segunda-feira, 1 de maio de 2017

André Viana estreia na literatura com romance que explora o tragicômico

André Viana (Foto: Arquivo Pessoal).

Publicado originalmente no site do G1 SE., em 05 de agosto de 2015.

André Viana estreia na literatura com romance que explora o tragicômico.

'O doente' narra trajetória de um homem que sofre perda na infância.

Thiago Barbosa
Do G1 SE

O que mais poderia dar errado na vida de uma pessoa que, no aniversário de 11 anos, perde o pai, vítima de câncer? As repostas, o próprio protagonista desta história relata a um “ouvinte mudo” no romance de estreia de André Viana, O Doente (Cosac Naify, 128 páginas).

Carioca, o jornalista foi criado em Sergipe e é filho do escritor sergipano Antonio Carlos Viana, que publicou recentemente 'Jeito de matar lagartas'. Pai e filho vão lançar em Aracaju os dois livros, neste sábado (8), na Livraria Escariz, na Avenida Jorge Amado, Bairro Jardins em Aracaju.

Considerado uma das apostas da nova literatura brasileira, André Viana usa o jornalismo para “se comunicar” com o protagonista do livro. O autor construiu em 'O Doente' um personagem avesso à psicanálise, que por isso, troca o divã por um gravador e registra, em uma série de entrevistas, uma vida inteira permeada por sucessivos dramas familiares, sem perder a marca do tragicômico.
   
“Sem dúvida, a estrutura do livro vem da minha formação como jornalista. O Doente é a transcrição de uma entrevista, algo que faço sistematicamente há 15 anos. A diferença é que se trata de uma entrevista inteiramente inventada. Nas faculdades, nas redações, sempre se fala de jornalismo literário, no qual as técnicas da ficção estão a serviço da realidade. Minha brincadeira com 'O Doente' foi fazer justamente o contrário, uma espécie de literatura jornalística, em que tudo o que eu havia aprendido na prática agora estava a serviço da invenção. A transcrição como um gênero literário: essa foi minha maneira de conciliar jornalismo e ficção”, disse André Viana.

O livro começou a ser escrito em 2002 e só foi finalizado 12 anos mais tarde. Durante o processo de escrita, nem um pouco contínuo, as várias histórias captadas com o ouvido de repórter foram adaptadas e se transformaram em ficção.

“Nunca tive a pretensão de publicar um romance, pelo menos não conscientemente. Um dia, ouvi de uma pessoa próxima a história do irmão que ela tinha perdido bem no dia de seu aniversário. Fiquei muito impressionado com os detalhes daquele relato. Juntei isso com a história de outro amigo, que havia perdido o pai ainda criança, e da fusão desses dois relatos reais surgiu a ideia de um personagem que tinha perdido o pai no dia de seu próprio aniversário. Que tipo de repercussão esse fato poderia ter na vida de uma criança? As perguntas foram se sucedendo e eu senti que ali tinha um fio de novelo a ser puxado. O narrador do livro é tragicômico. Aí talvez esteja a visão de mundo do autor. A fórmula não é nova: comédia = tragédia + tempo” contou.

Em entrevista especial ao G1, André Viana falou ainda sobre a influência que teve em casa para se tornar um escritor e sobre a relação do jornalismo com a literatura.

Confira a entrevista:

G1- O personagem trata a psicanálise com escárnio e sugere que ao roteirizar o próprio drama, a vida estará liberta do que a aprisiona. A ficção, assim, é a única forma de libertação?
André Viana- Antes de mais nada, é bom lembrar que estamos diante de um personagem contraditório. Ao mesmo tempo em que ele trata a psicanálise com escárnio, ele denota um temor profundo do que poderia encontrar caso se submetesse a ela: o famoso medo do desconhecido, que muita gente transforma em ironia como forma de autopreservação. Vale lembrar também que o escárnio com a psicanálise está no início do livro, quando o personagem tenta justificar de saída a conversa que está prestes a começar. Já a ideia de que roteirizar o próprio drama é libertar a vida do que a aprisiona está na segunda carta, no fim do livro. Entre um ponto e outro, podemos imaginar que o personagem passou por um processo transformador de autoanálise. Para ele, contar sua própria história para um colega jornalista, ou seja, roteirizar, dar uma ordem, um sentido ao seu drama, pode ter sido uma forma de libertação. Mas talvez não fosse a única.

