terça-feira, 8 de agosto de 2017

Minha pátria é o mundo

Everlane: "quero ser valorizada em minha profissão".

Publicado originalmente no site do Cinform, em 13 de julho de 2017.

Minha pátria é o mundo.
Por Nayara Arêdes.

Recém-chegada de Cuba, realizadora audiovisual Everlane Moraes fala de sua produção e da cena sergipana

Estudando na Escuela Internacional de Cine y TV, em Cuba, Everlane Moraes carrega o nome de Sergipe para o outro lado do continente. Na última semana, a realizadora apresentou sua primeira mostra em Sergipe após o retorno, reencontrando o público sergipano e tendo a oportunidade de mostrar sua produção. À procura de apoio e estrutura, Everlane pretende realizar novas mostras antes de voltar para terras cubanas. Ao OV, ela fala da vida em outro país e de suas impressões sobre a cena do cinema em Sergipe.

Olho Vivo – Como está sendo sua passagem por Cuba?
Everlane Moraes – Está sendo interessante. É muito difícil estar lá sem recursos, mas estou levando a vida, estudando muito, tentando aproveitar o máximo de lá para trazer uma boa bagagem.

OV – Na última semana, o projeto “Ocupe a Praça” trouxe a mostra “A preta tá de volta”, exibindo seus filmes no Centro Cultural de Aracaju. Como foi a primeira mostra após seu retorno?
EM – Na Escola, existe a metodologia de cursos, em que a gente faz pequenas peças como exercícios. Trouxe quatro exercícios, dois deles ainda inéditos. O pessoal do Núcleo de Produção Digital queria que eu trouxesse esses filmes para que as pessoas pudessem acompanhar o que estou fazendo em Cuba. A repercussão foi ótima, o auditório ficou lotado. As pessoas saíram de casa em noite de chuva na sede de ver as produções, querendo saber sobre Cuba. E é um evento interessante, por fazer parte do mês da mulher negra. Essa é a contribuição que posso trazer para a cena das artes em Sergipe.

OV – Quais são seus planos por aqui antes de voltar?
EM – Pretendo fazer algumas mostras e ganhar algum dinheiro para voltar. Está sendo difícil me manter lá. Até agora, tive o apoio de pessoas que doaram para a minha campanha, na época da ida. Então, quero fazer o máximo para pelo menos não gastar o pouco dinheiro que tenho. Mas está sendo complicado. Existe uma demanda grande por formação, mas até para fazer uma simples oficina, a gente fica sem saber em que porta bater e em que gabinete ir.

OV – A relação que as pessoas tem com o cinema em Cuba é diferente do que acontece no Brasil?
EM – Em nível de produção, o cinema não é tão rico quanto aqui. É um país pobre, que vive muito de ajudas. Mas a gente vê muitas salas de cinema populares em Havana, com filmes de diversos estilos e locais. São filas que dão a volta no quarteirão em frente aos cinemas, com pessoas comuns. Não é como aqui, em que só pessoas ricas vão aos cinemas, que ficam nos shoppings.

OV – Como você vê a cena do cinema em Sergipe, hoje?
EM – O Núcleo é a instituição que mais colaborou para o cinema sergipano. Ele já teve um espaço próprio com cursos, produções e atividades. Hoje, está em uma sala no meio de um Centro grande, sem tanta expressão. A Universidade também faz sua parte e está formando estudantes. Mas essas pessoas estão indo para a rua sem fomento algum ao audiovisual. Espero ter uma estrutura maior quando voltar. Venho me dedicando e quero ser valorizada em minha profissão, quero viver disso. Se não tiver espaço em Sergipe, tem em outro local. Minha pátria é o mundo. Infelizmente, há muita ignorância no olhar para o cinema. É preciso ativar e fortalecer as salas de cinema, cineclubes e espaços que já estão aí. É uma questão de interesse político.

OV – Seus filmes exibem uma visão ativista em relação à negritude. Essa luta vem ganhando espaço?

EM – Não estabeleço uma pauta na hora de produzir, mas meus filmes acabam tendo um apelo social, por que é o que eu vivo diariamente. Algumas culturas tem mais privilégios que outras, então, que ao menos eu tenha o privilégio de falar da minha cultura. As pessoas que tem privilégios precisam se calar e escutar o outro, por que esse outro foi calado a vida inteira. A gente tem que ressignificar a imagem do negro na mídia, tem que despertar a autoestima das crianças negras, tem que homenagear as mulheres negras, que são duplamente violentadas pelo Estado. Uma parte muito grande do que faz o nome do Brasil figurar no mundo vem da cultura afro. Hoje, as pessoas estão se mobilizando, tentando pressionar. São pequenas lutas em nível político que transformam a vida diária. Ao mesmo tempo, é um momento perigoso, por que as instituições começam a se apropriar do movimento das ruas para dizer que aquelas pautas são delas. É um período de turbulência, em que questões que sempre existiram estão conseguindo alguma projeção.

Texto e imagem reproduzidos do site: cinform.com.br

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