quinta-feira, 13 de setembro de 2018

Aluna supera dificuldades de visão e vence concurso


Publicado originalmente no site do Jornal da Cidade, em 11/09/2018

Aluna supera dificuldades de visão e vence concurso

A menina de 12 anos venceu o concurso de redação do Programa Educacional de Resistência às Drogas (Proerd).

Suelen acorda cedo. Faz as atividades escolares, pratica leitura e ainda ajuda nos serviços da casa, com quem divide com o pai e cinco irmãos, no bairro Luzia. Às 12h, já está pronta para ir estudar e às 12h45, é uma das primeiras a chegar na Escola Municipal de Ensino Fundamental (Emef) Bebé Tiúba, que fica no mesmo bairro em que mora. Quem conheceu Suelen antes, com problemas de visão e dificuldades para ler e escrever, comemora com ela cada conquista. A última delas foi vencer o concurso de redação promovido pelo Programa Educacional de Resistência às Drogas (Proerd) e com auxílio dos óculos que recebeu de outro projeto: o Visão Sergipana.

“Eu escrevi sobre o que eu aprendi no Proerd. Expliquei que, antes da gente ter conhecido o programa, na minha sala tinha muito palavrão e xingamentos uns com os outros. Depois que conhecemos, o comportamento mudou, os alunos estudam mais, tiram notas melhores e aprendemos a ser cidadãos, com mais responsabilidade”, descreve Suelen Silva Oliveira, 12, aluna do 5° ano e matriculada na Emef Bebé Tiúba há dois anos.

Das 18 redações concorrentes, a de Suelen foi a grande vencedora. O prêmio, uma garrafinha de água, da cor verde, que Suelen sonhava em ter, foi comprada pela própria diretora da escola, como uma forma de incentivo e reconhecimento pela evolução da aluna. A vitória no concurso foi apenas uma das conquistas que a estudante teve através do Proerd, realizado pela Polícia Militar. Levando para casa o que aprendeu, ela conseguiu o que, talvez, seja considerado o seu maior triunfo.

“Meu pai bebia e fumava todos os dias e eu perguntei ao policial Proerd como poderia ajudá-lo a parar, já que ele tinha problemas de saúde. Cheguei no meu pai com carinho e expliquei para ele que o amava e queria vê-lo bem, sem doenças e cuidando da nossa família. Pedi para ele parar de fumar e de beber e ele começou a diminuir. Fumava 10 cigarros por dia, foi diminuindo até parar totalmente. Hoje ele não fica nem mais perto de quem fuma e de quem bebe para não ter recaída”, conta.

O exemplo para a família não parou por aí. “Eu tenho um irmãozinho, que tem oito anos, ele via meu pai bebendo e fumando e achava bom. Ele dizia que, quando crescesse, faria igual. Mas, hoje, ele não pensa mais assim. Sabe que bebida e cigarro fazem mal, que prejudica. Eu acho muito importante o Proerd estar na minha escola por isso, porque ajudou a mim e a minha família”, completa.

PROERD

O Proerd, programa que ajudou Suelen e diversos outros estudantes da rede municipal de ensino, é a versão brasileira do programa norte-americano Drug Abuse Resistance Education (Dare), surgido em 1983, em Los Angeles. O programa consiste em uma ação conjunta entre um policial militar devidamente capacitado, chamado 'Policial Proerd', professores, especialistas, estudante, pais e comunidade no sentido de prevenir e reduzir o uso de drogas e a violência entre estudantes, bem como ajudá-los a reconhecerem as pressões e a influência diária para usarem drogas e praticarem a violência, e a resistirem a elas. No Brasil, o programa foi implantado em 1992 e, em Sergipe, atende a estudantes do 5° ano.

“Ela participou do Proerd e levou para a família, o pai deixou de beber e fumar por causa dela. Foi uma inversão em que a filha levou os valores para casa, para o pai. Ela não é a filha mais velha, mas é nítida a preocupação que tem com a família. Projetos como este são muito importantes e eu abraço todos aqui na escola, pois vem para somar. Se o Departamento de Educação da Semed aprovar, eu permito que seja desenvolvido aqui, pois, educação de qualidade não se faz sozinho”, afirma a diretora da Emef Bebé Tiúba, Auridete Santana.

LEITURA

Melhor redação, evolução no rendimento escolar, ensinamentos levados para casa. Nada disso teria sido possível para Suelen sem a leitura. No entanto, não foi fácil para a menina descobrir essa paixão, os problemas de visão foram descobertos na própria escola e Suelen foi beneficiada por mais um projeto, fruto de uma parceria entre a Secretaria Municipal da Educação (Semed) e a Sociedade Sergipana de Oftalmologia (SSO), o Visão Sergipana.

