André Viana (Foto: Arquivo Pessoal).
Publicado originalmente no site do G1 SE., em 05 de agosto de 2015.
André Viana estreia na literatura com romance que explora o
tragicômico.
'O doente' narra trajetória de um homem que sofre perda na
infância.
Thiago Barbosa
Do G1 SE
O que mais poderia dar errado na vida de uma pessoa que, no
aniversário de 11 anos, perde o pai, vítima de câncer? As repostas, o próprio
protagonista desta história relata a um “ouvinte mudo” no romance de estreia de
André Viana, O Doente (Cosac Naify, 128 páginas).
Carioca, o jornalista foi criado em Sergipe e é filho do
escritor sergipano Antonio Carlos Viana, que publicou recentemente 'Jeito de
matar lagartas'. Pai e filho vão lançar em Aracaju os dois livros, neste sábado
(8), na Livraria Escariz, na Avenida Jorge Amado, Bairro Jardins em Aracaju.
Considerado uma das apostas da nova literatura brasileira,
André Viana usa o jornalismo para “se comunicar” com o protagonista do livro. O
autor construiu em 'O Doente' um personagem avesso à psicanálise, que por isso,
troca o divã por um gravador e registra, em uma série de entrevistas, uma vida
inteira permeada por sucessivos dramas familiares, sem perder a marca do
tragicômico.
“Sem dúvida, a estrutura do livro vem da minha formação como
jornalista. O Doente é a transcrição de uma entrevista, algo que faço
sistematicamente há 15 anos. A diferença é que se trata de uma entrevista
inteiramente inventada. Nas faculdades, nas redações, sempre se fala de
jornalismo literário, no qual as técnicas da ficção estão a serviço da
realidade. Minha brincadeira com 'O Doente' foi fazer justamente o contrário,
uma espécie de literatura jornalística, em que tudo o que eu havia aprendido na
prática agora estava a serviço da invenção. A transcrição como um gênero
literário: essa foi minha maneira de conciliar jornalismo e ficção”, disse
André Viana.
O livro começou a ser escrito em 2002 e só foi finalizado 12
anos mais tarde. Durante o processo de escrita, nem um pouco contínuo, as
várias histórias captadas com o ouvido de repórter foram adaptadas e se transformaram
em ficção.
“Nunca tive a pretensão de publicar um romance, pelo menos
não conscientemente. Um dia, ouvi de uma pessoa próxima a história do irmão que
ela tinha perdido bem no dia de seu aniversário. Fiquei muito impressionado com
os detalhes daquele relato. Juntei isso com a história de outro amigo, que
havia perdido o pai ainda criança, e da fusão desses dois relatos reais surgiu
a ideia de um personagem que tinha perdido o pai no dia de seu próprio
aniversário. Que tipo de repercussão esse fato poderia ter na vida de uma
criança? As perguntas foram se sucedendo e eu senti que ali tinha um fio de
novelo a ser puxado. O narrador do livro é tragicômico. Aí talvez esteja a
visão de mundo do autor. A fórmula não é nova: comédia = tragédia + tempo” contou.
Em entrevista especial ao G1, André Viana falou ainda sobre
a influência que teve em casa para se tornar um escritor e sobre a relação do
jornalismo com a literatura.
Confira a entrevista:
G1- O personagem trata a psicanálise com escárnio e sugere
que ao roteirizar o próprio drama, a vida estará liberta do que a aprisiona. A
ficção, assim, é a única forma de libertação?
André Viana- Antes de mais nada, é bom lembrar que estamos
diante de um personagem contraditório. Ao mesmo tempo em que ele trata a psicanálise
com escárnio, ele denota um temor profundo do que poderia encontrar caso se
submetesse a ela: o famoso medo do desconhecido, que muita gente transforma em
ironia como forma de autopreservação. Vale lembrar também que o escárnio com a
psicanálise está no início do livro, quando o personagem tenta justificar de
saída a conversa que está prestes a começar. Já a ideia de que roteirizar o
próprio drama é libertar a vida do que a aprisiona está na segunda carta, no
fim do livro. Entre um ponto e outro, podemos imaginar que o personagem passou
por um processo transformador de autoanálise. Para ele, contar sua própria
história para um colega jornalista, ou seja, roteirizar, dar uma ordem, um
sentido ao seu drama, pode ter sido uma forma de libertação. Mas talvez não
fosse a única.
