Publicado originalmente no site JLPOLÍTICA, em 15 de Janeiro de 2020
Opinião - Tropeçando nos pedaços da história
Por José de Almeida Bispo *
Há 20 anos que, motivado pela necessidade de abastecer um
site na internet sobre Itabaiana, a minha cidade, mergulhei na história desta,
e por extensão na história de Sergipe, donde, também mais penetrei na história
do Brasil e do mundo, à medida que fui puxando documentos da gaveta do tempo e
me maravilhando com o roteiro não programado da lida humana, daqui e de
algures.
Definitivamente, sou apaixonado pela história do meu lugar.
Pela ordem: da minha cidade, meu Estado, meu País, meu continente... Minha bela
e única bola azul, a quem vulgarmente chamamos de terra. Planeta terra. Vira e
volta, cá estou eu no meio dela; vivendo-a, emocionando-me.
Depois de 20 anos de leituras, um rio não é mais um rio
qualquer. Uma estrada, uma serra, colina, morro, praia... Tudo isso encerra
história, dramas e ou tragédias humanas; que eu os ouço dentro minha cachola,
ao ler, com a mesma expectativa, quase volúpia com que ouvia madrinha Candinha,
Dona Zefa de Zé Marcolino, Dona Maria de Tereza, Seu Pedro de Aprígio, Seu João
Caboclo, e meu tio Vito... para encurtar a lista, que juro é quilométrica, de
todos que me contaram histórias e estórias aos meus receptivos ouvidos
infantis, dos meus seis a 12 anos.
No dia 7 deste corrente janeiro deste 2020, ano jubilar para
o Estado de Sergipe e nós, os sergipanos – 200 anos de Emancipação - em companhia de uma equipe da TV Aperipê, a
coletar material para produção de um especial sobre o ciclo da gado, e em
comemoração aos 200 anos de Emancipação de Sergipe, acabei me detendo, mais uma
vez, diante do teatro vivo da história, da nossa história: além da primeira
versão local do “Caminho do Sertão do Meio”, ou a primeira estrada das boiadas
da história do Brasil - ressalte-se, para o abastecimento do recôncavo baiano e
a região açucareira do Pernambuco - uma das únicas fazendas de criar gado -
denominadas apenas de currais, à época - ainda existentes em Itabaiana e
fazendo o mesmo que têm feito há 400 anos. Fica ela a poucos metros do Shopping
Peixoto (1,8 Km), do Loteamento Le Corbusier (1,5 km), do DII - Distrito
Industrial de Itabaiana (1,2 km) e da Cerâmica Mandeme (1,1 m). E já estava no
mesmo local quando Georg Marcgraf passou com seu pessoal, em 1637, medindo todo
o Sergipe holandês, que resultaria num belíssimo mapa de Sergipe, de idem
coleção, publicada na Holanda em 1646.
O mapa holandês também aponta um engenho de açúcar com
moenda movida a bois, "sem igreja", a 1,2 km a oeste, próximo à curva
do riacho Camadanta. Era a modalidade da época, obviamente, onde não dispunha
de roda d’água.
Certamente devem ter existido por pouco tempo: curral e
engenho. No caso do primeiro, ao menos em relação à localização, encontra-se
outro, atual, numa área aproximada onde fica pequena manga. Já a fazenda de
gado em si, permaneceu com idas e vindas durante esses quatro séculos, mas
sempre ocupado na mesma atividade de pastagem.
A sergipanidade começa a nascer aqui
Outro local onde visitamos foram as ruínas da Igreja Velha.
O templo, construído por criadores itabaianenses dos primeiros 30 anos da
colonização de Sergipe, e nunca efetivado por dissenso com a Paróquia de Nossa
Senhora da Vitória de São Cristóvão – a primeira de Sergipe – é emblemático ao
Ciclo do Gado, tal qual a Torre de Garcia D’Ávila, no Município Mata de São
João, Bahia. São as duas únicas construções ainda existentes do primeiro ciclo
econômico brasileiro. De fato, a Igreja Velha é o mais antigo traço dessa fase
brasileira, uma vez que o forte somente foi começado em alvenaria depois de
1712, 80 anos depois; antes era uma torre de pau-a-pique, aos moldes comuns à
época.
A Igreja Velha é também um emblema da sergipanidade: foi o
ardil tomado pelos curraleiros, em 5 de novembro de 1656, para invadir São
Cristóvão, supostamente contrariados com o pároco, o padre Sebastião Pedroso de
Góis; mas de fato um grito de protesto contra a bitributação do gado imposta
pela Câmara Municipal de Salvador. A rebelião, com epicentro na Itabaiana (a
região; ainda não existia a cidade), uma vez que maioria dos implicados nela
residia ou tinham propriedade, todavia, contou com a presença de criadores do
Lagarto (ainda não existia a cidade) e da própria São Cristóvão.
Reforça a tese de que foi uma revolta contra os impostos a
série de cartas trocadas entre a Capital da colônia, Salvador, e São Cristóvão,
antes e depois, assim como o fato do maior apenado no processo que se seguiu
ter sido o próprio governador da capitania, o capitão-mor Manuel Pestana de
Brito, morador e criador na Itabaiana, além de dois dos habituais cinco
vereadores de São Cristóvão e alguns oficiais da polícia. A Rebelião dos
Curraleiroso, a despeito de pouco restar de documentação acerca dela por
destruição, classificável de criminosa, neste mesmo pouco restante se comprova
ter sido o episódio da mais alta relevância para a formação da sergipanidade.
As punições foram impiedosamente pesadas e, na maioria, injustas (o tão em moda
atual “lawfare”) à nascente nobreza sergipana, com isso atrasando seu
desenvolvimento e a afastando para sempre do consentimento à tutela baiana.
E Sergipe entrou em estado de latência por 164 anos, à
espera de um rei traído por orgulhosos e prepotentes súditos, e deles querendo
vingança; quebrando-lhes as pernas ao retirar-lhes um terço das rendas.
[*] É pesquisador e historiador, membro da Academia
Itabaiana de Letras, cadeira 27, patronesse Maria Thétis Nunes
Texto e imagem reproduzidos do site: jlpolitica.com.br
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