“Ela chegou aqui muito caladinha e com muitas dificuldades de aprendizagem, mas sempre bastante interessada e querendo aprender. Ela não conseguia enxergar nem o que escrevia e a professora percebeu. Em abril, a Suelen recebeu os óculos do Visão Sergipana e hoje está como a melhor aluna da turma. A autoestima melhorou e ela já quer cuidar dos colegas, fazendo um trabalho de monitoramento na biblioteca. Ela é uma pessoa que sonha e, enquanto estiver aqui nessa escola, eu darei todo o apoio”, conta a diretora Auridete.

Após ajudar o pai a se livrar dos vícios, agora, Suelen deseja ser exemplo para o resto da família. Apaixonada por gibis, ela conta que a leitura será uma forma de ajudar os irmãos menores. “Eu sempre gostei de ler. A gente esquece tudo a nossa volta e viaja na leitura. Eu leio em casa também mas, preciso aprender mais porque tenho dois irmãos que não sabem ler ainda e quero ensinar a eles, por isso tenho que saber direitinho. Nossa mãe foi embora quando éramos muito pequenos e eu e minhas irmãs mais velhas ajudamos a cuidar deles”, relata.

Segundo Suelen, todo esse empenho em ajudar na educação dos irmãos menores é com o objetivo de combater o preconceito. “Eu incentivo a leitura porque meu pai vem de uma família branca e eles são muito preconceituosos. Mas eu aprendi que não pode julgar as pessoas. Pode ser branca, negra, amarela, gay, travesti, lésbica, todos são gente, são iguais a mim”, afirma.

VISÃO SERGIPANA

Os problemas visuais de Suelen foram percebidos pela equipe pedagógica da escola devido a erros gramaticais e dores de cabeça que a estudante sentia. Com a chegada do projeto Visão Sergipana, Suelen e outros alunos foram contemplados. O Visão Sergipana é um projeto da Sociedade Sergipana de Oftalmologia, que visa diagnosticar erros refrativos em crianças em idade de alfabetização. Em parceria com a Semed, contempla estudantes da rede municipal de ensino.

A primeira etapa é a triagem oftalmológica nas escolas com alunos do 1° ao 3° ano, ou com estudantes que, mesmo não estando nessas turmas e nessas faixas etárias, seja detectado que precise muito do atendimento, como foi o caso de Suelen. Depois, os que necessitam de consultas oftalmológicas, são encaminhados para clínicas e hospitais de Aracaju e, aqueles que seja comprovada a necessidade do uso de óculos de grau, recebem o acessório. Quem precisa de exames complementares, também conta com a parceria de oftalmologistas que atendem ao projeto. Tudo de forma gratuita.

O programa foi lançado em abril de 2018, quando 30 estudantes de seis escolas municipais receberam armações e lentes. Até agora, alunos de 40 escolas já passaram pela triagem e em outras 21 unidades os estudantes já passaram pelo exame em clínicas oftalmológicas. Deste total, quase 50 alunos já receberam os óculos. “Para que o lançamento acontecesse em abril, a movimentação já existia desde novembro de 2017, com triagens e consultas. O que marca o Visão Sergipana não é apenas a recepção dos óculos mas, também, essa participação na própria escola”, explica a coordenadora de Políticas Educacionais para a Diversidade (Coped/Semed), Maíra Ielena Nascimento, setor que coordena e executa as atividades junto a SSO, entidade presidida pelo oftalmologista Gustavo Melo.

“A resposta pra gente vem em substantivos próprios. É a Suelen, o Ibson, o Edilson, o Marcos, a Maria Eduarda. São crianças e adolescentes lendo, tirando notas boas, se superando, melhorando a autoestima e aprendendo”, completa Maíra.

Sendo beneficiada por dois projetos, frutos de parcerias da Semed com outras instituições, Suelen já sabe muito bem o que quer para o futuro. “Quero ser policial Proerd porque eu acho muito bom o que eles fazem ‘com’ e ‘pelas’ crianças. Eu acho que a educação pode mudar a vida das pessoas. Se você não estuda, você não é nada. Quero que o Brasil seja um lugar melhor, com mais educação e saúde, que as pessoas que moram na rua tenham onde ficar e os que não têm emprego possam trabalhar e que não exista mais preconceito e corrupção”, deseja a menina de 12 anos, que descobriu que também pode ajudar a mudar o mundo.

Texto e imagem reproduzidos do site: jornaldacidade.net

Nenhum comentário:

Postar um comentário