Espero que este relato sirva de incentivo para
aqueles que desejem
realizar seus sonhos,
por mais que pareçam impossíveis
Primeiros anos do curso, aos 17 anos.
No Pré-Seed de Simão Dias, ele entregou o convite aos
professores e conversou com os alunos.
João
com os professores do Campus de Lagarto, da UFS.
João
Costa com os avós, Rita Maria e Luis José.
João
está com os pais, Josefa Maria e Mário César.
Fotos: Facebook
Publicado originalmente no site Fan F1, em 04/08/2018
“A educação me levou
a vencer uma batalha”, João Costa, quilombola e concludente em Medicina pela
UFS
Por Célia Silva
Este mês de agosto será especial para João Santos Costa. No
dia 28, ele estará colando grau em Medicina pela Universidade Federal de
Sergipe (UFS) com menção de louvor aos 24 anos de idade e com uma história de
superação que compartilhou em uma rede social.
João Santos Costa é quilombola, filho de pais lavradores e
de uma extensa família muito pobre composta por 11 filhos. Ele nasceu no
povoado Sitio Alto, município de Simão Dias (SE), foi aluno de escola pública e
ingressou na UFS pelo sistema de cotas, implantado em 2010, na Federal de
Sergipe. Em conversa com o Fan F1, disse que pretende se especializar em
cardiologia e trabalhar na região onde nasceu e estudou.
Confira o relato na íntegra:
Eu, João Santos Costa, negro, quilombola, filho de
lavradores, nascido e criado na roça, filho do meio e integrante de uma família
humilde composta por 11 irmãos e rodeada pela pobreza, chego ao fim de uma
enorme batalha!
Atualmente com 24 anos de idade, sou oriundo da cidade de
Simão Dias-Sergipe, nascido e crescido no povoado Sítio Alto, uma comunidade
autodeclarada quilombola, formada por descendentes de escravos e que desde sua
criação foi assolada pela pobreza e por precárias condições de vida e moradia.
Desde criança já sabia que para poder melhorar a minha condição social e a da
minha família teria que sair do paradigma que era comum onde eu morava (trabalhar
na roça para prover o sustento) e me aventurar no mundo da educação e do
conhecimento.
Confesso que não foi fácil nascer em uma família grande,
pobre, que nem conseguia manter minimamente os filhos com itens básicos como
alimentação e vestimenta e ainda conseguir estudar, principalmente para meus
pais, analfabetos que mal conseguem assinar o próprio nome. Chegar na faculdade
então? Uma utopia. Morava em uma comunidade em que poucos haviam chegado ao
ensino médio, quiçá chegar à Universidade Federal.
Lembro-me que haviam momentos em que eu não sabia o que
comeria no decorrer do dia, nem o que vestiria para ir estudar, nem se teria
sapatos para calçar, mas eu nem pensava em faltar às aulas e muito menos em
usar tais obstáculos como empecilhos para não buscar conhecimento e mudar de
vida!
Mesmo estudando ainda assim trabalhava na lavoura,
principalmente no período das férias escolares. Gostava muito de estudar e de
frequentar a escola, porém o que prevalecia no momento era a vontade de sair da
labuta desgastante, e mesmo assim louvável, que era a vida na roça. Outro ponto
importante era a necessidade de poder proporcionar uma vida melhor e menos
sofrida àquelas pessoas que tanto fizeram por mim e por meus irmãos: os meus
pais.
Inicialmente sofri um pouco de resistência em virtude da
situação familiar e das adversidades financeiras da época, mas me destacava
cada vez mais na escola, pois sabia que a única opção para uma ascensão social
e financeira era por meio dos estudos. Não desmereço a vida na lavoura pois foi
graças a ela e aos esforços dos meus pais que cheguei aqui. Eles foram peças
fundamentais para minha vitória! Muitas vezes os presenciei abdicando de suas
refeições para proporcionarem o dejejum aos inúmeros filhos, para comprarem
materiais escolares e proverem vestimentas, tudo muito simples, mas de coração.
Não foi fácil!
Ao contrário de grande parte dos colegas de curso, estudei
todo o meu ensino fundamental e médio em escola pública, com suas deficiências
estruturais e de corpo docente. Porém, o importante é que nessa caminhada tive
a sorte de encontrar pessoas compromissadas e que honraram a profissão.