G1- Você é filho de um dos maiores contistas da literatura brasileira na atualidade, o Antonio Carlos Viana, mas estreia na literatura com um romance. Seu pai já disse que sempre foi mais inclinado a escrever contos. Você fará o caminho inverso? Tem pretensão de escrever contos também ou sua praia é o romance?
André Viana- Embora os livros sempre tenham dominado a cena em casa, graças a meus pais, segui pelo jornalismo porque achava que a literatura já estava dominada na família. Quando descobri que tinha fôlego para escrever algo maior que uma reportagem, optei pelo romance porque achava que o conto já estava dominado na família. Gosto do tempo no romance, do espaço ampliado para desenvolver uma personagem ou uma história. Nunca digo que dessa água não beberei, mas por enquanto deixemos o conto com o mestre.

G1- Em que o jornalismo ajuda na formação de um bom escritor?
André Viana- No jornalismo como na ficção, tudo é personagem. O personagem é um ponto de vista sobre o mundo, não necessariamente o mesmo do autor, que nada mais é do que outro personagem, assim como o leitor, ou a natureza, ou Deus. Se tudo é personagem, vida e arte não se imitam: elas são uma coisa só. O que, claro, não nos torna menos real. Ao contrário. Sendo assim, a primeira ajuda que o jornalismo pode dar ao escritor seria a colheita de histórias reais para serem posteriormente trabalhadas como ficção. A segunda contribuição seria a rapidez. No jornalismo, o tempo e o espaço reduzidos não permitem volteios. É preciso ser claro em cada frase, na escolha de cada palavra, e isso também vale para a literatura. O texto precisa ter um imã em cada frase, caso contrário o leitor derrapa para fora do livro. Mas é bom lembrar que não é preciso passar pelo jornalismo para ser um bom escritor. Já o contrário é impossível. A literatura é incontornável na formação de um bom jornalista.

G1- Você é considerado uma das grandes apostas da literatura contemporânea. Gosta do que vem sendo escrito hoje? O que anda lendo? Quais são os escritores e obras que ajudaram a formar o seu estilo?
André Viana- Tem muita coisa boa sendo escrita hoje. Escritores novos como Daniel Galera, Michel Laub e Vanessa Bárbara já têm livros sólidos na praça. Em relação ao estilo, trata-se de uma construção lenta. Acho que ainda estou bem no início para cravar desde já um estilo na minha escrita. Deixemos andar para ver se a tal aposta vinga ou se dá em água. Quanto aos escritores que me formaram, Antonio Carlos Viana é, inevitavelmente, um deles. Mas cada época da vida tem seu autor ou seus autores. Posso citar vários nomes que foram importantes para mim em algum momento, como leitor mais do que como escritor: Cortazar e seus volteios, João Cabral e sua secura, Drummond e seu lirismo cotidiano, Thomas Bernhard e seus fatalismos. Houve um tempo em que eu vivia com Pedro Páramo, de Juan Rulfo, debaixo do braço. Como jornalista, devo muito a Humberto Werneck, com quem trabalhei na revista Playboy logo que cheguei a São Paulo, em 1997. O convívio na redação se estendeu para o campo da amizade. Aprendi e aprendo sempre com ele, seja em conversas, seja em livros seus como O Santo sujo e O Desatino da Rapaziada.

G1- O doente foi gerado de 2002 a 2014. O que podemos esperar de André Viana em 2026?
André Viana- O que eu espero mesmo é estar vivo, com saúde e ter arrematado alguma Mega-Sena da virada. Nessa conjuntura, provavelmente estarei comiserando com outros personagens que vier a criar, o que quer dizer ao menos mais um livro na praça até lá.

G1- O álcool é “salvação e ruína”. E a ficção, quando lida ou escrita a fim de atenuar a realidade, onde se encaixa?
André Viana- Lida ou escrita, a ficção sempre vai ser salvação.

Texto e imagem reproduzidos do site: g1.globo.com/se/sergipe

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