Publicado originalmente no blog "Lampião Aceso",
de Kiko Monteiro,
em 26 de julho de 2011.
Lampeão em Simão Dias, SE.
Por: José de Carvalho Déda*
Do seu livro Simão Dias, fragmentos de sua história, 2ª
Edição 2008. Capitulo XVIII "Bandidos e cangaceiros": págs 138,141.
A não ser por fatos isolados, Simão dias não conhecia
façanhas de valentões e cangaceiros, senão pela leitura de livretos com
historietas populares em versos, vendidos nas feiras, cuja s ações e façanhas
tinham por cenários os longínquos sertões do Ceará, Paraíba e Pernambuco, onde
se celebrizaram Antônio Silvino, Lampião e outros.
A cidade e seu município viviam na mais completa
tranquilidade, sem noticias de bandidos. No ano de 1928, surgiu no nordeste
baiano, o famigerado bando de Lampião, assaltando fazendas e povoações, matando
, roubando, violentando mulheres, e impedindo o desenvolvimento da produção em
todos os setores.
Um sistema de espionagem, desconhecido, inteligente e
impressionante, surgiu de um momento para o outro em toda região. Era o chamado
“Coiteirismo”, enchendo de pavor as populações rurais. As fazendas, roças,
sítios, foram abandonados pelos indefesos camponeses.
As correrias do temível bando iam, cada dia mais se a
aproximando de Simão Dias. A população da cidade, de índole pacifica, desconhecendo
lutas dessa ordem vivia sobressaltada, mas de algum modo confiada no
destacamento policial, preventivamente reforçado.
O desassossego cresceu quando o destacamento foi recolhido,
mobilizando em face revolução desencadeada no país, na madrugada de 3 de
Outubro de 1930.
Desguarnecida, Simão Dias seria presa fácil para Lampião e
seus sequazes. Na manhã do dia 17 de outubro de 1930, a cidade foi sacudida por
um telegrama recebido pelo Cel. Felisberto Prata, alto comerciante da praça,
comunicando a tentativa de assalto a cidade de Capela, pelo bando, e a partida
do mesmo em direção deste município.
Começou o êxodo, a princípio ordenado, apenas para os que
dispunham de transportes motorizados; logo mais, com a chegada de noticias do
assalto à Vila de Pinhão, distante quatro léguas, estabelecendo-se verdadeiro
pânico. As famílias desordenadamente partiam para os matos, com suas
improvisadas trouxas.
Cerca das 15 horas, os bandidos se aproximavam da cidade. As
vitimas começavam a chegar, infundindo maior terror.
Às 16 horas, foi improvisada uma resistência. O Dr. Marcos
Ferreira; ex aluno da escola militar, Antônio Carmelo e o autor deste trabalho,
chefiavam o movimento, constituindo o seu “Estado Maior”.
A mobilização foi rápida sem atropelos. Os mais diversos
tipos de armas, obsoletas em sua grande maioria, apareceram num instante:
revolveres de diversas marcas, pistolas, garruchas, espingardas de caça dos
mais variados feitios e calibres, velhos trabucos, bacamartes de festejos
juninos etc.
Uma notável disciplina, entre os voluntários, enchia de
entusiasmo e confiança os três homens do Estado Maior. Reunindo este,
consertando os planos para a defesa da cidade, eis que chega o primeiro
ultimato de Lampião. Era portador da mal escrita mensagem, o agricultor Fausto
José da Conceição, conhecido por Fausto "Dodô", homem morigerado, que
trazia no semblante a aflição por ter deixado um seu filho menor, o jovem João
Conceição Neto, prisioneiro, como refém dos bandidos. Simão Dias deveria
cotizar-se e mandar o dinheiro exigido, sob pena de ser assaltada
imediatamente.
A intimação, ao invés de desanimar os locais encorajou-os
para a luta, que seria desigual dada a inexperiência dos defensores.
Uma segunda intimação vinha de mais perto, da “Ladeira de
pedras”, onde o bando se encontrava, olhando para a cidade.
Esta nova intimação levou os defensores a ocupar seus
lugares. As platibandas das casas residenciais, ou comerciais, as esquinas, os
becos, os montes de pedras ou material de construção, tudo servia de trincheira
aos da resistência. Em dado momento o silencio foi quebrado. Ouviu-se um tiro,
que pareceu ter sido disparado lá para os lados da “Ladeira de pedras”, onde se
encontravam os bandidos.
