Fotos: Anna Guimarães.
Publicado no site Expressão Sergipana, em 7 de março de
2016.
Seu Antônio, o empalhador de cadeiras da Atalaia
Por Anna Guimarães | Miss Check-in
Sem querer, acostumamos a andar com pressa, correndo aqui e
ali, com pouco tempo para olhar em volta. A gente acostuma a passar sem olhar,
a olhar sem perceber, a perceber sem se interessar.
Mas um dia, no stress do trânsito engarrafado, olhei para o
lado e vi aquela pessoa sentada na calçada sob o sol do meio-dia, disputando
com uma cadeira a pouca sombra de uma palmeira. Cuidadosamente, rendava com
palha o assento de uma cadeira antiga, daquelas que via na casa dos meus avós e
que as senhorinhas do interior colocavam na porta de casa para travar com os
vizinhos alguns dedos de prosa.
O trânsito retomou, alguém buzinou e eu segui no meu roteiro
do dia. Mas em um sábado qualquer, voltei. Parei e observei de perto o trabalho
minucioso daquelas mãos, recuperando fio a fio a beleza de móveis cheios de
lembranças.
Nesse dia, fui recebida com um sorriso largo e um convite
para sentar. Acomodada em uma cadeira de balanço, comecei a ouvir sua história
enquanto ele concluía mais uma peça. Cada mão com seu ofício!
Antônio Reis de Araújo nasceu em Recife, em 10/05/1952. De
família pobre, deixou as brincadeiras da infância na periferia da cidade para,
aos 14 anos, começar a trabalhar em uma fábrica de móveis no Bairro da Torre
(freguesia que abrigou a primeira manufatura de algodão do Pernambuco). Ali
aprendeu o ofício de empalhar cadeiras.
Aos 26 anos, contudo, entre uma cadeira e outra, descobriu o
vício. Por algum tempo viveu refém do alcoolismo. Perdeu dinheiro, perambulou
pelas ruas, até um dia decidir que não perderia para a ‘bebida’. Em 1978,
procurou ajuda no Alcoólicos Anônimos onde, além de superar a dependência,
passou a ajudar outras pessoas com seu exemplo. Tornou-se colaborador da
associação, levando sua experiência para muitos.
Em 1983, em busca de uma nova vida, decidiu vir para
Aracaju. De pronto, arrumou emprego na loja de móveis A Soberana, na Rua
Itabaianinha, próximo ao Calçadão das Laranjeiras. Passou apenas três meses na
loja e decidiu montar sua própria oficina. Alugou um pequeno ponto na Rua Santa
Catarina. Trabalhava no imóvel da frente e morava em um quarto de vila, atrás
do ponto comercial. Com o tempo foi se aproximando do centro da cidade. Saiu do
Bairro Siqueira Campos e montou sua segunda oficina na esquina da Rua Arauá com
a Rua Senador Rollemberg.
Segundo ele, trabalho não faltava, mas passou a enfrentar a
concorrência de empalhadores que trabalhavam nas ruas de Aracaju. Um outro
Antônio começou a empalhar cadeiras na pracinha do Iate Clube, na Av. Ivo do
Prado (esse já falecido), e outro empalhador estabeleceu seu ponto na calçada
da Igreja do São José. Seu Antônio diz que tinha uma boa clientela, mas
precisava pagar aluguel e as despesas do imóvel. Em 1996, decidiu deixar
oficina e trabalhar na rua.
Seu primeiro ponto foi na Rua Lagarto, em frente a
floricultura do Seu Fenelon. Permaneceu ali por alguns anos. Nesse meio tempo,
recebeu sua casa no Conjunto Orlando Dantas e, por algum tempo, manteve a
oficina em casa mesmo. Mas há dez anos voltou a trabalhar na rua. “Aqui sou
mais visto”, conta confiante. Conversou com o padre da Igreja Católica da
Atalaia e, desde então, empalha suas cadeiras no estacionamento da paróquia, na
sombra daquela palmeira, onde o encontrei, lá no início da matéria.
Nesse cantinho fez clientes e amigos. A todo instante alguém
para pra puxar assunto. Um cliente passa na avenida e buzina, lembrando que
semana que vem tem serviço. Não poderia ser diferente. Além de um artista da
palha, Seu Antônio é uma pessoa cativante, sempre com um sorriso simpático
pronto para atender quem se aproxima.
E por que eu te contei tudo isso? Muito provavelmente porque
daqui a alguns anos essa profissão e esse tipo de profissional estarão extintos
e eu não gostaria de carregar o peso de saber que tive a chance de conhecer um
deles e não o fiz. Memória é vida!
– Quem quiser conhecer o trabalho do Seu Antonio, ele está
todas as tardes, durante a semana, no estacionamento da Paróquia Bom Jesus dos
Navegantes, na Av. Antonio Alves (continuação da Av. Beira Mar), no Bairro
Atalaia, em Aracaju.
– Nosso personagem continua morando no Conjunto Orlando
Dantas. Vive há mais de 30 anos com Dona Célia, com quem tem dois filhos, que
não quiseram seguir seu ofício. Nunca mais voltou a beber, mas vai às reuniões
do AA toda semana e viaja para reuniões da Associação pelo Nordeste. Orgulhoso,
diz que já conheceu todas as capitais nordestinas com o dinheiro da sua palha.
– Esse post é parte do nosso projeto “POEIRA, PAREDES e
HISTÓRIAS“, que tenta resgatar as histórias e memórias de Aracaju – Sergipe.
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Texto e imagens reproduzidos do site:
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