Publicado no blog forum-artesvisuais-sergipe, em 30 de abril
de 2013.
O exercício da ingratidão.
Por Antônio da Cruz.
Tradicionalmente a arte tem sido vítima da ignorância, agora
também sofre com a violência explícita, pública e notória. Se a indgnação não
se manifestar, o horror da brutalidade nos transformará em silenciosos e
coniventes covardes.
A nota que circula na internet é: “-A produção do Caju na
Rua vem informar que na madrugada desta sexta - feira, o caju do artista
Edidelson que estava localizado no final da passarela do Caranguejo na Orla da
Atalaia foi vandalizado. Populare...
Não costumo escrever artigos na primeira pessoa, porém,
sendo eu também uma vítima e testemunha de outros casos escabrosos semelhantes
a este, sinto-me impelido a narrar na primeira pessoa, protestar e me imaginar
nas peles de Edidelson Silva e de Fábio Sampaio. Assim, esta minha atitude não
se enquadra simplesmente no caso de “comprar a briga dos outros”. Na década de
setenta, quando eu trabalhava no SENAI como professor e pintava por hobby, a
bibliotecária não me deu sossego até eu lhe doar uma tela com um tema bem
pitoresco. Cerca de três meses depois, um colega, o Izaias que, por amizade foi
a sua casa fazer um pequeno conserto elétrico, percebeu que a tela estava
largada junto às vassouras, atrás da porta do quintal. Décadas depois, já no
ano 2010, outro amigo, Gilson Ramos me informava que, o seu irmão encontrou no
lixo a citada tela em perfeito estado. No mínimo, tinha ele achado ali dois mil
reais, que seria o preço da tela no mercado de arte local. Enquanto estive como
diretor na GAAS - Galeria de Arte Álvaro Santos, entre os inícios de 2001 e
2005, chegaram até lá dois casos de obras de artistas, já consagrados, Adauto Machado
e Leonardo Alencar, que foram parar nos monturos. Quem as achou - um deles, por
acaso também artista plástico, o gaúcho Eduardo Fabião, ao alugar uma casa no
centro - ao mesmo tempo em que ficaram tristes diante da ignorância dos
perdulários, faturaram. Após deixar a GAAS recebi um telefonema de uma senhora
que solicitava o meu aval. Seria uma espécie de parecer artístico para
justificar perante órgãos como o IPHAN, a retirada de um painel de Leonardo
Alencar da Igreja de São José. Claro que declinei de tal poder. Ainda que o
tivesse de fato, propositadamente não o faria. O motivo, eu soube depois, era o
fato de ser um painel de características bem contemporâneas e os católicos
queriam uma obra no estilo neoclassicista. Ainda tem gente que só considera
arte a Greco-romana. Também em pleno século vinte e um, uma escultura em aço
inoxidável com mais de dois metros e meio de altura, que eu repassei para um
semanário num escambo, resultado de serviço prestado pelo dito, foi parar num
ferro velho por ter sofrido uma avaria perfeitamente sanável. Fosse eu fazer
aquela escultura hoje, somente os custos ficariam em quatro mil reais. Nestes
episódios se nota claramente a ingratidão enquanto contrapartida, dada à
indiferença ou ignorância, quando deveria haver o reconhecimento das
habilidades e do desprendimento dos artistas além do valor dos seus feitos.
Agora, no caso do Caju de Edidelson, da primeira edição do
projeto Caju na Rua, criado por Fábio Sampaio, fica claro que não se tratou da
mera ignorância, mas, de violência intimidadora; a conhecida brutalidade física
como um ato simbólico; um ritual de feições macabras a mandar um recado: o caju
teve apartada a sua castanha como se decepa uma cabeça humana do corpo. Neste
contexto, o ingrediente mais animador dos bárbaros contemporâneos de Aracaju
parece ter sido o reacionarismo estúpido vindos de doutrinação odiosa. Deixaram
sinais de que foi pensada e posta em prática uma ação para destruir um ícone,
que representava uma entidade, filosofia, ideologia ou uma pessoa. Se esta
leitura que eu faço deste episódio estiver errada, de outra forma, só cabe
dizer que, quem o fez exercitou a ingratidão. Munido da ignorância qualquer
indivíduo está preparado para exercitar plenamente a empáfia, o preconceito, a
intolerância e a ingratidão. Enquanto nós artistas nos esmeramos em construir
obras de arte para realçar a cara da cidade, compor a sua identidade artística
e sociocultural há quem a destrua de diversas formas. Caso a população esqueça
a reciprocidade, fique indiferente e vá se habituando a gestos insanos com
estes, a ingratidão, esta vilania até entre os indivíduos mais íntimos, terá se
generalizado como uma praga.
Fotos e texto reproduzidos do blog:
forum-artesvisuais-sergipe.blogspot.com.br
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