Agradeço de coração a cada um dos professores que conheci, que além de
compartilharem seus conhecimentos científicos e materiais didáticos,
compartilharam lições de cidadania, comportamento e empatia, e não menos
importante, me prepararam para vida! Sem o apoio de cada um de vocês eu não poderia
ter alçado meu voo e não teria chegado onde cheguei!
Estudei, estudei, estudei e os resultados chegaram! Aprovado
com louvor no ensino fundamental e no médio! Até hoje tenho um amor enorme
pelos professores e funcionários das escolas por onde passei.
Consegui meu primeiro emprego no último ano do ensino médio,
uma época maravilhosa em minha vida. Vivia a dicotomia entre estudar para o
ensino médio e trabalhar meio turno na Promotoria de Justiça de Simão Dias,
estágio remunerado conseguido por méritos e fruto do meu desempenho acadêmico
na escola estadual Dr. Milton Dortas, lugar onde eu estudava na ocasião.
Percebi neste momento que se quisesse realizar o que tanto almejava teria que
me esforçar cada vez mais e mais.
Apesar das dificuldades enfrentadas, como a falta de
professores, matérias não dadas, calendário acadêmico atrasado e o estágio na
promotoria, me aventurei no vestibular na tentativa de realizar meu sonho, que
era entrar na universidade. Muitas vezes me questionava se seria possível, se eu
era capaz. Recebi muitos comentários desencorajadores, de pessoas próximas
inclusive, pelo fato de ser uma pessoa pobre, vindo da roça, negro e
proveniente de escola pública. Conseguir cursar medicina? Muitos consideraram
improvável! Mas Deus e o destino foram maravilhosos comigo, proveram pessoas
que me apoiaram e me incentivaram, que acreditaram no meu potencial e que me
instigaram a provar para mim e para os incrédulos que eu conseguiria, e eu
consegui!
O ápice foi a aprovação aos 17 anos de idade, em terceiro
lugar, no curso de medicina da Universidade Federal de Sergipe, campus de
Lagarto; curso que estou terminando com louvor e colhendo os frutos da minha
dedicação e empenho. A aprovação no vestibular foi “O marco” em minha vida!
Muita coisa estava em jogo, não só o meu futuro, mas também o da minha família.
Hoje em dia as coisas estão um pouco melhores, mas a minha
família ainda passa por dificuldades, já que o sustento ainda é provido pelo
trabalho na roça e por benefícios sociais de distribuição de renda. Sabia que
cursar medicina teria seus custos, mas não me deixei abalar, corri atrás dos
meus direitos sociais e me inscrevi no programa de residência universitária
disponibilizado pela UFS e na bolsa permanência disponibilizada pelo MEC. Tenho
o orgulho de dizer que não estressei meus pais com despesas nesses anos longe
de casa, pois sabia que eles não teriam condições de arcar e que eu estaria
tirando recursos que poderiam ser utilizados na criação dos meus irmãos.
Foram seis longos anos cheios de experiências agradáveis e
desagradáveis, além de quatro greves, pois nada na vida é fácil. Conheci
pessoas fantásticas, professores maravilhosos e assimilei lições importantes.
Apanhei muito, não fisicamente, mas mentalmente. Horas de sono perdidas,
matérias infinitas, tutoriais complexos. Mas tentei sempre extrair o que de bom
existia nas adversidades, pois sabia que o mais difícil era conseguir passar no
vestibular.
No pouco que vivi aprendi que quando as dificuldades baterem
na sua porta deixe-as entrar! Nada melhor que os desafios para instigar a
evolução humana. Acredito que se eu não tivesse tantas dificuldades não estaria
me graduando em medicina, curso ainda elitizado e estereotipado em nossa
sociedade. Mas a vida apenas está começando, o aprendizado sempre continua e
nada é como antes.
Consegui suplantar os entraves proporcionados pela pobreza e
pelo preconceito e hoje tenho orgulho de dizer que graças aos meus esforços e
ao apoio de pessoas maravilhosas o negro saiu da “senzala”, o pobre saiu da
roça e o aluno de escola pública está se formando em medicina em uma
Universidade Federal.
Espero que este relato sirva de incentivo para aqueles que
desejem realizar seus sonhos, por mais que pareçam impossíveis. Muito obrigado
a todos que fizeram parte deste caminho até aqui, sem vocês e sem Deus eu não
conseguiria.
Texto e imagens reproduzidos do site: fanf1.com.br
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