de janeiro, aconteceram novas edições do Encontro
promovido pelo Governo de Sergipe, pela Prefeitura de Laranjeiras e com apoio
de muitas entidades, sendo capitaneado no plano local por Luiz Antônio Barreto.
O evento se tornou um grande sucesso e, no corrente ano, completou 41 edições
ininterruptas, com múltiplas atividades tendo como fulcro central a cultura
popular.
Homem afável e muito habilidoso no trato com as pessoas, Bráulio
conseguiu que alguns intelectuais, que faziam das expressões populares de
cultura tema de suas preocupações e escritos, se agregassem em torno da
Comissão Sergipana de Folclore (CSF) ressurgida em 1976 sob a liderança de
Jackson da Silva Lima, pesquisador laureado nacionalmente com o Prêmio Sílvio
Romero e trabalhador incansável que muito se esforçou para divulgar a produção
cultural local, contando com o apoio de Bráulio, empenhado em ampliar as
pesquisas referentes a folclore.
Ainda no I Encontro Cultural, além do Simpósio e das
apresentações de grupos folclóricos, foram lançadas publicações, como o álbum
de xilogravuras de Enéas Tavares e o número 4 dos Cadernos de Folclore. Este
era uma versão condensada do meu livro Taieira de Sergipe, publicado em 1972,
que se fazia acompanhar de pequeno disco compacto com o registro sonoro dos
cantos das devotas de São Benedito. Seguiu-se a publicação do material que eu
havia pesquisado entre grupos folclóricos de Laranjeiras – Chegança e Dança de
São Gonçalo – sendo editados textos e discos que integravam a coleção Cadernos
de Folclore e o Documentário Sonoro do Folclore Brasileiro, duas séries criadas
em sua gestão e publicadas pela Campanha por vários anos. A Revista Sergipana
de Folclore, órgão da Comissão estadual, da qual saíram três números (1976,
1978, 1979), também contou com o apoio de Bráulio, abrindo espaço para os
pesquisadores locais. Nela publicaram Aglaé Fontes Alencar, Beatriz Góis
Dantas, Jackson da Silva Lima, Luiz Antônio Barreto, Núbia Marques, Paulo de
Carvalho Neto e outros.
Em Sergipe, a CDFB, sob a direção de Bráulio, também apoiou
ou patrocinou cursos e jornadas realizadas em convênio com o governo, com a
Comissão Sergipana de Folclore ou com a Universidade, na qual chegou a ser
criada uma disciplina de folclore em 1976. Promoveu mapeamento das
manifestações folclóricas sergipanas, trabalho infelizmente não publicado;
possibilitou a qualificação de estudantes em cursos realizados na Fundação
Joaquim Nabuco em Recife, de onde retornavam para ocupar espaços nas agências
culturais do estado e do município. Significativamente, nos anos 80, há uma
floração de publicações resultantes dos levantamentos e registros realizados
sob o guarda-chuva dessas entidades governamentais.
A atuação de Bráulio em Sergipe, contudo, não se limitou
apenas a dar suporte material e fazer a articulação de várias atividades
relacionadas com o folclore. Ao longo dos anos, ele era presença cativa no
Simpósio, ora como palestrante, debatedor ou moderador nas Mesas Redondas, ora
como ouvinte atento e interpelante arguto entre os integrantes da plateia,
trazendo sempre um ensinamento novo, ampliando o conhecimento e elevando o
nível das discussões sobre os temas debatidos.
Quando deixou a direção do Instituto Nacional de Folclore
(1982), órgão que substitui o CDFB e que ele ajudou a estruturar, continuou a
visitar Laranjeiras anualmente. Era a figura mais querida e esperada do
Encontro Cultural, do qual participou durante 30 anos. Dedicou-se a organizar a
memória do evento. Em 1995, veio a lume volumoso documentário contendo dados
sobre os primeiros 20 anos do Encontro. No seu texto de abertura, recuperou em
linhas gerais a história do evento e fez a avaliação de sua importância para os
estudos de folclore, afirmando que “não é possível falar do desenvolvimento dos
estudos da cultura popular no Brasil sem passar por Laranjeiras”.
Entre 1995 e 1999, continuou como coordenador geral dos
Anais do Encontro Cultural, período em que a memória do Simpósio ficou
devidamente registrada em várias publicações. Anos mais tarde, quando o
Encontro completou 30 anos, Bráulio, então com 80 anos de idade e uma
vitalidade de fazer inveja a muitos jovens, presidiu a Mesa de Abertura do
Simpósio e assinou um texto rememorativo falando das origens e incorporando os
avanços dos últimos 10 anos.
Depois de 2007, Bráulio não mais voltou a Laranjeiras.
Porém, mesmo ausente, seu legado continua a pairar sobre todos, e não se pode
fazer alusão ao passado sem que a ele se faça referência. O Encontro Cultural
de Laranjeiras foi o grande contributo que Bráulio deu a Sergipe. Ajudou a dar
visibilidade aos estudos de folclore e a Laranjeiras, mas, antes de tudo,
contribuiu para a continuidade/recriação de grupos folclóricos, que entram na
construção da identidade local.
Por tudo isso, os sergipanos e os laranjeirenses, em
particular, são reconhecidos a Bráulio do Nascimento, a quem concederam títulos
de cidadania honorária. Sua morte ocorrida no Rio de Janeiro, no último dia 26,
trouxe tristeza aos amigos e aos que dividiram com ele as vivências no Encontro
Cultural de Laranjeiras, que ele ajudou a germinar, florescer, frutificar e
hoje continua a projetar a terra de João Ribeiro no cenário nacional.
* Mestra em Antropologia Social pela Unicamp, professora
emérita da UFS, membro da Academia Lagartense de Letras.
Texto e imagem reproduzidos do site: cultura.se.gov.br
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