Nisso o corajoso Manuel Oliveira, vulgarmente conhecido por
Manuel dos motores, que chefiava um pequeno grupo, foi levado a uma temeridade
providencial. À frente dos seus rapazes, tomou a ofensiva, marchando direto
para o lugar onde os bandidos e achavam.
Precipitadamente, o grupo fez fogo ante de atingir distancia
para o alcance de suas armas. Foi o estopim. De todos os pontos da cidade, dos
telhados, das esquinas, de todos os lados, enfim, partiam tiros e tiros num
“pipoquear” formidável dos mais diversos tipos de armas, disparadas a esmo.
Verdadeiro desperdício de munição. Mas esta imprudência levou o bando
assaltante a acautelar-se. Lampião não contava com coiteiros que lhe expusessem
a verdadeira situação da resistência, e não quis atrever-se a entranhar-se nas
estreitas ruas, perigoso labirinto que desconhecia.
Houve a retirada para o interior, a tudo levando de roldão,
num requinte de perversidade. Ao passar pelo sitio “Olhos D água”, o bando
infrene espantou famílias ali escondidas, que correram de volta.
A meia-noite em ponto, o lúgubre silêncio da cidade escura
foi quebrado por um disparo partido de um mata-burro, na estrada de rodagem,
que servia de linha avançada dos defensores.
Atordoadas, as famílias fugitivas não compreenderam a senha
que se pedia da trincheira, avançando precipitadamente de encontro à mesma. Uma
infeliz senhora, em adiantado estado de gravidez, foi fulminada por uma bala
que partira da resistência, num evidente erro de fato.
Também o disparo casal de uma arma conduzida por um dos
rapazes de Manoel dos motores fulminou outra mulher.
Com a retirada dos bandidos para o interior, mesmo assim a
intranquilidade permaneceu, pois conforme se sabia, a retaguarda do “Capitão”
era sempre coberta pelo seu lugar-tenente, o temível Corisco a frente de bando
menor, mas igualmente destro e perverso.
Corisco, porem não viria pois que fora também obrigado a
acautelar-se, com a experiência de seu ataque ao sitio de Porfírio Chagas, no
povoado Caraíba. Porfírio, setuagenário valente, sozinho em sua residência, com
um rifle “papo amarelo” recebeu o grupo de Corisco à bala, com bastante animo
para resistir.
Fugiram os assaltantes. Deixaram marcas de sangue nas
estradas.
Os bandoleiros, anos a fio mantiveram a intranquilidade em
todo o município, obstando o desenvolvimento da produção. O comercio de Simão
Dias sofreu as desastrosas consequencias do “ciclo lampiônico”.
Com a vitoria da revolução de 1930, nomeado Interventor
Federal em Sergipe o bravo militar revolucionário Augusto Maynard Gomes, todas
as s garantias foram dadas às populações, até o completo extermínio do
cangaceirismo na região.
A matéria foi uma sugestão do amigo Tarciso.
Adendo:
Algumas biografias recentes ainda atribuem a esta cidade do
centro Sul sergipano sua antiga denominação Anápolis.
O jornalista José de Carvalho Déda (1898-1968), também
conhecido como Zeca Déda, exerceu advocacia como provisionado por mais de
quatro décadas foi vereador, prefeito e representou o povo por três
legislaturas consecutivas na Assembléia Legislativa estadual (1947-1950; 1951-
1954; 1955-1958). Escreveu o Regimento Interno da Casa e participou de vários
congressos parlamentares, sempre com a apresentação de teses. Foi o autor do
projeto que resultou a emancipação política do município de Poço Verde. fundou
e dirigiu o jornal ´A Semana´, no município de Simão Dias, do ano de 1946 até a
sua morte. Foi também diretor e um dos redatores do Correio de Aracaju, um dos
mais antigos jornais da capital sergipana. Além disso, marcou época atuando no
rádio ao lado do ex-governador Seixas Dória nos programas ‘Resenha Política' e
‘Problemas em Debates'. avô do governador de Sergipe Marcelo Déda.
Fonte: Infonet.
Texto e imagens reproduzidos do blog:
lampiaoaceso.blogspot.com.br
De: Kiko Monteiro.
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