Publicado originalmente no site Zona Autoral, em 05.11.2016.
Os passos da poesia sergipana
Por Hugo Arcanjo
Em dias de revelação diária, a poesia sergipana se encontra
em um grande momento, carregado de soldados armados de poemas cada dia mais poderosos,
surgindo no encantamento do leitor curioso que os buscam nos saraus, nos
eventos musicais, e, principalmente, nas redes sociais. Para começar a falar
dessa nova geração de poetas, é preciso analisar possíveis variáveis que a
levaram a eclodir: a) Ao contrário do que se pensa, nunca na história da
humanidade se escreveu e leu tanto na vida; b) Redes sociais como espaço para
publicação do pensamento em conexão com o mundo; c) Escrever poesia sem moldes
metodológicos tradicionais; d) Ótimo momento artístico sergipano; e) Portas
abertas para (quase) todos; f) Acesso a editoras facilitando publicações
independentes.
“Sério”?! Juro pra você, embora seja apenas um ponto de
vista de um cabra retado que ainda tem muito que ver – e conhecer. Vou tentar
explicar misturando as variáveis (desculpem, não sou tão organizado).
Atualmente, em características gerais, não só em Sergipe,
nunca se leu e escreveu tanto, especialmente nas redes sociais, o que não
necessariamente significa que quantidade é qualidade. Nesse sentido, apesar de
já termos vivido na história períodos de lutas de poetas contra as formalidades
estéticas da poesia, justo no momento mais forte dos hipertextos da linguagem
na web, parece ser mais fácil escrever poesia, e muitos acreditam que escrever
qualquer pensamento possa vir a ser poesia. A gente lê merda pra caralho todos
os dias, inclusive textos objetivos, retos, de características forçadas (poesia
à moda Temer, ou pior – sic), e até algumas coisas que parecem ser uma nova
máscara do escritor e não o desnude de uma alma. No entanto, a qualidade está
inclusa no meio dessa bagunça. Tem gente boa de te deixar de queixo caído, de
ganhar o dia lendo duas linhas, de se sentir preenchido com uma poesia forte de
te tirar (ou repor) o lugar, sem precisar seguir metodologias estéticas
rígidas, mas sem esculhambar com a língua, o juízo e/ou a própria arte.
Todavia, é importante ressaltar que dentro do turbilhão de
informações, ficou mais fácil juntar as peças e obter conhecimento, ler vida e
obra de consagrados autores de dentro (sim, mesmo a história e a arte sergipana
não sendo enfatizadas ou sequer mencionadas no ensino normal das escolas) e de
fora do estado de Sergipe, arrancando raízes e referenciais fortíssimos para
uma vanguarda consistente. Sendo assim, é justo observar que a internet nos deu
esse poder e que as redes sociais e, mais um conjunto de fatores humanos de
relação social, nos empoderaram a escrever, e tendo uma ferramenta capaz de
empoderar e instigar a escrita que são os aparelhos/”membros” eletrônicos e as
redes sociais, é possível elaborar pensamento crítico acerca do mundo que o
cerca e de qualquer lugar. E dessa maneira, podendo postar numa rede social,
num blog ou fazendo um vídeo no Youtube, pode-se atrair e alcançar mais gente
interessada, conhecer mais gente que faz o mesmo e realizar intercâmbios
poéticos, troca de público, troca de experiências, convites a eventos – e a
publicações coletivas –, enfim, criar um elo que envolve a arte e a vida
pessoal (que eu, como poeta, ainda não consigo nem enxergar alguma linha que
separe as duas, mas enfim).
E dentro desse universo, ficou mais fácil conseguir publicar
também através de uma editora. Muitas delas oferecem promoções e pacotes de
publicação na qual – geralmente funciona assim – a produção sai “por conta da
editora”, no entanto o escritor comprará os livros a ela mesma ou indicará uma
livraria revendedora pagando menos que o preço final de venda – eu publiquei
meu primeiro livro, o Delimitação de Amores Infinitos, em 2013, assim. Outro
método utilizado são as coletâneas, publicações coletivas, como queira, nas
quais escritores se unem, repartem o valor, e pagam uma produção independente e
limitada de textos e unidades por escritor – em 2014 participei da obra Poesias
Escolhidas Vol.II: O Melhor de Mim, junto a poetas de todos os cantos do país e
também brasileiros residentes fora do país, sem dúvidas, um excelente
intercâmbio poético.
Além disso, Sergipe passa por um momento artístico
independente muito forte e muito brilhante na música (vide matéria de Carlo
Bruno Montalvão – http://screamyell.com.br/site/2016/10/06/o-grande-momento-da-musica-sergipana/)
participando de grandes eventos e festivais, levando o nome das cidades para
todo estado, do estado para o país e até fora dele, produzindo materiais de
altíssima qualidade (como nunca antes), vencendo concursos a nível nacional, e
etc. Isso acarreta em maior incentivo e, não obstante, apoio a outras
manifestações artísticas, a exemplo de intervenções poéticas em apresentações
musicais, discos e videoclipes. E dentro desse contexto, os espaços para a arte
independente autoral sergipana estão abrindo as portas cada vez mais nos
âmbitos privados como bares, galerias e casas de show – o que significa uma
demanda de público interessado –, e arduamente nos espaços públicos,
especialmente em praças públicas - o ponto alto do assunto. Nessa ótica,
podemos destacar os grandes saraus dos interiores e da capital sergipana que
exaltam a arte autoral e sua essência trazendo o contato imediato entre público
e artista numa troca incalculável de experiências.
