Grande exposição do Itaú Cultural reúne criaturas inventadas
e talhadas em madeira por Véio
Publicado originalmente no site ArteView, em 13/03/2018
Das 20h do dia 14 de março (quarta-feira) até 13 de maio, o
fabuloso mundo criado pelo escultor sergipano Véio ocupa os três andares do
espaço expositivo do Itaú Cultural na mostra "Véio – a Imaginação da Madeira".
São cerca de 270 peças, entre criações abstratas,
inesperadas, bestiário – cachorros, cobras, pássaros -, gente. Algumas sugerem
monstros imaginários, outras aludem a criaturas cujas formas evocam seres
familiares; outras, ainda, remetem a figuras endiabradas ou personagens do
sertão nordestino em seus afazeres do dia-a-dia. Algumas medem milímetros,
outras, chegam a 2 metros de altura. Todas são feitas com madeira morta, restos
de árvore que ele recolhe nos arredores do sítio onde vive, nos arredores do
município de Nossa Senhora da Glória, em Sergipe. Juntas, essas obras compõem
um panorama nem sempre verista do cotidiano dessa região brasileira e do
universo particular de Véio.
A concepção e realização da mostra é do Itaú Cultural, com
curadoria de Agnaldo Farias e Carlos Augusto Calil e projeto expográfico de
Adriana Yazbek.
Autodidata, Véio começou a esculpir na infância, usando cera
de abelha. Com mostras realizadas no Brasil e no exterior, este artista de nome
Cícero Alves dos Santos, ganhou, ainda criança, o apelido com o qual é
conhecido e assina a sua obra, porque gostava de andar com pessoas mais velhas
para escutar suas histórias.
Véio – a Imaginação da Madeira acolhe o acervo muito
particular, ao mesmo tempo sertanejo e transcendental, que o artista acumulou
em seus 70 anos, vazada em sua obra notável, que o consagrou como um dos mais
importantes brasileiros da arte contemporânea. O Piso 1, sob o título Assombro,
apresenta cerca de 50 dessas peças, muitas delas com títulos sugestivos como Os
Gêmeos, Adeus, Curvado, Carceiragem, Elefante branco, Araponga, O Primata. O
acabamento dado por ele a pedaços secos de árvores, troncos, galhos, ramos pode
ser visto neste andar em peças grandiosas e coloridas, que vão da combinação imprevista
de fragmentos a formas que aludem a bois, cachorros, cobras, pássaros, um
bestiário fabuloso, ao qual a mão do artista/demiurgo concede a vida. Nesse
mesmo piso, exibe-se um curta-documentário sobre Véio, realizado pela equipe do
Instituto em visitas ao seu sítio Soarte, na entrada do sertão de Sergipe.
Descendo para o Piso -1, Nação Lascada, o público encontra o
espaço dividido em três núcleos. O primeiro apresenta mais agrupamentos das
figuras grandiosas que povoam o 1º piso, entre elas, Brasileirinho, A amputada,
A virgem, Pisou na bola, Cachorrinho. O segundo traz peças que remontam à
infância do artista, quando modelava cera de abelha para fazer microesculturas,
que destruía quando dele se aproximava algum adulto. Crescido, ele passou a
usar madeira para esculpir pequenos personagens, às vezes milimétricos. Aqui,
algumas das mais de 140 obras são figurativas, apesar de seu frequente
estranhamento, fruto do julgamento moral do escultor. Ora representam momentos
do cotidiano, ora, fantasias do universo sertanejo. Ainda neste andar, um
terceiro núcleo apresenta obras que compõem a série Os cão do meu inferno, uma
coleção impressionante de demônios descarregada nas cores preta e vermelha, em
formas intrigantes e perturbadoras.
Mais um andar abaixo, o Piso -2 abriga e reproduz o Museu do
Sertão. Além de ser o detentor de grande parte do próprio acervo, com mais de
17 mil obras, Véio criou um museu que fica no seu sítio. Assim, o artista
tornou-se também um guardião das histórias, dos costumes e das tradições dessa
região. O museu contém máquinas primitivas, métodos obsoletos, carro de bois,
casa de farinha, ferramentas do ferreiro, sapateiro, objetos das casas
sertanejas, como a “chuculatêra” e um caco de torrar café, que, pela primeira
vez, saem de Sergipe para compor um recorte do mundo íntimo de Véio, mostrado
nesta exposição. Neste piso, ainda, o visitante pode vivenciar uma instalação
audiovisual com múltiplas telas e paisagem sonora, que oferece um mergulho no
ambiente onde vive o artista.
Obra reconhecida
Em texto sobre o artista e sua obra, Agnaldo Farias e Carlos
Augusto Calil observam: “Há algo dos escravos de Michelângelo, as placas de
mármore das quais brotavam torsos, braços, fragmentos de corpos para sempre
aprisionados. A estilização, a feroz alegria, a gratuidade, a invenção o
aproximam de Alexander Calder, membro ilustre da sua família artística.”
A Galeria Estação, em São Paulo, dedicou-lhe exposições
individuais em 2009, 2015 e 2017. Em 2014, o sergipano cruzou fronteiras quando
sua obra foi apresentada em exposição coletiva em Paris, em comemoração aos 30
anos da Fundação Cartier.
Um ano depois, teve sua obra exposta na Abadia de São
Gregório, em mostra paralela à Bienal de Veneza. Em 2017, foi um dos dez
ganhadores – na categoria Criar, ao lado da coreógrafa Lia Rodrigues – do
Prêmio Itaú Cultural 30 Anos, em 2017, realizado pelo instituto para destacar
personalidades com ação relevante nas artes e na cultura nas últimas três
décadas. Ele também tem um verbete na Enciclopédia Itaú Cultural de Arte
Brasileira.
Em sua terra natal, além do museu que o próprio artista
abriga e de seu acervo pessoal, o Memorial de Sergipe conta com 4 mil peças
dele e outras 60 estão no Museu da Gente Sergipana, que ilustram histórias das
lendas e tradições da região.
Texto e imagens reproduzidos do site: arteview.com.br
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