Publicado originalmente no site do Jornal da Cidade, em 11/09/2018
Aluna supera dificuldades de visão e vence concurso
A menina de 12 anos venceu o concurso de redação do Programa Educacional de Resistência às Drogas (Proerd).
Suelen acorda cedo. Faz as atividades escolares, pratica
leitura e ainda ajuda nos serviços da casa, com quem divide com o pai e cinco
irmãos, no bairro Luzia. Às 12h, já está pronta para ir estudar e às 12h45, é
uma das primeiras a chegar na Escola Municipal de Ensino Fundamental (Emef)
Bebé Tiúba, que fica no mesmo bairro em que mora. Quem conheceu Suelen antes,
com problemas de visão e dificuldades para ler e escrever, comemora com ela
cada conquista. A última delas foi vencer o concurso de redação promovido pelo
Programa Educacional de Resistência às Drogas (Proerd) e com auxílio dos óculos
que recebeu de outro projeto: o Visão Sergipana.
“Eu escrevi sobre o que eu aprendi no Proerd. Expliquei que,
antes da gente ter conhecido o programa, na minha sala tinha muito palavrão e
xingamentos uns com os outros. Depois que conhecemos, o comportamento mudou, os
alunos estudam mais, tiram notas melhores e aprendemos a ser cidadãos, com mais
responsabilidade”, descreve Suelen Silva Oliveira, 12, aluna do 5° ano e
matriculada na Emef Bebé Tiúba há dois anos.
Das 18 redações concorrentes, a de Suelen foi a grande
vencedora. O prêmio, uma garrafinha de água, da cor verde, que Suelen sonhava
em ter, foi comprada pela própria diretora da escola, como uma forma de incentivo
e reconhecimento pela evolução da aluna. A vitória no concurso foi apenas uma
das conquistas que a estudante teve através do Proerd, realizado pela Polícia
Militar. Levando para casa o que aprendeu, ela conseguiu o que, talvez, seja
considerado o seu maior triunfo.
“Meu pai bebia e fumava todos os dias e eu perguntei ao
policial Proerd como poderia ajudá-lo a parar, já que ele tinha problemas de
saúde. Cheguei no meu pai com carinho e expliquei para ele que o amava e queria
vê-lo bem, sem doenças e cuidando da nossa família. Pedi para ele parar de
fumar e de beber e ele começou a diminuir. Fumava 10 cigarros por dia, foi
diminuindo até parar totalmente. Hoje ele não fica nem mais perto de quem fuma
e de quem bebe para não ter recaída”, conta.
O exemplo para a família não parou por aí. “Eu tenho um
irmãozinho, que tem oito anos, ele via meu pai bebendo e fumando e achava bom.
Ele dizia que, quando crescesse, faria igual. Mas, hoje, ele não pensa mais
assim. Sabe que bebida e cigarro fazem mal, que prejudica. Eu acho muito
importante o Proerd estar na minha escola por isso, porque ajudou a mim e a
minha família”, completa.
PROERD
O Proerd, programa que ajudou Suelen e diversos outros
estudantes da rede municipal de ensino, é a versão brasileira do programa
norte-americano Drug Abuse Resistance Education (Dare), surgido em 1983, em Los
Angeles. O programa consiste em uma ação conjunta entre um policial militar
devidamente capacitado, chamado 'Policial Proerd', professores, especialistas,
estudante, pais e comunidade no sentido de prevenir e reduzir o uso de drogas e
a violência entre estudantes, bem como ajudá-los a reconhecerem as pressões e a
influência diária para usarem drogas e praticarem a violência, e a resistirem a
elas. No Brasil, o programa foi implantado em 1992 e, em Sergipe, atende a
estudantes do 5° ano.
“Ela participou do Proerd e levou para a família, o pai
deixou de beber e fumar por causa dela. Foi uma inversão em que a filha levou
os valores para casa, para o pai. Ela não é a filha mais velha, mas é nítida a
preocupação que tem com a família. Projetos como este são muito importantes e
eu abraço todos aqui na escola, pois vem para somar. Se o Departamento de
Educação da Semed aprovar, eu permito que seja desenvolvido aqui, pois, educação
de qualidade não se faz sozinho”, afirma a diretora da Emef Bebé Tiúba,
Auridete Santana.
LEITURA
Melhor redação, evolução no rendimento escolar, ensinamentos
levados para casa. Nada disso teria sido possível para Suelen sem a leitura. No
entanto, não foi fácil para a menina descobrir essa paixão, os problemas de
visão foram descobertos na própria escola e Suelen foi beneficiada por mais um
projeto, fruto de uma parceria entre a Secretaria Municipal da Educação (Semed)
e a Sociedade Sergipana de Oftalmologia (SSO), o Visão Sergipana.