Destaque para os saraus da Caixa D’Água e Som na Praça em
Lagarto, Ensaio Aberto, Ocupe a Praça e Som de Calçada em Aracaju, Sarau de
Fora, Som da Praça e Pela Arte em Tobias Barreto, Sarau do Coreto em Simão
Dias, e Sarau do Calçadão em Itabaiana, que são fomentadores de estado puro de
arte envolvendo além da poesia e música, teatro, dança, artesanato, pintura, e
até culinária, mágica, e debates políticos, além de ações sociais como doação
de donativos, dentro de uma interação contextualizada ao momento
político-sócio-econômico-artístico da localidade.
Correlatamente às cidades supracitadas, talvez (creio)
mediante haver espaços para manifestações artísticas livres e haver incentivo
dos artistas locais – que definitivamente são os organizadores dos movimentos,
maioria sem patrocínio ou apoio nenhum do governo, feito na raça mesmo –, são
os locais onde mais se conhecem poetas na região, com grande destaque a
Lagarto, Tobias e Aracaju, mostrando que a poesia sergipana vai além das lendas
in memorian Hermes Fontes, Fausto Cardoso, Tobias Barreto, Mário Jorge, Silvio
Romero, Garcia Rosa, Gizelda Santana de Morais, Araripe Coutinho, Antônio
Carlos Viana, Pedro Amaro (esse ainda vivo), etc., porém não deixa de mostrar
as influências e enaltecer a importância de uma base forte formada por esses
mitos que nomeiam, inclusive, espaços onde ocorrem as manifestações artísticas.
Sendo assim, a poesia sergipana atual já se faz consagrada através do mestre
Assuero Cardoso Barbosa, que desde o final dos anos 1980 já traz obras lindas e
atemporais – e lançou recentemente A Saga de Zefa Ninguém –, perpassando por
gênios da escrita (especialmente em redes sociais) e das performances recitadas
em palco como Pedro Bomba, Allan Jonnes, Jaflety Pedro, o transtorno poético
João Victor Fernandes, a tiradora de fôlegos Horas Rubras Emanuella Tarquínio,
o multiartista Afonso Augusto, e o enérgico baiano de Irará, mas pertencente ao
mundo, e uma veia pulsante de Sergipe, Danilo Lumiano.
Além desses, podemos citar alguns nomes que a poesia
sergipana conta, que são brilhantes, como o Ramon Diego – que lançou
recentemente a obra Argamassa do Silêncio –; o mestre na poesia regionalista
atual, Di Graveto; o doce André Lucas Oliveira; o intrínseco Arteiro Rafael
Martins; o sensual Lobão Lucas Victor Vieira; o multiartista (gênio da pintura
e desenho) Flávio Antonini; o mestre dos haicais Edinando Vieira; os “punks”
Alef Souza e Danilo Reis; o ácido Marcus Joseph; e o morador do plano-avião
brasiliense, mas tão encabruncado como os outros, o existencialista Anderson
Ribeiro.
E o que dizer das mulheres? Ah! Elas são o clímax desse
movimento. Acredito que nunca na história de Sergipe se teve tantas mulheres
escrevendo tanto e tão bem (ou pelo menos não era divulgado no passado – bem
provável, mediante o machismo). Ressalto a poesia das mulheres sergipanas em
suas faces lindas, de almas desnudas que perambulam por sentimentos,
sensualidades, e críticas sociais, em jogos de metáforas geniais, em
construções textuais instigantes – muitas vezes descritivas –, enfim... Além da
supracitada Emanuella Tarquínio, cito a tradutora de almas Eu Quis Ser Sofia
(todos queríamos/queremos – leia, tu verás que vai querer também!) Carol
Maciel; a sensível Thalía Leal; a instigante multiartista Thamyres Dayanne; a
intimista Histeria Poética Veronika Noya; a flor Dani Costa (Daniflor); a
encantadora Débora Arruda; as fortíssimas Lua Nascimento e Amanda Reis; a
grandiosa Fátima Basto; o Girassol de Dentro Larissa Galvão; a leveza da baiana
Bruna Nuvem; etc. Sinceramente, se for parar pra contar os poetas e poetisas, a
lista é enorme e a matéria não termina mais – e para comprovar isso, ressaltar
a qualidade, e ainda citar sobre os intercâmbios poéticos, posso citar poetas
como o pessoal do Coletivo Poesia Além das 7 Praças, de Salvador, e o mineiro
Poesfera Felipe Escobar, que sempre que passam por aqui se encantam com a
riqueza poética sergipana e carregam algum(s) poeta(s) para suas jornadas.
De certo, a sensação é de que saímos de dentro de uma
caverna e nos deparamos com um mundo repleto de arte, e esta está tomando as
redes sociais e as ruas (isso me lembra do lendário Sarau de Baixo, em Aracaju,
que reunia e revelava grandes artistas, e, obviamente, poetas. Talvez tenha
sido o grande marco desse movimento independente). De fato, a importância dos
movimentos artísticos na formação cultural da região é essencial para uma saúde
social e uma construção fortalecida da identidade da gente, e isso deve
permanecer e se fortalecer cada vez mais. Imagina que louco todo mundo lendo,
escrevendo, recitando, curtindo e partilhando poesia por aí. Imaginou? Então
confere essa galera, confere os eventos, os saraus, os materiais produzidos
pelos artistas, enfim. Tenham a visão de vocês.
Nota: Alguns podem perguntar onde eu estou nisso, por que
não me citei, e eu já vos respondo: eu achei melhor não me colocar, pois
acredito não ser capaz o suficiente pra me julgar e me eleger uma peça
fundamental como todos os poetas e poetisas que citei anteriormente. Eu me
conheço bem, e quem me conhece sabe de meus dotes, porém quero deixar para
vocês leitores esse papel. Afinal, entre tantos nomes, eu realmente caberia aí?
Texto e imagens reproduzidos do site: zonaautoral.com
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