segunda-feira, 15 de maio de 2017

O Dia 9 de maio, por Lilian Rocha



Publicado originalmente no Facebook/Perfil Lilian Rocha, em 10 de maio de 2017.

O Dia 9 de maio.
Por Lilian Rocha.

Sempre gostei do meu aniversário. Quando ele vai se aproximando, costumo contar os dias que faltam, pois acho que ele é um dia diferente de todos, é o “meu” dia. E por ser o meu dia, eu gosto de que todo mundo fique sabendo, só pra eu receber parabéns. Afinal, que graça tem um aniversário sem parabéns, sem bolo, sem abraços?
Entretanto, há os que não gostam de comemorar, preferem desaparecer nesse dia, evitam cantar parabéns, escondem a idade, etc, mas decididamente, eu não faço parte desse time.
Acho que toda essa minha empolgação por aniversários veio dela, minha mãe. Ela nunca deixou passar em branco o aniversário da gente. Quando éramos crianças, era ela quem fazia e confeitava o bolo. Pra quem não sabe, “confeitar bolo” significa transformar um bolo numa quase obra de arte. Ela escolhia o modelo numa revista – uma bola, um carrossel, qualquer coisa - e depois ia recortando e modelando os pedaços de bolo até que ele fosse tomando a forma escolhida. Em seguida, vinha a melhor parte. Ela pegava o saco de confeitar, enchia de glacê branca que ela mesma tinha feito, encaixava um bico de metal na ponta do saco e começava a decorar o bolo. Havia bicos de diversos formatos: flores, folhas, estrelas, etc.
Eu adorava vê-la fazendo aquilo. Era um trabalho que requeria muita habilidade e extrema paciência, pois tudo era bem artesanal. E estávamos em plena década de 60, quando não existia nada pronto para ser comprado...
Não demorou e logo essa habilidade dela se espalhou pela vizinhança, de modo que, além de fazer e confeitar os bolos dos 6 filhos, ela passou também a confeitar os bolos dos filhos das vizinhas. E tudo de graça, como sempre.
Depois dos filhos, vieram os netos. E ela continuou participando ativamente de todos os aniversários, ajudando na decoração da mesa, nas lembrancinhas, nas forminhas dos doces, em tudo.
Era principalmente nesses momentos que eu gostava de puxar assunto com ela. Gostava de saber, por exemplo, como se comemoravam os aniversários no tempo dela, se tinha tudo aquilo que tinha hoje. Ela ria e dizia que os aniversários na casa dela eram geralmente comemorados com um almoço. Minha avó mandava preparar uma galinha – galinha era sinônimo de "almoço especial" - e o(a) aniversariante tinha direito de convidar dois(duas) amigos(as) que acabavam passando também a tarde.
E assim se resumia o aniversário. Um almoço com galinha. Nada de refrigerantes, coxinhas ou brigadeiros. Nada de dezenas de convidados nem tampouco dezenas de presentes. Meus avós tinham 9 filhos e o dinheiro era contadinho, não dava para extravagâncias. Mas ela garantia que todos os irmãos dela ficavam felizes. Em compensação, eu ficava com uma pena danada dela. Achava que comemorar aniversário comendo galinha não tinha graça nenhuma...
Mas com galinha ou sem galinha, a verdade é que minha mãe sempre gostou do aniversário dela. Quando ia se aproximando o dia 9 de maio, a gente já notava uma movimentação diferente em casa. Ela mesma fazia os docinhos e salgadinhos, convidava as colegas do trabalho e ficava especialmente feliz nesse dia.
Mas por duas vezes, por circunstâncias contrárias à minha vontade, eu acabei estragando o aniversário dela. A primeira foi em 1978, quando fui operada do joelho em Brasília. Passei 28 dias no hospital, sem poder me levantar, e ela ali, sempre comigo. No meio desses 28 dias, estava também o dia 9 de maio, dia do aniversário dela, que terminou sendo comemorado modestamente, num minúsculo quarto de hospital público. Mas ela estava radiante como sempre, como se estivesse num salão de festas.
Só muitos anos depois, fazendo as contas, é que descobri que aquele foi o aniversário de 50 anos dela...
Anos mais tarde, em 1985, eu estava me preparando para voltar de Recife para Aracaju com meu marido e meu primeiro filho que tinha apenas 8 meses, quando tive uma crise aguda de labirintite. Cada vez que eu ficava de pé, eu sentia náuseas e corria para vomitar. Somente deitada eu me sentia melhor. Mas como terminar de arrumar uma mudança inteira, sem poder ficar de pé e com um bebê de colo?
Desesperada, liguei para minha mãe, a única pessoa no mundo capaz de me salvar. Ela prontamente comprou passagem de avião e foi ao meu encontro. Deitada, fui acompanhando a arrumação silenciosa e cuidadosa dela, sem entender como aquele monte de sacolas ia milagrosamente desaparecendo da sala e entrando nas malas... Como me fez bem a presença dela naquele dia!
Voltamos de avião. Eu deitada, com a poltrona toda reclinada, e ela segurando meu bebê. Era o dia 9 de maio. Dia do aniversário dela que, mais uma vez, eu estraguei.
Mas ela nunca aceitou que eu dissesse ou pensasse que eu tinha estragado o dia dela, pois isso nunca lhe passou pela cabeça. Mil vezes eu tivesse precisado dela, mil vezes ela teria abandonado tudo e ficado ao meu lado.
Este ano, por pouco, não estrago o dia dela de novo. Plantei um sonho na cabeça e escolhi justamente este dia para vê-lo realizado. Mas por algum motivo, Deus começou a desmanchar os meus planos...
Confesso que até gosto quando Deus faz isso, pois os planos dele pra mim são infinitamente melhores que os meus, é só esperar pra ver. É como se Ele estivesse vendo o que eu ainda não consigo enxergar e quando Ele percebe que aquilo não vai ser bom pra mim, Ele rapidamente passa na frente dos acontecimentos e desmancha tudo. Não para me “atrapalhar”, mas simplesmente para me “preservar” de possíveis dores e tristezas.
Mas dessa vez, acho que ela também interferiu lá de cima. Silenciosamente, como sempre, foi recolhendo cada um dos meus sonhos espalhados e guardando-os na mala. Só para me preservar. Não queria me ver triste no dia dela.
Obrigada, mãe! Em troca, almocei galinha no seu aniversário, viu? E fiquei feliz!

Reproduzida do Facebook/Perfil Lilian Rocha.

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