Publicado originalmente no site f5news, em 08/03/2018
Eliane Aquino: Não posso deixar que pensem que serei Marcelo Déda
Por Will Rodriguez
O olhar aguçado que antecede a resposta
para algumas indagações logo lhe diz que, assim como aprendeu no ofício de
repórter fotográfica, talvez as palavras não sejam suficientes para exprimir
tudo o que se quer passar ao outro. Brasiliense de nascença, mas sergipana há
18 anos por ocasião da união com o ex-governador Marcelo Déda (in memorian),
Eliane Aquino, hoje vice-prefeita da capital, recebeu o F5 News para uma conversa
sobre a representatividade das mulheres na condução dos destinos do país. A
versão completa da entrevista, cujos pontos principais constam em reportagem especial, você confere
abaixo:
F5 News: O que passou dentro de Eliane quando se viu na política e
diante de uma disputa eleitoral?
Eliane Aquino: Me vejo dentro da política
militando desde os 15 anos em Brasília, e aqui foi muito tranquilo porque já
cheguei com Marcelo Déda prefeito e sempre tive muito orgulho da luta, da
militância ao lado dele, de fazer parte de um partido que tinha toda uma
concepção de cuidar das pessoas mais
carentes, dos trabalhadores. Sempre fui uma militante de coração muito
fortalecido nessa trajetória. Tinha orgulho
dele enquanto cidadã, de te der um gestor público como ele. Então, era
tudo muito bom porque não fazia parte da gestão municipal, mas acompanhava no
que poderia e estava dentro da construção da política ao lado dele sem nenhuma
decepção. Durante esse tempo tinha muita clareza de que não faria parte de
nenhum cargo eletivo, sempre imaginava ‘só basta um dentro de casa na política,
dois seria demais’. Não fazia parte dos meus planos.
F5: O que mudou essa
perspectiva?
EA: Depois da morte dele, comecei a ter uma pressão muito maior.
Já senti essa pressão no próprio dia em que o corpo dele chegou a Aracaju,
várias pessoas da população já começaram a me dizer “agora tem que ser você,
você tem continuar o trabalho dele”. Até então eu acha que isso era só naquele
momento, por conta do corpo dele estar ali, de as pessoas estarem muito
comovidas, todo mundo estava muito dolorido. Então achava que isso iria
passar.
F5: Em algum momento ele expressou a visão de que você seria uma
eventual sucessora?
EA: Antes da doença, às vezes, ele falava brincando. Quando
eu era secretária (de Inclusão Social) e queria resolver as coisas com ele em
casa, dizia que iria me colocar (na política) para ver como as coisas são, que
não são tão fáceis assim. Antes da doença, falávamos nisso sem seriedade no assunto, mas no momento do
hospital, quando ele já sabia do desfecho que teria, tentou conversar
comigo sobre isso e eu não permiti. Não foi nem pelo assunto, mas
pela perspectiva dele querer falar sobre o desfecho, eu falei de ‘jeito
nenhum’. E ele começou a fazer a leitura exatamente do processo que eu passei a
viver depois. Hoje eu me arrependo muito de não ter o deixado falar, teria me
feito muito bem ter escutado a opinião dele, teria me dado muito mais força em
todo o processo.
F5: Foi difícil quebrar essa resistência interna e decidir
disputar a eleição?
EA: Eu quebrei em partes porque num primeiro momento tive
muita resistência na eleição passada quando queriam me colocar como candidata a
prefeita. Por conta da minha vida familiar, eu disse ‘se eu tiver que entrar,
tenho que ir com calma para não dar um passo muito grande e desestruturar ou
uma coisa ou outra’. Essa minha resistência está sendo quebrada aos poucos e no
período da doença ele tentou conversar. Talvez eu não quisesse acreditar,
acreditava muito no milagre, esperei muito o milagre e achava que iria
acontecer, achava que esse milagre viria, ele iria se curar e a gente iria
voltar (para Aracaju). A partir da morte dele, ao mesmo tempo em que eu tinha
resistência, tinha um lado em mim dizendo que não poderia ser covarde com a
vida, falar da política o tempo inteiro e de sua importância, mas quando começo a ser cobrada pela população, me
acovardar e dizer não.
F5: O apelo criado pela associação constante do nome de
Marcelo Déda à sua imagem te incomoda? No sentido de ‘estão votando por causa
de Déda e não por quem Eliane é’?
EA: Isso não me assusta porque acho que a
gente teve tanta segurança ao longo da vida política dele e carrego muito dos
seus valores, isso é motivo de orgulho para mim.
F5: Vocês divergiram em algum
momento?