G1- Você é filho de um dos maiores contistas da literatura
brasileira na atualidade, o Antonio Carlos Viana, mas estreia na literatura com
um romance. Seu pai já disse que sempre foi mais inclinado a escrever contos.
Você fará o caminho inverso? Tem pretensão de escrever contos também ou sua
praia é o romance?
André Viana- Embora os livros sempre tenham dominado a cena
em casa, graças a meus pais, segui pelo jornalismo porque achava que a
literatura já estava dominada na família. Quando descobri que tinha fôlego para
escrever algo maior que uma reportagem, optei pelo romance porque achava que o
conto já estava dominado na família. Gosto do tempo no romance, do espaço
ampliado para desenvolver uma personagem ou uma história. Nunca digo que dessa
água não beberei, mas por enquanto deixemos o conto com o mestre.
G1- Em que o jornalismo ajuda na formação de um bom
escritor?
André Viana- No jornalismo como na ficção, tudo é
personagem. O personagem é um ponto de vista sobre o mundo, não necessariamente
o mesmo do autor, que nada mais é do que outro personagem, assim como o leitor,
ou a natureza, ou Deus. Se tudo é personagem, vida e arte não se imitam: elas
são uma coisa só. O que, claro, não nos torna menos real. Ao contrário. Sendo
assim, a primeira ajuda que o jornalismo pode dar ao escritor seria a colheita
de histórias reais para serem posteriormente trabalhadas como ficção. A segunda
contribuição seria a rapidez. No jornalismo, o tempo e o espaço reduzidos não
permitem volteios. É preciso ser claro em cada frase, na escolha de cada
palavra, e isso também vale para a literatura. O texto precisa ter um imã em
cada frase, caso contrário o leitor derrapa para fora do livro. Mas é bom
lembrar que não é preciso passar pelo jornalismo para ser um bom escritor. Já o
contrário é impossível. A literatura é incontornável na formação de um bom
jornalista.
G1- Você é considerado uma das grandes apostas da literatura
contemporânea. Gosta do que vem sendo escrito hoje? O que anda lendo? Quais são
os escritores e obras que ajudaram a formar o seu estilo?
André Viana- Tem muita coisa boa sendo escrita hoje.
Escritores novos como Daniel Galera, Michel Laub e Vanessa Bárbara já têm
livros sólidos na praça. Em relação ao estilo, trata-se de uma construção
lenta. Acho que ainda estou bem no início para cravar desde já um estilo na
minha escrita. Deixemos andar para ver se a tal aposta vinga ou se dá em água.
Quanto aos escritores que me formaram, Antonio Carlos Viana é, inevitavelmente,
um deles. Mas cada época da vida tem seu autor ou seus autores. Posso citar
vários nomes que foram importantes para mim em algum momento, como leitor mais
do que como escritor: Cortazar e seus volteios, João Cabral e sua secura,
Drummond e seu lirismo cotidiano, Thomas Bernhard e seus fatalismos. Houve um
tempo em que eu vivia com Pedro Páramo, de Juan Rulfo, debaixo do braço. Como
jornalista, devo muito a Humberto Werneck, com quem trabalhei na revista
Playboy logo que cheguei a São Paulo, em 1997. O convívio na redação se
estendeu para o campo da amizade. Aprendi e aprendo sempre com ele, seja em
conversas, seja em livros seus como O Santo sujo e O Desatino da Rapaziada.
G1- O doente foi gerado de 2002 a 2014. O que podemos
esperar de André Viana em 2026?
André Viana- O que eu espero mesmo é estar vivo, com saúde e
ter arrematado alguma Mega-Sena da virada. Nessa conjuntura, provavelmente
estarei comiserando com outros personagens que vier a criar, o que quer dizer
ao menos mais um livro na praça até lá.
G1- O álcool é “salvação e ruína”. E a ficção, quando lida
ou escrita a fim de atenuar a realidade, onde se encaixa?
André Viana- Lida ou escrita, a ficção sempre vai ser
salvação.
Texto e imagem reproduzidos do site: g1.globo.com/se/sergipe
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