“Ela chegou aqui muito caladinha e com muitas dificuldades
de aprendizagem, mas sempre bastante interessada e querendo aprender. Ela não
conseguia enxergar nem o que escrevia e a professora percebeu. Em abril, a
Suelen recebeu os óculos do Visão Sergipana e hoje está como a melhor aluna da
turma. A autoestima melhorou e ela já quer cuidar dos colegas, fazendo um
trabalho de monitoramento na biblioteca. Ela é uma pessoa que sonha e, enquanto
estiver aqui nessa escola, eu darei todo o apoio”, conta a diretora Auridete.
Após ajudar o pai a se livrar dos vícios, agora, Suelen
deseja ser exemplo para o resto da família. Apaixonada por gibis, ela conta que
a leitura será uma forma de ajudar os irmãos menores. “Eu sempre gostei de ler.
A gente esquece tudo a nossa volta e viaja na leitura. Eu leio em casa também
mas, preciso aprender mais porque tenho dois irmãos que não sabem ler ainda e
quero ensinar a eles, por isso tenho que saber direitinho. Nossa mãe foi embora
quando éramos muito pequenos e eu e minhas irmãs mais velhas ajudamos a cuidar
deles”, relata.
Segundo Suelen, todo esse empenho em ajudar na educação dos
irmãos menores é com o objetivo de combater o preconceito. “Eu incentivo a
leitura porque meu pai vem de uma família branca e eles são muito
preconceituosos. Mas eu aprendi que não pode julgar as pessoas. Pode ser
branca, negra, amarela, gay, travesti, lésbica, todos são gente, são iguais a
mim”, afirma.
VISÃO SERGIPANA
Os problemas visuais de Suelen foram percebidos pela equipe
pedagógica da escola devido a erros gramaticais e dores de cabeça que a
estudante sentia. Com a chegada do projeto Visão Sergipana, Suelen e outros
alunos foram contemplados. O Visão Sergipana é um projeto da Sociedade
Sergipana de Oftalmologia, que visa diagnosticar erros refrativos em crianças
em idade de alfabetização. Em parceria com a Semed, contempla estudantes da
rede municipal de ensino.
A primeira etapa é a triagem oftalmológica nas escolas com
alunos do 1° ao 3° ano, ou com estudantes que, mesmo não estando nessas turmas
e nessas faixas etárias, seja detectado que precise muito do atendimento, como
foi o caso de Suelen. Depois, os que necessitam de consultas oftalmológicas,
são encaminhados para clínicas e hospitais de Aracaju e, aqueles que seja
comprovada a necessidade do uso de óculos de grau, recebem o acessório. Quem
precisa de exames complementares, também conta com a parceria de
oftalmologistas que atendem ao projeto. Tudo de forma gratuita.
O programa foi lançado em abril de 2018, quando 30
estudantes de seis escolas municipais receberam armações e lentes. Até agora,
alunos de 40 escolas já passaram pela triagem e em outras 21 unidades os
estudantes já passaram pelo exame em clínicas oftalmológicas. Deste total,
quase 50 alunos já receberam os óculos. “Para que o lançamento acontecesse em
abril, a movimentação já existia desde novembro de 2017, com triagens e
consultas. O que marca o Visão Sergipana não é apenas a recepção dos óculos
mas, também, essa participação na própria escola”, explica a coordenadora de
Políticas Educacionais para a Diversidade (Coped/Semed), Maíra Ielena
Nascimento, setor que coordena e executa as atividades junto a SSO, entidade
presidida pelo oftalmologista Gustavo Melo.
“A resposta pra gente vem em substantivos próprios. É a
Suelen, o Ibson, o Edilson, o Marcos, a Maria Eduarda. São crianças e
adolescentes lendo, tirando notas boas, se superando, melhorando a autoestima e
aprendendo”, completa Maíra.
Sendo beneficiada por dois projetos, frutos de parcerias da
Semed com outras instituições, Suelen já sabe muito bem o que quer para o
futuro. “Quero ser policial Proerd porque eu acho muito bom o que eles fazem
‘com’ e ‘pelas’ crianças. Eu acho que a educação pode mudar a vida das pessoas.
Se você não estuda, você não é nada. Quero que o Brasil seja um lugar melhor,
com mais educação e saúde, que as pessoas que moram na rua tenham onde ficar e
os que não têm emprego possam trabalhar e que não exista mais preconceito e
corrupção”, deseja a menina de 12 anos, que descobriu que também pode ajudar a
mudar o mundo.
Texto e imagem reproduzidos do site: jornaldacidade.net
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