EA: Não. Ele era muito seguro, é claro que às vezes eu, muito mais
impetuosa, queria que ele fosse por um caminho, como secretária queria fazer
coisas para resolver mais rápido e ele falava ‘não é assim’. Uma das coisas que
ele fazia sabiamente era não confundir o trabalho com a vida. Ele sempre foi
muito sensato, coerente, mas ele segurava a onda. Tenho muito orgulho quando as
pessoas chegam para mim o tempo inteiro falando da falta que ele faz. Me
preocupa o fato de que estamos vivendo um
outro momento de país. Ele era um líder nato, esteve à frente de um
momento que era diferente e por mais que eu carregue muita coisa dele, que eu
tenha todo esse orgulho dele, não posso deixar que as pessoas pensem que eu
serei Marcelo Déda. Ele, para mim, foi único.
F5: Qual maior ensinamento do Déda
político para a Eliane política?
EA: Respeito ao erário público e o medo de
manchar o nome dele, essa era a base que ele dava para tudo. Em todas as posses
ele tinha uma frase em que prometia aos filhos que passaria pelas gestões deixando
o nome dele limpo. E assim ele fez, ocupou praticamente todos os cargos
eletivos, só faltou de senador e presidente da República, mas por onde passou
cumpriu o que prometeu. E tenho essa preocupação porque sei o que envolve e não
posso ser irresponsável nem comigo e nem com a vida dos sergipanos.
F5: O
desgaste da classe política em função dos escândalos de corrupção te
desestimula?
EA: O político, por mais serio que seja, muitas vezes está
desestimulado em todo esse processo, mas por outro lado, tem muita gente
séria também na política, mas essas
pessoas não se destacam, a gente não quer saber sobre essas pessoas, os casos
de corrupção se destacam muito mais e também é um erro nosso porque quem coloca
quem quer que seja no poder é o cidadão
enquanto eleitor. A corrupção é um grande problema do país, mas existem outros
problemas que estão por trás: a desigualdade, a fome, a falta de educação, um
conjunto, mas também não podemos deixar de acreditar e enxergar as pessoas
sérias que estão na política ou falar que está todo mundo no mesmo balaio de
gato.
F5: Como você enfrenta o machismo?
EA: Somos 53% da população e ainda
vivemos um distanciamento de gênero gigantesco. Na maioria das reuniões que
participo, às vezes só tem eu de mulher e não é fácil.
F5: Você enfrentou
resistência quando chegou a Prefeitura?
EA: Não, porque cheguei numa condição
como vice-prefeita. Mas não é fácil lidar no meio de tantos homens dentro da
política. As mulheres precisam ter consciência de que é preciso ter mulheres
legislando. Às vezes a gente faz um discurso contra o machismo, mas continua
votando só em homens, nem procura saber quem são as candidatas que estão no
pleito. Além disso, não podemos mais nos sujeitar a fazer parte da política
apenas para cumprir cotas partidárias.
F5: Como você equilibra o trabalho com a
Eliane que é mãe e pai? Os meninos compreendem bem?
EA: É a coisa mais difícil
de administrar. O João Marcelo, mais velho, durante um tempo achava que o pai
faleceu por conta da política e ele ate hoje diz que não sabe o que quer ser,
mas sabe que não quer seguir a política. Mateus eu chamo de 'chicletinho'e
percebo o quanto ele sente minha falta. Nesse ano em que estou na prefeitura
não consegui mais acompanhá-lo nas terapias e por isso me culpo. Como quero
cuidar do mundo e mal tenho tempo com meus filhos? Sei que a responsabilidade
dele é toda comigo. Pra muita gente é besteira e não quero que seja para mim,
porque qualquer coisa que aconteça na vida deles é responsabilidade minha. Já
estive dentro da política durante muitos anos, sei o preço alto que é. Tudo que
ela pode fazer de bom na vida das pessoas e do quanto essas realizações fazem
bem a quem proporciona, mas é um preço muito alto de vida.
F5: Apesar disso,
você acredita estar no caminho certo?
EA: O ano de 2017 foi muito difícil para a
gestão por conta da forma como encontramos o município com a falta de recursos,
um governo federal que perdeu o olhar para o social, uma desestrutura dos
serviços. Foi o ano de arrumar a casa, colocar o carro nos trilhos, organizar os
serviços porque temos 16 CRAS, 4 CREAS, dois abrigos, uma casa de apoio para
idosos, uma casa para moradores de rua, quatro casas-lares e um abrigo para
vítimas de violência doméstica. Organizar essa rede foi resultado de um grande
esforço, em um dos abrigos as crianças comiam comida industrializada, tínhamos
crianças de 2 e 3 anos que só tomavam mamadeira, reorganizamos a alimentação
com nutricionistas. Agora, estou com
muita esperança de que a partir desse ano vamos poder olhar além dos nossos
serviços para tentar chegar mais perto da população. Sei que é um desafio
grande porque estamos com um índice de desemprego e vulnerabilidade muito alto.
Texto e imagem reproduzidos do site: f5news.com.br
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